Por Leonardo
Padura* |
Tradução: Gabriela Leite
Publicado originalmente
no site http://www.outraspalavras.net
A Assembleia Nacional de Cuba (parlamento) acaba de viver um
momento histórico: o instante visível em que começou a se fechar uma etapa
transcendente e complexa para a vida do país e abriu-se a porta a um futuro
que, não é tão difícil prever, será diferente de muitas maneiras.
O general Raul Castro, reeleito no domingo (24/3) pela
Assembleia, como presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros para a
legislatura que vai até 2018, ratificou publicamente que, independentemente das
modificações que se realizarem na Constituição a respeito do tempo de exercício
dos altos cargos, este mandato, que ele inicia com 82 anos, será seu último à
frente de seu país.
Quando Raul fazia essa afirmação, estava na primeira fila do
plenário, sentado em sua cadeira de deputado, o ex-presidente Fidel Castro (a
caminho de seus 87 anos). Teve em suas mãos o destino do país, durante mais de
46 anos. Testemunhou o anúncio que marcou o princípio do fim de um período
histórico marcado por sua personalidade e estilo de governo.
A ilha, que agora ingressa numa etapa de encerramentos e
aberturas talvez transcendentes, já é por si diferente da que Fidel governava,
quando adoeceu gravemente e viu-se obrigado a se afastar do poder — primeiro,
de forma provisória; em seguida, de maneira definitiva, em 2008.
A essência do sistema não mudou: mantêm-se intactas a estrutura
de partido único, o sistema eleitoral e a economia de caráter socialista. Mas
não se pode negar que os movimentos introduzidos por Raul, como parte do
“processo de atualização do modelo econômico cubano” — convertido em programa
político com os “Alinhamentos da política econômica e social” aprovados pelo VI
Congresso do Partido Comunista (2011) — estão mudando a realidade do país. São
uma série de medidas econômicas e sociais, com maior ou menor alcance, que, em
muitos casos, revertem um modelo político centralizado e estatizado, e começam
a dar fisionomia diferente ao cenário social e econômico desta ilha do Caribe.
Entre as mudanças, estão o fim de proibições que limitavam a capacidade
de realização pessoal (o acesso à telefonia celular, a possibilidade de comprar
e vender casas e carros etc.); as diversas modificações econômicas (ampliação e
facilitação de trabalho autônomo, concessão de terras a particulares em regime
de usufruto, criação de cooperativas, maior espaço para a comercialização dos
produtos agrícolas, concessão de créditos bancários, nova lei tributária, entre
outras), e até uma reforma migratória que, pela primeira vez em meio século,
permite o livre movimento da grande maioria dos cidadãos.
De forma paralela, o governo de Raul Castro empreendeu outras
campanhas. Entre elas, a que visa fortalecer a institucionalidade do país, a de
combate à corrupção nos diversos níveis do aparato econômico, a troca de
dirigentes à frente de ministérios e instâncias de decisão, e até uma mudança
ostensiva no estilo governante. O presidente moveu-se das tribunas, dos
discursos e das constantes e custosas convocatórias de mobilizações populares
para as reuniões de portas fechadas, onde se fixam objetivos concretos que, em
maior ou menor medida, têm influído na vida nacional.
O propósito expresso do atual presidente, ratificado ao tomar
posse para novo mandato, é preservar o sistema socialista instaurado na ilha em
1961. Para tanto, tenta superar a ineficiência econômica do país, e promover
dirigentes capazes de sustentar as mudanças a médio prazo, quando o próprio
Raul e os outros membros de sua geração já não puderem cumprir suas
responsabilidades: por idade e, aparentemente, por futura lei constitucional.
Em suas últimas aparições públicas, Raul tem advertido que os
movimentos de “atualização” mais importantes ainda estão por vir. Sobre o
caráter dessas mudanças, pouco se sabe, ainda que muito se especule.
Sem dúvida, os grandes desafios de qualquer governo em Cuba
estariam concentrados na economia: a imprescindível eliminação de uma moeda
dupla que deforma a macro, a mini e a economia doméstica; a necessidade urgente
de aumentar os salários para aproximá-los às necessidades vitais da população;
a facilitação de investimentos estrangeiros capazes de renovar a envelhecida
infraestrutura do país; o polêmico e agora indispensável acesso à Internet, sem
o qual não é possível pensar em desenvolvimentos individuais, sociais e
econômicos na era digital…
Que país, dentro de cinco anos, entregará Raul Castro a seus
sucessores? Cuba continua sendo a ilha do melhor tabaco do mundo e das mais
amargas interrogações.
–
* Leonardo Padura [verbete na Wikipedia] é escritor e jornalista cubano, vencedor do Prêmio Nacional de Literatura 2012. Seus romances foram traduzidos para mais de quinze idiomas e sua obra mais recente, El hombre que amaba a los perros, tem como personagens centrais Leon Trotsky e seu assassino, Ramón Mercader.
* Leonardo Padura [verbete na Wikipedia] é escritor e jornalista cubano, vencedor do Prêmio Nacional de Literatura 2012. