As armas contra os
livros
Carlos Pompe*
A perseguição ao pensamento – em especial ao pensamento
discordante – é uma característica ditatorial. No Brasil republicano, em
especial (mas não somente) durante a ditadura militar de 1964-85, a censura imperou
em todos os meios de comunicação. Antes, na maior parte do período colonial, o
Brasil sequer podia ter uma gráfica. Mas, contra esses fatos, sempre houve o
contraponto – revolucionários e intelectuais que chegaram a dar a própria vida
na luta pela liberdade.
No Brasil, a Comissão da Verdade está começando a fazer seu
trabalho na investigação à tortura e violação dos direitos humanos. Já de algum
tempo, alguns estudiosos fizeram levantamentos sobre a censura no cinema, na
música, no teatro, no rádio e na televisão. Em dezembro do ano passado, a
Edusp/Fapesp lançou Repressão e Resistência: Censura de Livros na Ditadura
Militar, de Sandra Reimão, analisando este setor específico de comunicação.
A autora constatou, na documentação que encontrou de uma lista
de quase 500 livros, de ficção ou não, submetidos ao Departamento de Censura e
Diversões Pública da ditadura, que cerca de 140 eram de autores nacionais, dos
quais 70 foram proibidos. Ela considerou mais emblemáticas a censura aos
romances e contos Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca; Zero, de Inácio de Loyola
Brandão; Dez Estórias Imorais, de Aguinaldo Silva; Em Câmara Lenta, de Renato
Tapajós; Mister Curitiba, de Dalton Trevisan; e O Cobrador, de Rubem Fonseca.
Dos estudos e análises proibidos pelos ditadores, ela destacou O Mundo do
Socialismo, de Caio Prado Jr.; A Universidade Necessária, de Darcy Ribeiro; A
Mulher na Construção do Mundo Futuro, de Rose Marie Muraro; O Despertar da
Revolução Brasileira, de Márcio Moreira Alves; História Militar do Brasil, de
Nelson Werneck Sodré; e O Poder Jovem, de Arthur José Poerner.
Não apenas obras, mas também editoras foram fechadas ou
perseguidas pelos militares. Logo no dia 3 de abril de 1964, os golpistas
fecharam a Editorial Vitória, do Partido Comunista Brasileiro, PCB. Em
entrevista ao Jornal da ABI, edição de maio de 2012, Sandra disse que, do golpe
até o Ato Institucional número 5, de dezembro de 1968, “a censura a livros no
Brasil foi marcada por uma atuação confusa e multifacetada e pela ausência de
critérios, mesclando batidas policiais, apreensões, confiscos e coerção
física”.
Em 26 de janeiro de 1970, os ditadores baixaram o
Decreto-Lei 1.077, assinado pelo general Emílio G. MédIci e pelo ministro
Alfredo Buzaid, considerando que a Constituição não tolerava “publicações e
exteriorizações contrárias à moral e aos costumes” e que era necessário
“proteger a instituição da família, preserva-lhe os valores éticos e assegurar
a formação sadia e digna da mocidade”. Os donos do poder vituperavam “algumas
revistas” que faziam “publicações obscenas” e programas de televisão
“contrários à moral e aos bons costumes”. Atacavam também livros que ofendiam
“frontalmente à moral comum”, insinuavam “o amor livre”, assim ameaçando
“destruir os valores morais da sociedade brasileira”. Por trás de tais obras
estava “um plano subversivo, que põe em risco a segurança nacional”. Era
ordenado, então, que o Departamento de Polícia Federal não tolerasse “as
publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes quaisquer
que sejam os meios de comunicação”. Para isso, a polícia ficava incumbida de
“verificar, quando julgar necessário, antes da divulgação de livros e
periódicos, a existência de matéria” que fosse “ofensiva à moral e aos bons
costumes”. Publicações vindas do estrangeiro também ficavam sujeitas à
verificação. Os infratores, além da responsabilidade criminal, ainda seriam
multados e obrigados a queimar os exemplares da publicação.
A pesquisadora diz que os censores faziam “uma correlação
clara entre a destruição dos valores morais e a segurança nacional”. Devido ao
protesto de escritores como Jorge Amado e Érico Veríssimo, os governantes
liberaram de avaliação prévia as obras “de caráter estritamente filosófico,
científico, técnico e didático, bem como as que não versarem sobre temas
referentes a sexo, moralidade pública e bons costumes”. No entanto, continuaram
perseguindo autores e editores, prendendo-os ou impossibilitando a continuidade
das empresas editoriais, valendo-se da pressão econômica, como fizeram com Ênio
Silveira e sua Editora Civilização Brasileira, que será assunto do próximo
artigo.
*Carlos Pompe é jornalista,
comunista, curioso do Mundo e das
coisas, editor do Vermelho/DF