Este é um desabafo de um professor brasileiro que dá aulas para o ensino médio na periferia de Brasilia. O depoimento me emocionou tanto que transcrevi nos meus blogs. Mas a Juventude ainda tem salvação pelo conhecimento e eplo esforço nosso de mudar estasociedade e evitar que a barbarie aconteça. O professor é o Pablo Emanuel, também um revolucionario.
O TRISTE OFÍCIO
CHEIO DE OSSOS DO PROFESSOR
Texto - Pablo Emmanuel
Na semana passada, ministrei uma aula que abordava a base da teoria de Charles Darwin para alunos do primeiro ano do Ensino Médio, cuja faixa etária se situa entre 14 e 15 anos. Não há melhor termômetro para se conhecer o povo do que medi-lo a partir de dentro da sala de aula, ali, na escola.
Estabeleci claramente a diferença entre o evolucionismo e o criacionismo. Expliquei muitas passagens dos livros judaicos. Tudo estava muito bem, até o instante em que inventei de dizer às criançolas que eu tinha um ponto de vista diferente do criacionismo, embora não admitindo cabalmente que Darwin está correto em seus estudos.
Quando expliquei que mantinha uma posição agnóstica, a quase totalidade da turma levantou-se contra mim, uns revoltados, outros com aqueles achincalhes pertinentes à triste fase da adolescência em que acreditamos possuir a razão e achamos erros em todo mundo, menos em nós mesmos.
Comecei, então, a conhecer as trevas profundas em que eles estavam mergulhados, muito por conta de uma 'educação' religiosa deformada, oriunda ou da família ou de um sacerdote vagabundo que conduz ovelhas para a lâmina do abatedouro. Também comparei a juventude da minha geração com a geração deles. E não é que estamos mudando mesmo? Para pior.
A imbecilidade, a intolerância e a aceitação de verdades prontas e absolutizadas são infinitas progressões geométricas. Não tem jeito, mesmo. A bestialidade é eterna.
A sala de aula, dividida entre católicos e evangélicos, passou a me atacar num linchamento moral de fazer com que qualquer professor sinta vontade de mandar um sopapo no focinho daqueles "santos de família".
Eles são muitos e a sua idiotia hereditária é uma avalanche. O professor é só um para se defender dos ataques daqueles que, coitados, são inimputáveis e não sabem o que dizem nem o que fazem. E que estão sempre certos, pois errados são os outros.
O cristão fundamentalista nasce a partir do fundamentalismo da família, que deforma seu espírito e faz dele um débil mental incapaz de lançar uma dúvida sobre o que acredita ser normal e ser 'verdade'. É aí que reside a nascente do banditismo.
Em momento algum eu havia dito que abandonassem sua fé auto-sugestiva e aceitassem Darwin como um novo deus, correto e perfeito. Deixei bem claro que nem eu mesmo levo a sério o cientista e que não tenho tempo para pensar se o homem evoluiu disso ou daquilo. Mas, vendo o que vejo e o que vi na sala de aula, tenho a certeza de que ele evoluiu do verme, diferenciando-se deste apenas por ter desenvolvido a postura sobre dois pés, e só.
Mas, desgraça pouca é bobagem.
O linchamento piorou quando eu disse que Deus existia mas que não se importava conosco. Outra vez não entenderam a minha posição, o que eu queria dizer. O vagalhão da intolerância acabou com a aula. Tive de parar para explicar a diferença entre agnosticismo e ateísmo, entre risos de zombaria e síncopes absurdas de revoltas infundadas, de rebeldias sem causa. Poucos prestaram atenção.
Uma garota, que decerto deve usar o Tampax no ânus, enraiveceu-se de mim quando eu disse que carne de porco tem seu consumo proibido na Bíblia. Citei que em países como o Vietnã, existem pessoas que se alimentam de carne de cachorro, que é altamente condenável pelas sagradas escrituras, de vez que Moisés listou os alimentos permitidos e os proibidos, conforme Javé lhe prescrevera.
