quarta-feira, setembro 11, 2013

PRODUTOS FEITOS PARA DURAR POUCO E PARA OS CAPITALISTAS LUCRAREM MAIS!!

Obsolescência planejada: arma estratégica do capitalismo

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Para que lucros floresçam, produtos precisam quebrar mais rápido, tornar-se ultrapassados ou indesejados. Preço é eterna angústia dos consumidores e devastação da natureza
Por Valquíria Padilha, Renata Cristina A. Bonifácio, no Le Monde Diplomatique
“É comum um telefone celular ir ao lixo com menos de oito meses de uso ou uma impressora nova durar apenas um ano. Em 2005, mais de 100 milhões de telefones celulares foram descartados nos Estados Unidos. Uma CPU de computador, que nos anos 1990 durava até sete anos, hoje dura dois anos. Telefones celulares, computadores, aparelhos de televisão, câmeras fotográficas caem em desuso e são descartados com uma velocidade assustadora. Bem-vindo ao mundo da obsolescência planejada!
Na sociedade de consumo, as estratégias publicitárias e a obsolescência planejada mantêm os consumidores presos em uma espécie de armadilha silenciosa, num modelo de crescimento econômico pautado na aceleração do ciclo de acumulação do capital (produção-consumo-mais produção). Mészáros (1989, p.88) diz que vivemos na sociedade descartável que se baseia na “taxa de uso decrescente dos bens e serviços produzidos”, ou seja, o capitalismo não quer a produção de bens duráveis e reutilizáveis. A publicidade é o instrumento central na sociedade de consumo e um grande motivador de nossas escolhas, pois é por meio dela que geralmente nos são apresentados os produtos de que passamos a sentir necessidade. A função da publicidade é persuadir visando a um consumo dirigido. Para aquecer as vendas, trabalha arduamente para convencer o consumidor da necessidade de produtos supérfluos. É o que Bauman (2008) chama de “economia do engano”. Para Latouche (2009, p.18), “a publicidade nos faz desejar o que não temos e desprezar aquilo que já desfrutamos. Ela cria e recria a insatisfação e a tensão do desejo frustrado”.
A obsolescência planejada
Para mover esta sociedade de consumo precisamos consumir o tempo todo e desejar novos produtos para substituir os que já temos – seja por falha, por acharmos que surgiu outro exemplar mais desenvolvido tecnologicamente ou simplesmente porque saíram de moda. Serge Latouche, no documentário A história secreta da obsolescência planejada,1diz que nossa necessidade de consumir é alimentada a todo momento por um trio infalível: publicidade, crédito e obsolescência.
Planejar quando um produto vai falhar ou se tornar velho, programando seu fim antes mesmo da ação da natureza e do tempo de uso é a obsolescência planejada. Trata-se da estratégia de estabelecer uma data de morte de um produto, seja por meio de mau funcionamento ou envelhecimento perante as tecnologias mais recentes. Essa estratégia foi discutida como solução para a crise de 1929. O conceito teve início por volta de 1920, quando fabricantes começaram a reduzir de propósito a vida de seus produtos para aumentar venda e lucro. A primeira vítima foi a lâmpada elétrica, com a criação do primeiro cartel mundial (Phoebus) para controlar a produção. Seus membros perceberam que lâmpadas que duravam muito não eram vantajosas. A primeira lâmpada inventada tinha durabilidade de 1.500 horas. Em 1924, as lâmpadas duravam 2.500 horas. Em 1940, o cartel atingiu seu objetivo: a vida-padrão das lâmpadas era de 1.000 horas. Para que esse objetivo fosse atingido, foi preciso fabricar uma lâmpada mais frágil.
Em 1928, o lema era: “Aquilo que não se desgasta não é bom para os negócios”. Como solução para a crise, Bernard London propôs, num panfleto de 1932, que fosse obrigatória a obsolescência planejada, aparecendo assim pela primeira vez o termo por escrito. London pregava que os produtos deveriam ter uma data para expirar, acreditando que, com a obsolescência planejada, as fábricas continuariam produzindo, as pessoas consumindo e, portanto, haveria trabalho para todos, que trabalhando poderiam consumir e assim fazer o ciclo de acumulação de capital se manter. Nos anos 1930, a durabilidade começou a ser propagada como antiquada e não correspondente às necessidades da época. Nos anos 1950, a obsolescência planejada ressurgiu com o enfoque de criar um consumidor insatisfeito, fazendo assim que ele sempre desejasse algo novo. Ainda no pós-guerra assentaram-se as bases da sociedade de consumo atual, por meio do estilo de vida norte-americano (American way of life), baseado na liberdade, na felicidade e na ideia de abundância em substituição à ideia do suficiente.
Os tipos de obsolescência
Podemos considerar três tipos de obsolescência: obsolescência de função, de qualidade e de desejabilidade. “Pode haver obsolescência de função. Nessa situação, um produto existente torna-se antiquado quando é introduzido um produto que executa melhor a função. Obsolescência de qualidade. Nesse caso, quando planejado, um produto quebra-se ou se gasta em determinado tempo, geralmente não muito longo. Obsolescência de desejabilidade. Nessa situação, um produto que ainda está sólido, em termos de qualidade ou performance, torna-se gasto em nossa mente porque um aprimoramento de estilo ou outra modificação faz que fique menos desejável” (Packard, 1965, p.51).
