Novo livro sobre revoltas de 2011
sugere: sistema continua à deriva; sua crise gerará pesadelos; projetos
alternativos precisam amadurecer rápido
por Antonio Martins publigado originalmente no Outras Palavras
por Antonio Martins publigado originalmente no Outras Palavras
Sobre o tema:
Leia entrevista com Paul Mason, autor de Por que tudo está começando, aqui
Inúmeras manifestações, sintonizadas com os movimentos de 2011, estão sendo organizadas no mundo todo, para 12 de Maio.
Leia entrevista com Paul Mason, autor de Por que tudo está começando, aqui
Inúmeras manifestações, sintonizadas com os movimentos de 2011, estão sendo organizadas no mundo todo, para 12 de Maio.
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Saiu há semanas, na Inglaterra, um
livro especialmente provocador, sobre os movimentos rebeldes de 2011. Seu
título, em português, poderia ser Por que tudo está começando1. Seu autor, o
jornalista britânico Paul Mason, cobriu quase todas as revoltas sociais que
marcaram o ano passado: Cairo, Madri-Barcelona, Atenas, Londres, Madison, Nova
York. Mas a obra vai muito além do relato factual. Mason é um estudioso incomum
da história das revoluções e do movimento operário; das mutações do
capitalismo; das teorias sobre redes, políticas horizontais e internet. Ao
articular vivência real nas ruas rebeladas com ferramentas teóricas capazes
potentes, ele pôde chegar a três grandes hipóteses – tão esperançosas quanto
perturbadoras. Elas aparecem em duas entrevistas recentes: uma, ao site
norte-americano Alternet; outra, à revista londrina Red Pepper, traduzida e
reproduzida alguns parágrafos adiante.
A primeira hipótese de Mason está diretamente relacionada ao título do livro. Ele ressalta que, apesar de terem surgido em cenários políticos, sociais e culturais muito distintos – de um Egito empobrecido e governado com mão-de-ferro à opulenta e liberal Wall Street –, há uma identidade crucial entre as rebeliões de 2011. Todas elas foram deflagradas pelo “colapso” (aqui, não há meias palavras) do padrão de acumulação capitalista inaugurado no início dos anos 1980.
Mason julga que a crise devastou a capacidade do neoliberalismo para produzir algo sem o quê nenhum sistema se sustenta: esperanças e consensos. Até 2008, elas se mantinham, graças aos diversos aspectos que a financeirização das economias assumiu. O crédito fácil e barato mascarava a redução dos salários e o aumento das desigualdades. A perda de empregos industriais era amenizada por um setor de serviços vasto e, em alguns de seus segmentos, sofisticado e florescente. Os antigos vínculos com a empresa (“sou empregado da GM”), família e nação eram substituídos pela ideia de que, ao consumir produtos de uma determinada marca, garantia-se acesso a um mundo particular (“uso um Iphone”).
No momento em que estas ilusões caem por terra, ressurge (em Tunis, Telavive ou Santiago) um sujeito revolucionário particular. Mason identifica-o como “o jovem bem-formado e sem futuro”. Não é um personagem novo. Tipos assim, frisa o autor, foram centrais para que eclodisse a Revolução Francesa. O que os domesticou por séculos, mais tarde, foi a perspectiva de um trabalho decente e uma vida confortável. Ora, provoca Mason, “o que o neoliberalismo fez, nos últimos trinta anos, foi exatamente destruir estas barreiras”…
A segunda hipótese é terrível. Ao menos no momento, o capital não tem alternativas ao declínio de sua fase pós-industrial. No vácuo, pode emergir uma tragédia. Aqui, Mason parece um ultra-pessimista com alguma razão. Ele lembra, sempre com vasto conhecimento histórico: certas circunstâncias, que os movimentos muito jovens não preveem, acabam levando-os a impasses em que ambas as saídas são trágicas. Herdeira do marxismo, a social-democracia alemã dos anos 1890 esperava chegar ao poder, sem sobressaltos, num processo que se estenderia por trinta anos. A I Guerra Mundial despedaçou seus planos. De um dia para outro, foi preciso escolher entre “tornar-se um recrutador de soldados, para esmagar outros povos, ou cair na clandestinidade”. Pode ser ainda pior. Mason lembra que bastaram cinco anos, na década de 1930, para que Berlim regredisse “de capital liberal da Europa e paraíso dos clubes gays para o inferno fascista da queima de livros em praça pública”. Ele adverte: “não pense que os laços culturais podem evitar esta desgraça. A economia prevalece”.
A terceira hipótese é a mais polêmica e desafiante: ela refere-se à própria natureza dos novos movimentos – suas vantagens e os limites a superar. Para Mason, a horizontalidade que os marca foi até agora, uma enorme vantagem. Ela assegura “ruptura com as hierarquias que poderiam conter o movimento”. Ao mesmo tempo, facilita sua difusão, sua “replicabilidade por gente que não sabe nada sobre teoria”. É algo muito diferente do “conhecimento estruturado e difícil de adquirir dos anos 1970 e 80” – que, além disso, tinha como características “verticalismo, eliminação da dissidência, tentativa de apropriação partidária das lutas coletivas a burocratização”.
Também houve uma clara mudanças de projetos. O livro vê, nas rebeliões contemporâneas, uma postura centrada em valores, não no poder. Procura-se criar “áreas de civilização” – regidas por lógicas, relações e práticas não-capitalistas – em meio à selvageria oferecida pelo sistema. Já deu certo, no passado. Mason refere-se, por exemplo, ao Renascimento, que surgiu, desenvolveu-se e se impôs em meio à velha ordem feudal e eclesiástica. Mas há um problema, ele ressalta: até quando o capitalismo estará aberto a esta convivência?
Neste ponto, embora não abertamente, o livro está em confronto com ideias como as expressas, por exemplo, por Slavoj Zizek. Num dos artigos em que escreveu à época do auge do movimento Occupy, o filósofo esloveno sugeriu que a nova rebeldia não precisava apressar-se, para expressar o que queria; ela deveria dar a si mesmo o tempo de amadurecer seus projetos.
O que Mason parece contra-argumentar é que a História não espera. Nas entrevistas, ele relata que diversos movimentos, ligados à nova cultura política, acabaram perdendo força por não responderem, a tempo, a desafios que surgiram à sua frente. É o caso do Camp for Climate, uma sequência de acampamentos por novas relações sociais com o ambiente. Espalhou-se por vários países, no Norte do planeta, mas acabou se desfazendo. Ou, num exemplo ainda mais expressivo, do UK Uncut, a grande rede britânica de ação contra os cortes de serviços públicos decretados pelo governo David Cameron. Articulou mobilizações maciças e muito bem-humoradas, principalmente nas universidades, em 2010. Mas perdeu boa parte de sua força, quando não conseguiu assumir uma posição clara, diante dos atos de violência praticados por setores do movimento que diziam falar em nome da rede.
O novo cenário internacional que está se abrindo, sugere Mason, vai colocar em tensão o conjunto movimentos rebeldes. Diante da crise do neoliberalismo, as forças políticas e setores sociais retrógrados já têm uma resposta concreta. Na Europa, crescem as organizações de extrema-direita – apoiadas na tentativa de estigmatizar o outro (sejam imigrantes, homossexuais, dissidentes…) e responsabilizá-lo pela crise. Nos Estados Unidos, há o risco de o Partido Republicano conquistar a Casa Branca com um discurso que aponta para “um retorno ao capitaslimo do século 19”: crescimento e crise, laissez-faire, desigualdade, pobreza”.
Aqui, Mason lança sua pergunta crucial: “qual o equivalente a isso”, na esquerda ou nos novos movimentos? Que projeto de novo futuro está sendo apresentado a sociedades que precisam ouvir novos discursos – mas estão amedrontadas e, portanto, suscetíveis até aos apelos mais reacionários? Nas entrevistas, ou autor não sugere nenhum retorno ao verticalismo. Aponta dois, entre muitos caminhos possíveis e não contraditórios entre si. O primeiro, atuar fortemente no plano das soluções parciais e locais, pois “do contrario, a parte mais conservadora da sociedade vai impor suas ideias, apoiada em ligações seculares com a estrutura e a hierarquia do poder”. Outro é tirar proveito das brechas oferecidas pela institucionalidade e construir alternativas que a desafiam – como o Partido Política Pode Ser Diferente, na Hungria. Ou (num exemplo mais recente e ainda mais expressivo) o Partido Pirata alemão, que, após um crescimento meteórico, acaba de se converter no terceiro mais popular no país.
Em quatro semanas, os Indignados espanhóis celebram um ano da ocupação da Puerta del Sol, em Madri. Estão sendo preparados (para 12 de Maio, um sábado) protestos em todo o mundo, inclusive no Brasil. Os movimentos que se propõem a mudar o mundo (“nem políticos, nem banqueiros”, dizia-se em toda a Espanha) precisam refletir intensamente sobre si mesmos. O livro de Mason é uma excelente provocação para tanto. A entrevista do autor a Red Pepper vem a seguir.
A primeira hipótese de Mason está diretamente relacionada ao título do livro. Ele ressalta que, apesar de terem surgido em cenários políticos, sociais e culturais muito distintos – de um Egito empobrecido e governado com mão-de-ferro à opulenta e liberal Wall Street –, há uma identidade crucial entre as rebeliões de 2011. Todas elas foram deflagradas pelo “colapso” (aqui, não há meias palavras) do padrão de acumulação capitalista inaugurado no início dos anos 1980.
Mason julga que a crise devastou a capacidade do neoliberalismo para produzir algo sem o quê nenhum sistema se sustenta: esperanças e consensos. Até 2008, elas se mantinham, graças aos diversos aspectos que a financeirização das economias assumiu. O crédito fácil e barato mascarava a redução dos salários e o aumento das desigualdades. A perda de empregos industriais era amenizada por um setor de serviços vasto e, em alguns de seus segmentos, sofisticado e florescente. Os antigos vínculos com a empresa (“sou empregado da GM”), família e nação eram substituídos pela ideia de que, ao consumir produtos de uma determinada marca, garantia-se acesso a um mundo particular (“uso um Iphone”).
No momento em que estas ilusões caem por terra, ressurge (em Tunis, Telavive ou Santiago) um sujeito revolucionário particular. Mason identifica-o como “o jovem bem-formado e sem futuro”. Não é um personagem novo. Tipos assim, frisa o autor, foram centrais para que eclodisse a Revolução Francesa. O que os domesticou por séculos, mais tarde, foi a perspectiva de um trabalho decente e uma vida confortável. Ora, provoca Mason, “o que o neoliberalismo fez, nos últimos trinta anos, foi exatamente destruir estas barreiras”…
A segunda hipótese é terrível. Ao menos no momento, o capital não tem alternativas ao declínio de sua fase pós-industrial. No vácuo, pode emergir uma tragédia. Aqui, Mason parece um ultra-pessimista com alguma razão. Ele lembra, sempre com vasto conhecimento histórico: certas circunstâncias, que os movimentos muito jovens não preveem, acabam levando-os a impasses em que ambas as saídas são trágicas. Herdeira do marxismo, a social-democracia alemã dos anos 1890 esperava chegar ao poder, sem sobressaltos, num processo que se estenderia por trinta anos. A I Guerra Mundial despedaçou seus planos. De um dia para outro, foi preciso escolher entre “tornar-se um recrutador de soldados, para esmagar outros povos, ou cair na clandestinidade”. Pode ser ainda pior. Mason lembra que bastaram cinco anos, na década de 1930, para que Berlim regredisse “de capital liberal da Europa e paraíso dos clubes gays para o inferno fascista da queima de livros em praça pública”. Ele adverte: “não pense que os laços culturais podem evitar esta desgraça. A economia prevalece”.
A terceira hipótese é a mais polêmica e desafiante: ela refere-se à própria natureza dos novos movimentos – suas vantagens e os limites a superar. Para Mason, a horizontalidade que os marca foi até agora, uma enorme vantagem. Ela assegura “ruptura com as hierarquias que poderiam conter o movimento”. Ao mesmo tempo, facilita sua difusão, sua “replicabilidade por gente que não sabe nada sobre teoria”. É algo muito diferente do “conhecimento estruturado e difícil de adquirir dos anos 1970 e 80” – que, além disso, tinha como características “verticalismo, eliminação da dissidência, tentativa de apropriação partidária das lutas coletivas a burocratização”.
