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Marx
enamorado
Por Carlos Pompe*
Karl Marx, o
pensador alemão que, juntamente com Friedrich Engels, lançou as bases da teoria
científica do socialismo, casou-se, aos 25 anos, com Jenny, uma conhecida desde
os tempos de adolescente, com quem viveu até a morte da esposa, em 1881. Além
de sua produção teórica, ele registrou também na escrita os seus sentimentos
pela mulher com quem escolheu viver.
Em 1836, com
18 anos, Karl encheu três cadernos com poemas, que enviou, no Natal, para Jenny
– o Livro dos cantos e o Livro do amor, este último dedicado à “minha querida, eternamente
amada Jenny von Westphalen” – cujo nome inteiro era Johanna Bertha Julie Jenny
von Westphalen. Os cadernos foram considerados por Franz Mehring, amigo e um dos
primeiros biógrafos de Marx, "totalmente amorfos em todo o sentido do
termo.
A técnica do
verso é totalmente primitiva ... São nada além que sons românticos da harpa: o canto
dos elfos, o canto dos gnomos, o canto das sereias, as canções às estrelas, o
canto do tocador de sinos, o último canto do poeta, a donzela pálida, o ciclo
das baladas de Albuino e Rosamunda". O britânico Isaiah Berlin, numa
biografia de Marx escrita no início do século passado, considerou “maus versos”
os dos cadernos. Já o venezuelano Ludovico Silva, autor de “O estilo literário
de Marx”, considera esses poemas juvenis “comovedoramente ruins”.
O próprio
autor considerou o conteúdo dos cadernos, posteriormente, “de acordo com minha atitude
e todo o meu desenvolvimento anterior, puramente idealista. Meu céu e minha
artese tornaram um Além tão distante como meu amor” (à época, Karl estudava em
Bonn e Jenny vivia em Trier). “Todo o real começava a se dissolver e a perder
seus contornos. Eu atacavao presente, o sentimento era expresso sem moderação
ou forma, nada era natural, tudo era feito de lutar; eu acreditava numa
oposição completa entre o que é e o que deveria ser, e reflexões retóricas
ocupavam o lugar dos pensamentos poéticos, embora talvez houvesse também um
certo ardor de emoção e desejo de exuberância. Estas são as características de todos
os poemas dos três primeiros volumes que Jenny recebeu de mim”. Num desses
poemas, registra que, impulsionado pelo seu sentimento por Jenny
“com desdém
jogarei minha luva
bem na cara
do mundo, e verei o colapso deste gigante pigmeu
cuja queda
não sufocará meu ardor.
Então
errarei divino e vitorioso
pelas ruínas
do mundo
e, dando uma
força ativa às minhas palavras,
me sentirei
igual ao criador.”
Depois de
casados, Marx enviou várias cartas a Jenny, quando estavam separados por
ocasião de alguma viagem de um dos dois, reafirmando seus sentimentos pela
esposa. Numa carta de 21 de junho de 1856, chama-a de “Amadinha do meu coração”
e escreve: “Beijo-te dos pés à cabeça, caio de joelhos diante de ti” e ainda
arremata dizendo que a ama “mais do que o mouro de Veneza” (Otelo, de
Shakespeare) “jamais amou”.
Como alertou
Marx nO 18 Brumário de Luís Bonaparte, é necessário diferenciar “o que um homem
pensa e diz de si mesmo do que ele realmente é e faz”. Não por acaso, a um questionário
das filhas, ele respondeu que seu lema favorito era De omnibus dubitandum (Dúvida
de tudo). Derramamentos sentimentais de poemas e cartas à parte, em 1851 Karl engravidou
a criada da família, Helene Demuth. Engels, em socorro ao amigo, assumiu a paternidade
da criança, Frederic Demuth.
O filósofo e
economista também faz referências ao amor em textos teóricos, às vezes de forma
jocosa. Em A ideologia alemã, por exemplo, critica o filósofo Max Stirner, afirmando
que a relação entre a filosofia que este produz e o estudo do mundo real é a
mesma que existe entre a masturbação e o amor sexual. Em A sagrada família, escreve
sobre Bruno Bauer e seus consortes: "Como podia a absoluta subjetividade,
o actus purus, a critica 'pura' não ver no amor sua bête noire, o Satanás
personificado; no amor, que é, verdadeiramente, o primeiro que ensina ao homem
a crer no mundo objetivo fora dele, que não só objetiva ao homem, mas que
também humaniza ao objeto? [...] O amor não pode construir-se a priori, porque
o seu é um desenvolvimento real, que ocorre no mundo dos sentidos e entre
indivíduos reais".
No escrito
Sobre o suicídio, Marx aborda o ciúme da pessoa amada: “O ciumento necessita de
um escravo; o ciumento pode amar, mas o amor é para ele apenas um sentimento extravagante;
o ciumento é antes de tudo um proprietário privado”.
Quatro meses
após a morte de Jenny, Marx escreveu a Engels: “Você sabe que há poucas pessoas
mais avessas ao patético-demonstrativo do que eu; contudo, seria uma mentira
não confessar que grande parte do meu pensamento está absorvida pela recordação
de minha mulher, boa parte da melhor parte da minha vida”.
Karl morreu
16 meses após a esposa. Há biógrafos que dizem que a tristeza causada pela
perda da companheira de quase 40 anos de vida conjugal e também da filha mais
velha (igualmente chamada Jenny), o levou a ficar desgostoso com a vida, debilitando
sua saúde e abreviando sua existência.
Helene cuidou
de Karl até seus últimos dias, inventando novos pratos para abrir-lhe o
apetite.Ele, porém, preferia alimentar-se com leite, rum e conhaque. Após a
morte de Marx, em 14 de março de 1883, ela se mudou para a casa de Engels.
Morreu em 1890, e no seu funeral Engels declarou que Marx se aconselhava com
ela, “não apenas em questões partidárias difíceis e complexas, mas mesmo em
relação aos seus escritos econômicos. Quanto a mim, o trabalho que tenho sido
capaz de fazer desde a morte de Marx tem sido em grande parte devido à luz do
sol e do apoio de sua presença na minha casa”. Helena foi enterrada no
cemitério Highgate, Londres, no mesmo túmulo que Marx e sua esposa.
* Pompe é comunista revolucionario, jornalista e curioso do Mundo e da Vida, editor do "Vermelho/DF"
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