Slade (2006) chama a “obsolescência de função” de “obsolescência tecnológica”, que é o tipo de obsolescência mais antiga e permanente desde a Revolução Industrial até hoje, em razão da inovação tecnológica. Assim, a obsolescência tecnológica, ou de função, sempre esteve atrelada a determinada concepção de progresso visto como sinônimo de avanços tecnológicos infinitos. Os telefones celulares e os notebooks são o melhor exemplo disso. A “obsolescência de qualidade” é quando a empresa vende um produto com probabilidade de vida bem mais curta, sabendo que poderia estar oferecendo ao consumidor um produto com vida útil mais longa. Na década de 1930, faziam-se constantes apelos aos consumidores para trocarem suas mercadorias por novas em nome de se tornarem bons e verdadeiros cidadãos norte-americanos. O último e mais complexo tipo de obsolescência é o da desejabilidade, ou “obsolescência psicológica”, que é quando se adotam mecanismos para mudar o estilo dos produtos como maneira de manipular os consumidores para irem repetidamente às compras. Trata-se, na verdade, de gastar o produto na mente das pessoas. Nesse sentido, os consumidores são levados a associar o novo com o melhor e o velho com o pior. O estilo e a aparência das coisas tornam-se importantes como iscas ao consumidor, que passa a desejar o novo. É o design que dá a ilusão de mudança por meio da criação de um estilo. Essa obsolescência pode ser também conhecida como “obsolescência percebida”, que faz o consumidor se sentir desconfortável ao utilizar um produto que se tornou ultrapassado por causa do novo estilo dos novos modelos.
A lógica da sociedade capitalista precisa criar ou renovar estratégias que favoreçam a acumulação do capital (por meio não só da expropriação da mais-valia na produção, mas também pelo lucro obtido na venda dos produtos). Mészáros (1989) nos mostra que a taxa de uso decrescente no capitalismo é um mecanismo inevitável da produção destrutiva do capital. O autor considera esse fenômeno intrínseco ao modo de produção capitalista, o qual precisa estimular a sociedade descartável para perdurar enquanto sistema econômico hegemônico. Ele diz: “É, pois, extremamente problemático o fato de que [...] a ‘sociedade descartável’ encontre o equilíbrio entre produção e consumo necessário para a sua contínua reprodução, somente se ela puder artificialmente consumirem grande velocidade (isto é, descartar prematuramente) grandes quantidades de mercadorias, que anteriormente pertenciam à categoria de bens relativamente duráveis. Desse modo, ela se mantém como sistema produtivo manipulando até mesmo a aquisição dos chamados ‘bens de consumo duráveis’, de tal sorte que estes necessariamente tenham que ser lançados ao lixo (ou enviados a gigantescos ‘cemitérios de automóveis’ como ferro-velho etc.) muito antes de esgotada sua vida útil” (Mészáros, 1989, p.16).
A sociedade do consumo visa atender às necessidades de acumulação do capital mais do que às necessidades básicas de seus membros. Se a satisfação de todos fosse realmente a finalidade do sistema produtivo, os bens seriam reutilizáveis. Mas, como o capitalismo “tende a impor à humanidade o mais perverso tipo de existência imediata” (Mészáros, 1989, p.20), toda a sociedade fica submetida à lógica de acumulação do capital segundo a qual a não aceleração do ciclo produção-consumo se torna um obstáculo. Assim, a obsolescência planejada passa a ser uma estratégia fundamental para satisfazer as exigências expansionistas do modo de produção capitalista. “[...] quanto menos uma dada mercadoria é realmente usada e reusada (em vez de rapidamente consumida, o que é perfeitamente aceitável para o sistema), [...] melhor é do ponto de vista do capital: com isso, tal subutilização produz a vendabilidade de outra peça de mercadoria” (Mészáros, 1989, p.24).
Tudo acaba virando lixo
A obsolescência planejada é uma tecnologia a serviço do capital. Para aumentar a acumulação de riquezas privadas, o capital devasta, destrói, esgota a natureza. O aumento da riqueza do capital é proporcional ao aumento da destruição da natureza. Na sociedade da obsolescência induzida, tudo acaba em lixo. Quanto mais rápida e passageira for a vida dos produtos, maior será o descarte. A publicidade é o motor que faz toda essa dinâmica funcionar. Esse modelo de sociedade baseada na estratégia da obsolescência planejada está sendo determinante no esgotamento dos recursos naturais (que ocorre na etapa da produção) e no excesso de resíduos (que ocorre na etapa do consumo e do descarte). Magera (2012) salienta que a humanidade, que existe no planeta há milhares de anos, conseguiu alcançar a maioria de todos os avanços tecnológicos e informacionais apenas nos últimos duzentos anos. Mas essa sociedade do consumo, que, em nome do progresso, aumenta o volume e a velocidade das coisas produzidas industrialmente, eleva também o volume de lixo. Ao mesmo tempo, os consumidores não são estimulados a se conscientizar sobre a geração de resíduos. O lixo é algo do qual as pessoas querem se desfazer o mais rápido possível e, de preferência, que seja levado para bem longe.
Leonard (2011) apresenta inúmeros dados relacionados à extração de recursos naturais e à produção e geração de resíduos no final do ciclo. Alguns exemplos: para produzir uma tonelada de papel, são usadas 98 toneladas de vários outros materiais; 50 mil espécies de árvores são extintas todos os anos; os norte-americanos possuem cerca de 200 milhões de computadores, 200 milhões de televisores e 200 milhões de celulares; nos Estados Unidos são consumidos cerca de 100 bilhões de latinhas de alumínio anualmente. A autora mostra que todo o nosso sistema produtivo-consumista, potencializado pelas estratégias de obsolescência, produz uma destruição assustadora dos recursos naturais ao mesmo tempo que aumenta consideravelmente a geração de lixo. Com a taxa decrescente do valor de uso dos produtos, tudo o que o sistema consegue é aumentar a acumulação do capital enquanto aumenta a destruição do planeta.