Também houve uma clara mudanças de projetos. O livro vê, nas rebeliões contemporâneas, uma postura centrada em valores, não no poder. Procura-se criar “áreas de civilização” – regidas por lógicas, relações e práticas não-capitalistas – em meio à selvageria oferecida pelo sistema. Já deu certo, no passado. Mason refere-se, por exemplo, ao Renascimento, que surgiu, desenvolveu-se e se impôs em meio à velha ordem feudal e eclesiástica. Mas há um problema, ele ressalta: até quando o capitalismo estará aberto a esta convivência?
Neste ponto, embora não abertamente, o livro está em confronto com ideias como as expressas, por exemplo, por Slavoj Zizek. Num dos artigos em que escreveu à época do auge do movimento Occupy, o filósofo esloveno sugeriu que a nova rebeldia não precisava apressar-se, para expressar o que queria; ela deveria dar a si mesmo o tempo de amadurecer seus projetos.
O que Mason parece contra-argumentar é que a História não espera. Nas entrevistas, ele relata que diversos movimentos, ligados à nova cultura política, acabaram perdendo força por não responderem, a tempo, a desafios que surgiram à sua frente. É o caso do Camp for Climate, uma sequência de acampamentos por novas relações sociais com o ambiente. Espalhou-se por vários países, no Norte do planeta, mas acabou se desfazendo. Ou, num exemplo ainda mais expressivo, do UK Uncut, a grande rede britânica de ação contra os cortes de serviços públicos decretados pelo governo David Cameron. Articulou mobilizações maciças e muito bem-humoradas, principalmente nas universidades, em 2010. Mas perdeu boa parte de sua força, quando não conseguiu assumir uma posição clara, diante dos atos de violência praticados por setores do movimento que diziam falar em nome da rede.
O novo cenário internacional que está se abrindo, sugere Mason, vai colocar em tensão o conjunto movimentos rebeldes. Diante da crise do neoliberalismo, as forças políticas e setores sociais retrógrados já têm uma resposta concreta. Na Europa, crescem as organizações de extrema-direita – apoiadas na tentativa de estigmatizar o outro (sejam imigrantes, homossexuais, dissidentes…) e responsabilizá-lo pela crise. Nos Estados Unidos, há o risco de o Partido Republicano conquistar a Casa Branca com um discurso que aponta para “um retorno ao capitaslimo do século 19”: crescimento e crise, laissez-faire, desigualdade, pobreza”.
Aqui, Mason lança sua pergunta crucial: “qual o equivalente a isso”, na esquerda ou nos novos movimentos? Que projeto de novo futuro está sendo apresentado a sociedades que precisam ouvir novos discursos – mas estão amedrontadas e, portanto, suscetíveis até aos apelos mais reacionários? Nas entrevistas, ou autor não sugere nenhum retorno ao verticalismo. Aponta dois, entre muitos caminhos possíveis e não contraditórios entre si. O primeiro, atuar fortemente no plano das soluções parciais e locais, pois “do contrario, a parte mais conservadora da sociedade vai impor suas ideias, apoiada em ligações seculares com a estrutura e a hierarquia do poder”. Outro é tirar proveito das brechas oferecidas pela institucionalidade e construir alternativas que a desafiam – como o Partido Política Pode Ser Diferente, na Hungria. Ou (num exemplo mais recente e ainda mais expressivo) o Partido Pirata alemão, que, após um crescimento meteórico, acaba de se converter no terceiro mais popular no país.
Em quatro semanas, os Indignados espanhóis celebram um ano da ocupação da Puerta del Sol, em Madri. Estão sendo preparados (para 12 de Maio, um sábado) protestos em todo o mundo, inclusive no Brasil. Os movimentos que se propõem a mudar o mundo (“nem políticos, nem banqueiros”, dizia-se em toda a Espanha) precisam refletir intensamente sobre si mesmos. O livro de Mason é uma excelente provocação para tanto. A entrevista do autor a Red Pepper vem a seguir.
1Why It’s
Kicking Off Everywhere, Verso, Londres, 2012. 244
páginas, 19,95 dólares, à venda via internet.
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