"Ué, profeçô, ondi é qui tá na Bíbria qui a genti não podi comê carni di porco nem di cachorro?!" - indagou a sapientíssima e inimputável adolescente, com um semblante de quem parecia querer me matar, insuflada pela razão que imaginava ter para derrubar o meu 'ignaro' ministério.
Vou dizer a vocês, meus amigos, sinceramente: eu quase tive um derrame. É muita estupidez e falta de imaginação. É por isso que vou fazer greve por aumento no meu salário. EU MEREÇO.
Eu sou partidário do ensino mecanicista, daquele tipo em que você entra na sala, manda o aluno abrir o livro na página tal, quietinho, manda-o ler e depois responder às questões. E só. É impossível travar um diálogo civilizado e razoável com pessoas que receberam de seus pais e de suas igrejas os piores exemplos de deseducação e grotescagem.
Como pode ser que um pai não tenha tempo de sentar-se ao lado do filho, mesmo à frente da televisão, para lhe ensinar sobre a diversidade de ideias e pensamentos? Também pudera. O pai moderno é mais analfabeto que o filho. Nunca ouviu falar na palavra IDIOSSINCRASIA, mesmo sabendo que há um dicionário mofado na estante, que nunca foi aberto.
O único tempo que o cômodo negligente tem à disposição é para ir ao colégio reclamar do professor e lançar-lhe agressões. O professor é ruim, a escola pública é ruim, mas o filho dele é um ser arcangélico, inimputabilíssimo!
Uma discussão assim pode até frutificar no ensino superior. Mas entre adolescentes, é impossível. São uns estúpidos, uns idiotas, que têm inteligência apenas para aceitar que podem fazer e dizer qualquer coisa, desde a mais vil calúnia até as palavras mais feias, estando blindados contra tudo e todos.
Estes serafins com os pés sujos de lodo e boca fedendo a esgoto, a partir de suas ideias tortas, de tanto que são protegidos, acabam tendo a certeza de sua impunidade social e escolar. É por isso que se transformam em delinquentes.
E eu penso que, no momento em que um indivíduo cristaliza em si esse tipo de liberdade corrupta, que faz com que ele seja livre para cometer o que quiser, a lei e a força devem ser usados com muita severidade contra ele, se caso não se conscientize de suas loucuras.
Não é totalmente verdade o clichê de que a sociedade cria bandidos. É também verdade, mas, a maior fonte produtora de criminosos, facínoras, projetos de terroristas, homúnculos e escória é a FAMÍLIA.
Sempre alerto meus alunos contra o perigo do fanatismo, das coisas que lhes parecem sempre 'normais' e das verdades absolutas, prontas, fabricadas, que a coletividade achou por bem engolir através da História.
Eu os oriento acerca da diversidade da fé, para que não se gabem de ser cristãos achando que podem difamar e agredir outros cidadãos ligados à umbanda, ao candomblé, pois a liberdade de culto da "macumba", como se diz por aí, é consagrada e protegida pela Carta Magna de 1988. É um rito de matriz africana. Os fanáticos devem respeito a esse segmento religioso, sob pena de serem acionados judicialmente.
Não adianta. Para o adolescente, o riso precede o conhecimento. Mas vamos deixá-lo sorrir. Ele vai envelhecer e muitas coisas não mais serão engraçadas. Os pais morrerão e a dificuldade de sobreviver num sistema de competição atroz como o nosso poderá lhe vergar o lombo até deitar seu rosto na poeira. Aí, ele se lembrará do quanto foi um displicente que não aproveitou a escola e a liberdade que a escola lhe dava, quando jovem.
Ele vai olhar para trás e ver, tarde demais, que era livre. Que liberdade não era fazer o que queria: era fazer o que fosse bom, correto. Fazer o que se devia e o que se deve, pois há sempre tempo para ser livre, não sozinho, mas com os outros.