Produção de tecnologias verdes ou programas de reciclagem não resolvem essa gama de problemas. É urgente rever o modelo de crescimento econômico que se sustenta nos pilares da obsolescência planejada.
Decrescimento econômico
Podemos afirmar que a espinha dorsal desta sociedade de consumo atual é a aceleração do ciclo produção-consumo-mais produção-mais consumo, gerando descarte e resíduos. O consumo é visto como o motor responsável pelo crescimento econômico – entendido como algo sempre bom e necessário – com base em um paradigma produtivista-consumista. A publicidade continua uma aliada fundamental para manter acesa a chama do consumo e da taxa decrescente do valor de uso das mercadorias, fazendo dos consumidores vítimas de uma armadilha invisível.
Rever os princípios que norteiam esse modelo de crescimento econômico é necessário. Inspiramo-nos no movimento recente do decrescimento econômico, que tem o economista francês Serge Latouche como um dos principais expoentes. O PIB não pode mais continuar sendo visto como uma taxa que deve sempre crescer. Não é razoável pensar num crescimento infinito quando o planeta é finito. O movimento pelo decrescimento econômico parece-nos uma saída para muitos dos problemas que apontamos aqui. Não se trata de voltar ao tempo das cavernas, mas sim de parar imediatamente com esse modelo de crescimento, de progresso e de felicidade ancorado na sociedade de consumo. O crescimento pelo crescimento é irracional. Precisamos descolonizar nossos pensamentos construídos com base nessa irracionalidade para abrirmos a mente e sairmos do torpor que nos impede de agir. Latouche diz: “A palavra de ordem decrescimento tem como principal meta enfatizar fortemente o abandono do objetivo do crescimento ilimitado, objetivo cujo motor não é outro senão a busca do lucro por parte dos detentores do capital, com consequências desastrosas para o meio ambiente e, portanto, para a humanidade” (2009, p.4). A nova lógica que deverá ser construída é a de que podemos ser felizes trabalhando e consumindo menos. Nesse projeto, não faz sentido falar em desenvolvimento sustentável – mais um sloganda moda que os capitalistas inventaram. Falar em ecoeficiência é continuar na “diplomacia verbal”.
O assunto não se esgota aqui, obviamente, mas é fundamental desvelar o princípio da obsolescência planejada para que possamos renovar nossas utopias de um mundo onde a natureza seja preservada, onde haja mais presença e menos presente, mais laços humanos e menos bens de consumo.
*Valquíria Padilha Professora de Sociologia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP/USP) e autora de Shopping center: a catedral das mercadorias(Boitempo, 2006).
**Renata Cristina A. Bonifácio Graduada em Administração de Empresas pela FEA-RP/USP.
Ilustração: Alves
1 Disponível em: .
Referências bibliográficas
BAUMAN, Z. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
HAUG, W. F. Crítica da estética da mercadoria. São Paulo: Editora Unesp, 1997.
LATOUCHE, S. Pequeno tratado do decrescimento sereno. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
LEONARD, A. A história das coisas. Da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
MAGERA, M. Os caminhos do lixo. Campinas (SP): Átomo, 2012.
MÉSZÁROS, I. Produção destrutiva e o estado capitalista. São Paulo: Ensaio, 1989.
PACKARD, V. Estratégia do desperdício. São Paulo: Ibrasa, 1965.
SLADE, G. Made to break: technology and obsolescence in America [Feito para quebrar: tecnologia e obsolescência nos Estados Unidos]. Harvard University Press, 2006

terça-feira, setembro 10, 2013

PRESIDENTE DO PCdoB APONTA O CAMINHO PARA O FUTURO DO PARTIDO!!!

Renato Rabelo: O desafio da construção do pensamento revolucionário

O Partido Comunista tem como sua causa o grande ideal da superação revolucionária do capitalismo e da construção da nova sociedade socialista. Este objetivo maior somente será alcançado com o desenvolvimento da teoria revolucionária, que plasme um pensamento avançado engajado no seu tempo histórico.
Por Renato Rabelo*
A luta pelo desenvolvimento e aplicação de um pensamento de esquerda revolucionário, marxista, em nosso tempo no Brasil, que se concretize na existência de um partido comunista de feição e prática revolucionárias – condutor da maioria dos trabalhadores e das camadas populares - tem sido o centro de um embate histórico incessante do Partido Comunista do Brasil.
Esse grande embate transcorre desde a fundação do Partido em 1922, passando pela reorganização de sentido revolucionário em 1962, seguindo no 8º Congresso, em 1992, quando enfrentou e venceu a avalanche da derrota estratégica do socialismo. Segue, hoje, na tarefa primordial de reavivar a perspectiva comunista, na luta do PCdoB que compreende a acumulação estratégica de sentido revolucionário nas novas condições políticas inauguradas pela vitória de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, num mundo em que o movimento revolucionário está sujeito ainda a uma correlação de forças que favorece o imperialismo-capitalismo.
O PCdoB analisa que esse hodierno período histórico coloca os comunistas diante da disjuntiva - de colocar em marcha uma nova luta pelo socialismo, retirando as lições da construção do socialismo do século passado, atualizando o caminho e reavivando seu rumo – ou prevalecerão o sistema e a ordem capitalistas por longo período histórico, num retrocesso civilizacional.
Na avaliação histórica feita pelo Partido, ressaltando ensinamentos capitais, depreendemos que o socialismo inicia seus passos na história. O seu propósito primordial é resolver a contradição essencial do capitalismo: produção cada vez mais social em antagonismo crescente com a forma de apropriação privada da renda e da riqueza. Somente será possível essa realização com o estabelecimento do poder de Estado dos trabalhadores e seus aliados. Mas o aprendizado da construção do socialismo ressalta que não há modelo único nem de socialismo, nem de revolução. Sua edificação passa por um período objetivo de transição, com etapas conforme as peculiaridades de cada país.
