quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Cuba, a ilha das grandes interrogações



Por Leonardo Padura* | Tradução: Gabriela Leite
Publicado originalmente no site http://www.outraspalavras.net
A Assembleia Nacional de Cuba (parlamento) acaba de viver um momento histórico: o instante visível em que começou a se fechar uma etapa transcendente e complexa para a vida do país e abriu-se a porta a um futuro que, não é tão difícil prever, será diferente de muitas maneiras.
O general Raul Castro, reeleito no domingo (24/3) pela Assembleia, como presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros para a legislatura que vai até 2018, ratificou publicamente que, independentemente das modificações que se realizarem na Constituição a respeito do tempo de exercício dos altos cargos, este mandato, que ele inicia com 82 anos, será seu último à frente de seu país.
Quando Raul fazia essa afirmação, estava na primeira fila do plenário, sentado em sua cadeira de deputado, o ex-presidente Fidel Castro (a caminho de seus 87 anos). Teve em suas mãos o destino do país, durante mais de 46 anos. Testemunhou o anúncio que marcou o princípio do fim de um período histórico marcado por sua personalidade e estilo de governo.
A ilha, que agora ingressa numa etapa de encerramentos e aberturas talvez transcendentes, já é por si diferente da que Fidel governava, quando adoeceu gravemente e viu-se obrigado a se afastar do poder — primeiro, de forma provisória; em seguida, de maneira definitiva, em 2008.
A essência do sistema não mudou: mantêm-se intactas a estrutura de partido único, o sistema eleitoral e a economia de caráter socialista. Mas não se pode negar que os movimentos introduzidos por Raul, como parte do “processo de atualização do modelo econômico cubano” — convertido em programa político com os “Alinhamentos da política econômica e social” aprovados pelo VI Congresso do Partido Comunista (2011) — estão mudando a realidade do país. São uma série de medidas econômicas e sociais, com maior ou menor alcance, que, em muitos casos, revertem um modelo político centralizado e estatizado, e começam a dar fisionomia diferente ao cenário social e econômico desta ilha do Caribe.
Entre as mudanças, estão o fim de proibições que limitavam a capacidade de realização pessoal (o acesso à telefonia celular, a possibilidade de comprar e vender casas e carros etc.); as diversas modificações econômicas (ampliação e facilitação de trabalho autônomo, concessão de terras a particulares em regime de usufruto, criação de cooperativas, maior espaço para a comercialização dos produtos agrícolas, concessão de créditos bancários, nova lei tributária, entre outras), e até uma reforma migratória que, pela primeira vez em meio século, permite o livre movimento da grande maioria dos cidadãos.
De forma paralela, o governo de Raul Castro empreendeu outras campanhas. Entre elas, a que visa fortalecer a institucionalidade do país, a de combate à corrupção nos diversos níveis do aparato econômico, a troca de dirigentes à frente de ministérios e instâncias de decisão, e até uma mudança ostensiva no estilo governante. O presidente moveu-se das tribunas, dos discursos e das constantes e custosas convocatórias de mobilizações populares para as reuniões de portas fechadas, onde se fixam objetivos concretos que, em maior ou menor medida, têm influído na vida nacional.
O propósito expresso do atual presidente, ratificado ao tomar posse para novo mandato, é preservar o sistema socialista instaurado na ilha em 1961. Para tanto, tenta superar a ineficiência econômica do país, e promover dirigentes capazes de sustentar as mudanças a médio prazo, quando o próprio Raul e os outros membros de sua geração já não puderem cumprir suas responsabilidades: por idade e, aparentemente, por futura lei constitucional.
Em suas últimas aparições públicas, Raul tem advertido que os movimentos de “atualização” mais importantes ainda estão por vir. Sobre o caráter dessas mudanças, pouco se sabe, ainda que muito se especule.
Sem dúvida, os grandes desafios de qualquer governo em Cuba estariam concentrados na economia: a imprescindível eliminação de uma moeda dupla que deforma a macro, a mini e a economia doméstica; a necessidade urgente de aumentar os salários para aproximá-los às necessidades vitais da população; a facilitação de investimentos estrangeiros capazes de renovar a envelhecida infraestrutura do país; o polêmico e agora indispensável acesso à Internet, sem o qual não é possível pensar em desenvolvimentos individuais, sociais e econômicos na era digital…
Que país, dentro de cinco anos, entregará Raul Castro a seus sucessores? Cuba continua sendo a ilha do melhor tabaco do mundo e das mais amargas interrogações.

* Leonardo Padura [verbete na Wikipedia] é escritor e jornalista cubano, vencedor do Prêmio Nacional de Literatura 2012. Seus romances foram traduzidos para mais de quinze idiomas e sua obra mais recente, 
El hombre que amaba a los perros, tem como personagens centrais Leon Trotsky e seu assassino, Ramón Mercader.

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