A escola é um centro de ensino sistematizado onde aprendemos a ciência que a humanidade conseguiu produzir até hoje. Educação se recebe em casa, também, e principalmente. Os primeiros limites são dados em casa, bem como o conhecimento acerca de direitos e deveres, e de que direitos só devem ser concedidos mediante deveres cumpridos.
Por mais que falemos contra a educação militar, até mesmo sem que saibamos como ela é de fato, no Colégio Militar de Brasília (CMB), por exemplo, os alunos são disciplinados e têm acatamento pelo professor, que não está ali para ser palhaço, carrasco nem Judas de pano e capim, pendurado num poste para a diversão da ralé. Meu maior sonho profissional é apenas ter paz para trabalhar. Uma audiência em ordem. Um pouco de respeito para eu preservar minhas cordas vocais, meus ouvidos e minha cabeça.
Quando vejo aqueles alunos uniformizados, de boina vermelha, circulando pelos arredores do CMB, não posso mensurar minha inveja pelos professores de lá, por terem uma plateia que os ouça. Isso não é subserviência fascista. Isso é respeito mútuo. E acho belíssimo o porte desses adolescentes, burgueses ou não-burgueses, mas limpos, organizados.
Sim, organizados. É isso mesmo. Essa palavra é tudo.
Não conheço como é a rotina de uma escola assim. Lá, jamais seria permitido que um comunista como eu tivesse espaço para lecionar, ainda mais História. Contudo, a aparência de calma, reverência e respeito já me dá paz de espírito, condição essencial para trabalhar e satisfazer-me com o ofício. Posso conseguir isso nas escolas civis, como também, de uma hora para outra, a indisciplina e o descontrole fáceis.
Muitos anos atrás, eu supunha que a caserna criasse no indivíduo uma índole de tirania e despotismo. Eu estava errado. E errei por ter cometido o pecado que hoje condeno: a absolutização da verdade no marxismo. Isso é o caminho para a estreiteza de pensamento na esquerda.
Lembro de um poema de Augusto dos Anjos. Ele dizia que "o homem que vive entre feras, sente inevitável vontade de também ser fera". Eu não funciono sob pressão nem sob ameaça. Sinto uma vontade humana de reagir. Um sentimento infernal de impotência, de ansiedade, de desconfiança das pessoas. De horror, de tristeza, de fatal desapontamento com a vida.
E mesmo ciente de que há um homem muito bom em mim, assumo que minha vontade de matar, situada mais precisamente no assassinato político, devido à impunidade e à humilhação social de que também padeço, bem como você que me lê, recrudesce a cada dia, nesse ambiente de selvajaria e desacato, na rua, na escola ou qualquer outro lugar.
Mas, o que vou alegar nos tribunais? Que agi sob forte emoção? Que fiz justiça à coletividade que nem sabe que eu existo? Que eu tive "uma inevitável vontade de também ser fera", quando a própria Justiça me esfregará na cara, diante do libelo, que a Lei não distingue o bandido do revolucionário?
(Adendo intermediário: eu conheço algo que seduz o homem muito mais do que o sexo: é a violência).
Dentro de mim há um professor, e também há um censor e um policial kafkianos. Então, não é absurdo concluir que forte mesmo é aquele que se vigia. Está de acordo com um provérbio de Salomão. Tenho sido forte, portanto?
Muito se fala da violência que aluno comete contra outro aluno, e de professor contra o próprio aluno, seja verbal ou até fisicamente. Pouco se discute sobre a violência moral do aluno contra seu professor. Pudesse eu conviver num ambiente em que houvesse a mínima ordem para lecionar e tudo ficaria melhor. O professor tem auto-estima e tem limites. O aluno tem de reconhecer isso, por bem ou por mal.
E nos ajudaria também, e muito, se o mundo fosse mais laico. Não digo ateu, mas menos religioso, menos sectário, perturbador e dogmático. Mais escolas, mais bibliotecas e centros de lazer, e menos igrejas, menos pregações falaciosas e profecias do mundo de Alice.