O PCdoB - nesta fase de sua direção na quarta geração - conseguiu situar e determinar, num esforço baseado na teoria marxista-leninista, compreendendo a realidade do atual período histórico, uma visão que embasa nosso pensamento tático e estratégico, definida no conceito: a acumulação estratégica de forças, cujo objetivo é a conquista da hegemonia dos trabalhadores e das camadas populares, configurado no poder estatal de caráter democrático-popular, visando à transição ao socialismo. A acumulação para alcance da hegemonia dá-se pela via das reformas estruturais e de rupturas com a ordem vigente. Esta tarefa estratégica do PCdoB é delineada no seu Programa - o caminho de fortalecer a nação, no rumo da luta pelo socialismo. Portanto, o caminho não deve se perder nos desvãos da caminhada, não se esgota, até que seja atingido o destino socialista.
Na linha programática atual, a realização plena de Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento se constitui no caminho brasileiro para o socialismo. Portanto, esse não é um fim em si mesmo. Este novo Projeto é compreendido essencialmente no entrelaçamento entre as tarefas fundamentais da luta pela soberania nacional, a democratização da sociedade, o progresso social, a defesa do meio ambiente, a integração solidária da América Latina. A concretização dessas tarefas se realizará por meio das reformas democráticas na superestrutura político-institucional (reforma política, reforma do Poder Judiciário, democratização dos meios de comunicação), e nas reformas econômicas e estruturais da sociedade (reforma financeira, reforma tributária, reforma urbana, reforma agrária consequente, universalização de qualidade da saúde e educação).
Neste conjunto de tarefas a questão nacional assume a centralidade. Isso é decorrência da etapa do imperialismo, sobretudo nos países da chamada periferia do sistema, que estão submetidos a uma contradição básica: anseio dos povos por mais profundo desenvolvimento e progresso social versus a hegemonia dominante do imperialismo e de seus aliados internos voltados para prevalecer seus desígnios antinacionais.
O pensamento revolucionário do PCdoB, em desenvolvimento, compreende a visão da construção e gestão de nossa instituição política maior e instrumento imprescindível para aplicação da nossa linha básica e Programa, reduto da nossa ideologia transformadora - o Partido Comunista. Reafirmamos a identidade do Partido Comunista do Brasil, que é expressão do desenvolvimento da nossa teoria base, o marxismo-leninismo, partido político da classe trabalhadora destinado à conquista e construção do socialismo, partido patriótico e internacionalista.
A continuidade da opção revolucionária, marxista-leninista, nas condições históricas de nova luta pelo socialismo, se traduz no modo da edificação atual do Partido Comunista. Para cumprir sua missão o Partido não se encerra no principismo - restrito à propaganda revolucionária, sem influência no curso político e nas massas - nem deve se tornar um agrupamento possibilista e pragmático.
Concebemos hoje o PCdoB, na exigência da acumulação de forças estratégica, como vanguarda na articulação dialética entre a luta política em todas as suas dimensões, a luta social de massas e a luta de ideias. Na sua estruturação perseguimos a formação de um Partido sem alas nem grupos, com um único centro dirigente, com ampla liberdade de opinião e debate de ideias, com unidade ideológica e unidade de ação política. Composto por núcleos dirigentes com firmeza e convicção revolucionárias, esteios para construção de um partido orgânico de massas de militantes, voltado para a ação política.
Ao fim e ao cabo a aplicação da linha política e da edificação partidária depende dos quadros, eles são o fator decisivo para aplicação das decisões. A nossa política atualizada de quadros procurou responder às novas exigências da linha programática e da construção partidária.
A segunda parte deste artigo versará sobre a aplicação do pensamento revolucionário pelo PCdoB.
*Renato Rabelo é presidente nacional do PCdoB

quinta-feira, setembro 05, 2013

Câmara Ferreira, o "velho Toledo", exemplo de revolucionario comunista!!!

No coração do seu tempo: a vida de Joaquim Câmara Ferreira
Por Augusto C. Buonicore

Neste mês de setembro comemoramos os cem anos do revolucionário Joaquim Câmara Ferreira. Sua vida foi dedicada à defesa dos interesses do Brasil e do seu povo. Muito jovem ingressou nas fileiras do Partido Comunista do Brasil (então PCB) e engrossou as lutas contra o nazi-fascismo e o Estado Novo. Por isso, foi preso e brutalmente torturado. Durante as décadas de 1940 e 1950 esteve à frente da imprensa partidária em São Paulo. Resistiu à bala quando a polícia tentou ocupar a redação e a gráfica do jornal Hoje, que ele dirigia. Rompido com o PCB, durante a ditadura militar, foi um dos fundadores da Ação Libertadora Nacional (ALN). O comandante Toledo – seu nome de guerra durante a guerrilha urbana – participou do rapto do embaixador estadunidense, que garantiu a libertação de inúmeros prisioneiros políticos. Novamente preso e torturado, desta vez morreu nas mãos dos seus algozes. Desde então, seu nome entrou para a galeria de mártires do povo brasileiro e virou referência obrigatória para todos aqueles que não aceitam a ditadura e a dominação imperialista. Viva a memória de Joaquim Câmara Ferreira!
Câmara Ferreira, Prestes, Pomar e Zé Duarte em comício.
Dos primeiros anos à luta contra o fascismo
Joaquim Câmara Ferreira nasceu em Jaboticabal no dia 5 de setembro de 1913. Seu pai, o engenheiro Joaquim Batista Ferreira Sobrinho, havia sido por três vezes prefeito dessa pacata cidade do interior paulista. A mãe, Cleonice Câmara, morreu depois de apenas vinte dias de ele ter nascido.
Seguindo o caminho paterno, foi estudar na Escola Politécnica de São Paulo. Porém, no segundo ano, abandonou a engenharia e se transferiu para o curso de filosofia na Universidade de São Paulo (USP) que estava se iniciando. Também estava no início o seu engajamento político junto ao movimento comunista.
Certo dia indo para a Politécnica viu alguém que atentamente lia um livro de Vladimir Ilitch Lênin. O jovem curioso se aproximou e começou uma discussão sobre o socialismo e o marxismo. O estranho era o comunista Adolfo Roitman – que já havia passado pelas prisões do novo regime de Vargas. Eles marcaram outros encontros, nos quais conheceria Noé Gertel e Caio Prado Jr.
Em 1932, ao lado desses novos companheiros, organizou um núcleo do Socorro Vermelho Internacional, órgão de ajuda e solidariedade aos perseguidos políticos. No ano seguinte, estaria militando ativamente no Partido Comunista do Brasil, então PCB. Quem o recrutou foi Sebastião Francisco, secretário de organização do comitê estadual de São Paulo. A veterana comunista Sara Mello contou ao historiador Luiz Henrique de Castro Lima o que aconteceu: “Câmara falou o que esperava (do Partido) e esse companheiro disse: ‘Então, você pode se considerar hoje membro do Partido Comunista do Brasil’. Foi a maior sensação da vida de Câmara (...) o dia em que foi considerado membro do Partido Comunista do Brasil”.
Aqueles eram anos de ascensão do nazi-fascismo. Em janeiro de 1933 Hitler assumiu o poder na Alemanha. No Brasil, os integralistas começavam a se assanhar. Reagindo a isso, em 1934, os comunistas brasileiros criaram o “Comitê de luta contra a reação, o fascismo e as guerras imperialistas”, que ficaria conhecido simplesmente como “Comitê antiguerreiro”. À frente desse trabalho estava Joaquim Câmara Ferreira. Devido ao seu esforço, ele foi cooptado para o comitê estadual. Tinha então 21 anos de idade.
Uma das passagens mais expressivas do combate ao integralismo no país foi a Batalha na Praça da Sé,ocorrida em 7 de outubro de 1934. Contra uma marcha programada pelos integralistas – que pretendiam repetir aqui a marcha sobre Roma que deu o poder a Mussolini – comunistas, trotskistas, socialistas, anarquistas e tenentistas de esquerda se uniram e foram à luta. Nas ruas do centro de São Paulo estourou um conflito armado e as hostes integralistas de Plínio Salgado tiveram que se dispersar. Foi a primeira grande vitória da frente única antifascista.
Câmara Ferreira também participou da formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), que era presidida regionalmente por Caio Prado Jr. A ANL conheceu um rápido crescimento, mas logo foi colocada na ilegalidade pelo governo Vargas. Os comunistas reagiram organizando levantes armados, baseados na sua influência nos quartéis, no Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Os movimentos foram derrotados e iniciou-se uma dura repressão contra a esquerda. Foram encarcerados milhares de militantes e dirigentes comunistas, entre eles Luiz Carlos Prestes e Antonio Maciel Bonfim, secretário-geral do PCB. Diante dessa situação, o que restou do secretariado do Comitê Central, comandado por Lauro Reginaldo da Rocha, o Bangu, se refugiou no Nordeste. Em 1937 esse órgão se transferiu para São Paulo.
No mesmo ano o Partido viveu uma cisão de vulto. O mote foram as opções colocadas diante das eleições presidenciais. O Comitê Regional de São Paulo, liderado por Hermínio Sachetta, defendia o apoio à candidatura do paulista Armando Salles de Oliveira, mas na condição de que ele aceitasse um programa democrático assentado na anistia, aplicação da Constituição de 1934 e combate ao integralismo. Além do atendimento de algumas reivindicações populares, como o combate à carestia e pelo aumento dos salários. Ao contrário, o secretariado do Comitê Central definiu-se pela candidatura do nordestino José Américo de Almeida. Isso não deveria estar vinculado a nenhuma condição preliminar, a não ser à oposição ao integralismo em ascensão e à garantia da própria eleição. Aos poucos essa tese foi conseguindo a adesão da maioria dos comitês partidários. Contudo, o que mais contribuiu para isso foi a posição assumida pela Internacional Comunista a seu favor. Os que discordavam passaram a ser acusados como trotskistas,coisa que efetivamente não eram e acabaram expulsos do Partido. Câmara Ferreira, desde o primeiro momento, tomou posição ao lado da maioria do Comitê Central, combatendo o grupo de Sachetta.
Aquela foi uma disputa vã, pois não haveria eleição presidencial naquele ano, nem nos próximos. Em novembro de 1937, Vargas daria um golpe e criaria o Estado Novo. Mas a cisão já estava feita e as acusações se multiplicavam de lado a lado. Muitos anos mais tarde Sachetta e Câmara Ferreira se uniriam novamente contra outra ditadura: a militar.
Das masmorras do Estado Novo às trincheiras do jornal Hoje
Em 1939 Câmara Ferreira foi convocado para dar assistência ao Partido em diversos estados nordestinos. Algo muito perigoso tendo em vista a ofensiva policial desencadeada contra o PC do Brasil. Na volta, em março de 1940, foi preso no Rio de Janeiro. Todos os dirigentes nacionais estavam nas mãos da repressão e Partido ficara acéfalo. Segundo Gertel: “Câmara Ferreira foi torturado barbaramente com palmatória, afogamento, pau-de-arara e estiletes de madeira enfiados nas unhas”.