O aluno me diz: "Professor, põe moral nessa turma!" - E eu replico, mortificado: "Moral você tem ou não tem. Moral você constrói, você não impõe". Depois de ouvir isso, meu aluno apenas sacode a cabeça ou sorri. Acha que sou "frouxo" por não "moralizar". Ele não sabe que estou ensinando a ele a autodisciplina, a auto-independência, para que amanhã alguém não se arvore em querer colocar o dedo em riste no seu rosto, vociferando: "Eu vou pôr moral em você!"
Eu gosto de paz e não gosto de aumentar meu tom de voz com ninguém. Se acontece, é porque alguém tentou abusar da minha condição e, de propósito, planejou me desestabilizar emocionalmente. Minha resposta é a grosseria. Infelizmente, é o meu jeito, que aliás não me agrada. Temperamento cabalístico reativo (e professor ainda? Você está fodido, meu filho).
Eu gosto de ordem. Não da "Ordem" que está na bandeira. Essa, não, porque meu ponto de vista político sobre ela é outro. Eu falo de ordem no tratamento humano que as pessoas dispensam umas às outras. Ordem não quer dizer cerceamento de liberdade. Ordem é asseio moral. É consciência de liberdade coletiva, não individual.
Quem não ministra os primeiros cuidados ao filho, é um bandido. É um escroque, um safado que está criando um monstrengo que, amanhã, entenderá que liberdade é exercer o arbítrio ultrapersonalista. Vai atentar contra os direitos elementares do próximo. Se esse for o caso, que morram pai e filho, juntos, pelo que praticaram.
É melhor estar em constante alerta quanto aos perigos do ambiente escolar. Quem é professor deve prevenir-se. Não entrar em embates teóricos quando o interlocutor é um protozoário e quando ele estiver apoiado por hienas e amebas incapazes de ter a metade de um neurônio crítico e autocrítico.
Deve ater-se à questão meramente técnica da coisa. Passar o conteúdo, fazer a chamada e ir embora. Deve manter a mente em bom estado, para o corpo não ruir e o estômago não chagar-se de úlceras sangrentas. Não pode fazer como eu, que sou teimoso em dialetizar as situações para estimular o interesse, a dúvida, a crítica e a curiosidade.
Minha vida vale mais do que a vida de um desaforado. Porque, se eu não sou inteiramente um homem de valor, como alguns de meus alunos às vezes querem me fazer crer (e não conseguirão), pelo menos a minha vida é a não-estagnação. É partindo disso que eu fundo e refundo meus pensamentos, orientando as minhas ações.
Se meus detratores tivessem pelo menos um terço dos meus defeitos, poderiam dar graças a Deus, porque possuiriam qualidades que nunca tiveram, e que talvez solapassem a índole facinorosa de sua memória ROM.
Com o meu agnosticismo, que é quase ateísmo descarado mesmo, sou muito mais digno de salvação do que um fanático messiânico e suas bênçãos trapaceiras. Porque ainda tenho a capacidade de me compadecer, de não linchar, de não crer na normalidade desonrosa nem nas empulhações.
Eu busco entender para saber ser livre, ao contrário dos que se vergam a Cristo mas procuram mulheres adúlteras para matá-las à primeira pedrada, escondendo o crime atrás da simpatia, do sorriso e de uma falsa condição de "salvo".
Quem me honra e me respeita é três vezes ainda mais digno de honra e respeito do que eu.
Sem ter fé em Deus, mal sabem que ando com Ele a vida toda. E isso é para a desgraça e a derrota dos que creem n'Ele e atentam contra Sua vontade, dia e noite, esperando uma casa no Céu, com água encanada, um mordomo com a cara de Jesus Cristo e a janela com vista para o mar.
Fora, protozoário. Eu não te aceito.
Foda-se Darwin, e fodam-se Adão e Eva, juntamente com seus pecados.
E também todas as amebas da VERDADE.
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