Apesar do suplício, ele não deu nenhuma informação que pudesse prejudicar o Partido. Um dia quebrou uma janela da delegacia – cortando os pulsos – e gritou: “estão me torturando! Viva Prestes!”. Por seus ferimentos, que impediam de usar uma das mãos, teve que ser operado ainda na prisão. Aquela seria uma experiência dolorosa que o marcaria por toda a sua vida.
Ele foi condenado a sete anos de prisão pelo Tribunal de Segurança Nacional e por dois anos e meio permaneceu incomunicável na Casa de Detenção. Antes de ser preso havia conhecido Leonora Cardieri e tornaram-se namorados. O casamento seria feito na prisão de Ilha Grande em 1944. Solto um mês antes da anistia foi trabalhar no Diário de São Paulo. Entre 1946 e 1948 nasceram seus dois filhos: Roberto e Denise.
Ao contrário da maioria dos presos políticos – como Marighella –, Câmara Ferreira defendia a necessidade da Conferência da Mantiqueira, ocorrida em 1943, e o processo de reorganização do Partido que vinha sendo realizado por homens como Diógenes Arruda Câmara, Amarílio Vasconcelos, Maurício Grabois, Pedro Pomar, João Amazonas e Mário Alves.
Depois da anistia, em 18 de abril de 1945, e da legalidade do PCB, Câmara se tornou um dos principais dirigentes do partido em São Paulo. Foi um dos responsáveis pela criação de diretor-redator do jornal paulista Hoje. A publicação era diária e, entre 1945 e 1947, chegou a disputar a venda com grandes jornais como O Estado de S. Paulo.
Em janeiro de 1947, os comunistas paulistas tiveram uma grande vitória elegendo 11 deputados estaduais e dois federais, além de ajudarem a eleger Adhemar de Barros para o governo de São Paulo. Essa foi uma vitória de Pirro, pois logo ele se voltaria contra o Partido apoiando a sua cassação (1947) e de seus deputados (1948). A partir daí a repressão do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) paulista seria ainda mais dura com seu ex-aliado.
Um dos momentos mais dramáticos desses enfrentamentos foi a invasão da redação e oficinas do Hoje, ocorrida em 2 de janeiro de 1948. De madrugada, um delegado e dezenas de policiais compareceram à porta do jornal, comunicando que aquela edição seria apreendida. Câmara Ferreira exigiu um mandado judicial, que eles não tinham. Diante disso, tomou a decisão de resistir nem que fosse à bala. Dentro das oficinas havia mais de 40 empregados e o deputado comunista Estocel de Moraes.
Em seguida, estourou um tiroteio que durou várias horas. O conflito terminou próximo ao amanhecer quando, já sem munição e num ambiente saturado de gás lacrimogêneo, os resistentes tiveram que se render. À exceção de Estocel, que tinha imunidade parlamentar, todos os demais foram conduzidos ao DOPS. Num primeiro julgamento Câmara foi condenado a um ano de prisão.
Quando saiu da cadeia ele reassumiu a direção do Partido em São Paulo e do Notícias de Hoje – novo nome adotado pelo jornal que havia sido proibido pela polícia. Este se transformaria no porta-voz dos operários durante a greve geral que sacudiu São Paulo em 1953. Nos dias da paralisação as vendas subiram de quatro mil para 25 mil exemplares por dia. Por trás disso estava o valente Câmara Ferreira. Entre 1948 e 1953, a linha do Partido foi marcada pelo esquerdismo e por uma retórica radicalizada contra os governos Dutra e Vargas. E isso acarretaria aos editores dos jornais comunistas – como Câmara Ferreira – muitos processos e breves detenções.
Crise do partido comunista ao golpe militar
Em meados da década de 1950, ninguém imaginava que o movimento comunista estava às portas de uma grande crise. Tudo começou em 1956 quando, no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), Kruschev denunciou os crimes cometidos por Stalin. Este dirigente havia adquirido uma condição de santidade para milhões de comunistas em todo o mundo. A notícia transmitida inicialmente pela imprensa burguesa ocasionou um choque profundo e uma fratura ideológica que teria inúmeras consequências.
Momentaneamente, no Brasil, houve o fortalecimento de uma corrente acusada de liquidacionista, pois pregava a extinção do PCB ou sua transformação num partido tipicamente nacionalista. Seu principal expoente foi Agildo Barata – um dos heróis do Levante de 1935. Essas ideias, contudo, foram rapidamente derrotadas no interior da direção e Agildo expulso.
Juntamente com a crítica ao chamado stalinismo, o XX Congresso trouxe uma nova linha política que, segundo alguns, flertava perigosamente com o reformismo. As novas palavras de ordem eram: coexistência pacífica, competição pacífica e transição pacífica ao socialismo. Uma das consequências dessa mudança de rumo foi a substituição das lideranças apegadas à antiga política, consideradas esquerdistas, dogmáticas e stalinistas.
Nessa toada, em 1957, o Comitê Central destituiu do secretariado os militantes históricos Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas, Maurício Grabois. No ano seguinte, a direção nacional aprovou a Declaração de Março que representava uma adaptação da linha do partido brasileiro aos novos ventos vindos da União Soviética. Agora o regime de democracia popular deveria ser conquistado gradualmente através de sucessivas reformas e de diversos governos de caráter democrático e nacionalista – sem a necessidade de uma ruptura revolucionária. Tal posição não obteve o consenso entre os comunistas brasileiros e gerou algum descontentamento.
As consequências da crise aberta entre 1956 e 1957 foram: o fechamento da União da Juventude Comunista (UJC) e da maioria dos jornais regionais, que sofriam com a deserção ou afastamento de seus jornalistas abalados com as denúncias contra Stalin. O Notícias de Hoje também deixou de existir. O semanário Voz Operária – órgão oficioso do PCB – se transformou em Novos Rumos e Câmara Ferreira assumiu a chefia de sua sucursal paulista.
Ele, num primeiro momento, se alinhou à nova política partidária. Por isso, segundo Gorender, esteve entre aqueles que ajudaram na elaboração das teses do V Congresso do PCB, que seguia no mesmo rumo da Declaração de Março de 1958. Depois de sua publicação, a discussão, através da Tribuna de Debates, foi muito acesa e radicalizada. Colocaram-se em trincheiras opostas antigos camaradas. De um lado, Prestes, Marighella, Gorender, Câmara Ferreira, Mário Alves; de outro, Amazonas, Grabois, Pomar, Lincoln Oest e Carlos Danielli.
O resultado do confronto político e ideológico foi que a linha reformista saiu vitoriosa. Arruda, Amazonas e Grabois perderam seus lugares no Comitê Central. E Joaquim Câmara, alinhado à maioria, passou a compor o órgão dirigente nacional. As coisas pareciam caminhar para uma estabilização.
No segundo semestre de 1961 a crise no interior do Partido voltaria a ser agravar. Em agosto, a direção registrou novo Programa e Estatuto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Entre as mudanças propostas estava a alteração do nome do Partido: de Partido Comunista do Brasil passaria a se chamar Partido Comunista Brasileiro. Dos documentos desapareciam termos como marxismo-leninismo, internacionalismo proletário e o objetivo final do comunismo. Tudo isso visando à legalização.
Cerca de cem militantes descontentes enviaram uma carta ao Comitê Central defendendo a retirada dos documentos ou a convocação de um novo congresso para que fossem discutidas as divergências surgidas. Diziam que com aquelas medidas, na prática, a direção havia criado um outro partido. A resposta foi a punição e expulsão dos descontentes, que reorganizariam o Partido Comunista do Brasil – agora PCdoB – em fevereiro de 1962. Joaquim Câmara Ferreira ficou no PC Brasileiro. A partir de então o país passaria a ter dois partidos comunistas.
No interior da maioria pecebista gradualmente foram surgindo diferenças de opiniões. Dirigentes que haviam apoiado as teses do congresso agora demonstravam algumas dúvidas e propunham uma linha política um pouco mais à esquerda. Essas diferenças ainda pouco percebidas pela militância se tornariam explosivas com o golpe militar. A incapacidade de prever o que estava acontecendo e a inexistência de um movimento mais amplo de resistência popular aos golpistas geraram descontentamentos nas fileiras do PC Brasileiro. Muitos começaram a procurar outras alternativas.
Após a implantação da ditadura, o Comitê Central se dividiu. Em maio daquele ano a Comissão Executiva aprovou o documento Esquema para discussão. Ele trazia uma crítica às posições conciliadoras adotadas pelo PCB durante o governo Goulart e as responsabilizava pela derrota ocorrida quase sem luta. Essa resolução conseguiu ser aprovada porque os dirigentes que estavam disponíveis no Rio de Janeiro eram ligados à esquerda partidária, como Gorender, Mário Alves, Câmara Ferreira e Jover Telles. Quando Prestes e outros membros da direção vinculados a ele – que eram a maioria – tomaram pé da situação procuraram reverter a decisão anterior.
O embate direto entre as duas linhas ocorreu durante a primeira reunião do Comitê Central e venceu aquela capitaneada por Prestes. O Esquema seria duramente criticado e impedido de circular, acusado de esquerdista. Seus defensores foram derrotados e perderam o espaço que tinham na direção nacional. O mesmo não aconteceu nos principais comitês partidários, especialmente nos estados de São Paulo e Guanabara. Ali a esquerda aumentou o seu prestígio e se preparou para o combate.
Às vésperas do VI Congresso do PCB o debate tomou nova dimensão e se radicalizou. A situação na direção nacional não era nem um pouco tranquila. Na Conferência de São Paulo, por exemplo, mesmo com a presença de Prestes, as teses oficiais foram derrotadas – conseguindo apenas 4 votos entre os 37 delegados presentes. Foi uma vitória consagradora para Marighella e Câmara Ferreira. Diante desse resultado desfavorável, o Comitê Central simplesmente interveio e impôs outra direção regional. O Congresso se realizaria em dezembro de 1967, mas sem a participação dos delegados da oposição. Uns haviam sido expulsos antes e outros não haviam recebido os pontos corretos que os levariam ao conclave. Esses métodos foram usados por aqueles que se diziam críticos do stalinismo.
Naquele processo conturbado surgiu a chamada “corrente revolucionária” que, num primeiro momento, congregava todos os descontentes com a linha reformista predominante. O que os unificava era a proposta de luta armada como forma privilegiada de pôr fim ao regime militar. Em breve, esse grupo explodiria e a partir dele se formariam diversas organizações clandestinas, como Ação Libertadora Nacional (ALN), o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e as Dissidências da Guanabara e São Paulo (DIs).
Resistindo de armas nas mãos
Marighella e Câmara Ferreira criariam o Agrupamento Comunista de São Paulo que logo daria origem à Ação Libertadora Nacional (ALN). Câmara foi o grande organizador tanto do “agrupamento” como da ALN, enquanto Marighella era o agitador e aquele que tinha maior expressão pública. Vários de seus camaradas afirmaram que Câmara Ferreira, ao contrário de Marighella, se mostrou inicialmente reticente em relação às teses militaristas e foquistas desenvolvidas por Régis Debray. Mas mesmo assim – seguindo a corrente – acabou mergulhando de corpo e alma na luta armada. Inclusive, estaria à frente da mais espetacular ação dos grupos guerrilheiros urbanos: o rapto do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick.
A ideia do sequestro havia partido da Dissidência da Guanabara (DI-GB), mas ela não tinha quadros experientes para executar essa tarefa. Por isso, pediu a ajuda da ALN de São Paulo. O apoio foi acertado diretamente com Câmara Ferreira, sem que a ALN do Rio e mesmo Marighella soubessem de nada.
A essa ação foram incorporados Virgílio Gomes da Silva (Jonas) e o próprio Câmara Ferreira (Toledo), ambos dirigentes da ALN. O primeiro seria o comandante militar e o segundo comporia o comando político, que ajudaria a elaborar o manifesto público e a lista de militantes presos que seriam trocados pelo embaixador, além de definir os delicados passos das negociações com a ditadura.
A operação, realizada na semana da pátria, foi um sucesso. Quinze revolucionários foram libertados e o manifesto saiu nos principais meios de comunicação. O texto divulgado concluía assim: “Finalmente, queremos advertir aqueles que torturam, espancam e matam nossos companheiros: não vamos aceitar a continuação dessa prática odiosa. Estamos dando o último aviso. Quem prosseguir torturando, espancando e matando ponha as barbas de molho. Agora é olho por olho, dente por dente.”
A ditadura saiu desmoralizada. Contudo, a resposta dos militares seria dura e desarticularia a ALN, eliminando seus principais dirigentes. Isso, de certo modo, já havia sido previsto por Marighella, que não soubera antecipadamente da ação e por isso mesmo havia se desentendido com Toledo. O ato espetacular havia jogado demasiada luz sobre uma organização que ainda não estava suficientemente preparada para se defender da ofensiva que seria desencadeada pelos órgãos de repressão.
Poucos dias depois, em 29 de setembro de 1969, Virgílio Gomes da Silva (o comandante Jonas) foi preso, brutalmente torturado e assassinado nas dependências da Operação Bandeirante (OBAN). Quase todos os envolvidos no rapto do embaixador foram presos. Em outubro, o comandante Toledo, como era conhecido, foi obrigado a sair do país até que as coisas se acalmassem. Mas elas não se acalmaram, pelo contrário se agravaram. Na França, recebeu a trágica notícia do assassinato de Carlos Marighella, ocorrido em 4 de novembro em plena Alameda Casa Branca na cidade de São Paulo. Isso o chocou profundamente. Em seguida, viajou a Cuba e teve uma audiência com Fidel Castro, o que reforçou sua autoridade frente ao movimento revolucionário brasileiro. Aos 56 anos faria um curso militar na ilha socialista.
Sabendo o que se passava pela cabeça de Câmara Ferreira, vários amigos o aconselharam a permanecer no exterior. Diziam que se ele voltasse ao país seria como estar assinando a própria sentença de morte. Mas Câmara Ferreira estava decidido a assumir o seu posto de combate no Brasil. Pesava-lhe nos ombros o fato de que jovens continuavam lutando e morrendo num confronto cada vez mais desigual com a ditadura.
E em dezembro de 1969 – dois meses depois de partir – Câmara Ferreira estava de volta e começava a empreender uma desesperada “fuga para frente”. Agora como principal dirigente da ALN, centralizou a organização e manteve a ofensiva militar, contra todas as possibilidades de vitória. Buscou constituir uma “frente armada”, envolvendo a ALN, o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Procurou também congregar o MR-8 e o PCBR, sem grande sucesso. O seu grande objetivo era criar as condições para dar início à ação guerrilheira no campo. Num dos seus últimos textos escreveu: “A vanguarda foi se definindo, não sob a forma de uma única organização, mas de numerosas. Entretanto havia um denominador comum a todas elas: a compreensão de que a revolução brasileira se desenvolveria fundamentalmente no campo, que teríamos que travar uma guerra prolongada e que deveríamos concentrar nossos melhores esforços na preparação do desencadeamento da guerrilha rural”. Carlos Lamarca (então na VPR) e Joaquim Câmara Ferreira passaram a ser os principais expoentes da guerrilha urbana que não conseguiu se deslocar para o campo e, por isso mesmo, eles passaram a ser os alvos privilegiados da repressão. Seus dias estavam contados.
Vítima de uma traição, no dia 23 de outubro de 1970, Câmara Ferreira foi preso por agentes do DOPS num encontro que teria no bairro de Moema em São Paulo. O velho camarada resistiu o quanto pôde à prisão. Entrou em luta corporal com os policiais que, com muito esforço, o enfiaram na viatura. Depois foi conduzido a um sítio – na verdade um centro clandestino de tortura – mantido pelo famigerado delegado Sérgio Paranhos Fleury. Torturado durante toda a viagem, como era praxe, sofreu um enfarte. Chegou bastante mal no local onde deveria ser interrogado, morrendo pouco tempo depois. Seus algozes não puderam extrair dele nenhuma informação. Em menos de um ano a ALN perderia dois de seus principais comandantes e entraria em colapso. Em 17 de setembro de 1971 tombaria Carlos Lamarca no interior da Bahia, pondo fim ao ciclo da guerrilha urbana, mas não ao da luta armada. Seis meses depois a chama reacenderia nas matas do Araguaia.
A famosa foto dos presos políticos libertados em troca do embaixador:
* Neste artigo usei amplamente o livro de Luiz Henrique de Castro Silva intitulado O revolucionário da convicção: vida de ação de Joaquim Câmara Ferreira, publicado pela editora da UFRJ em 2010.
** Augusto Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos publicados pela Editora Anita Garibaldi.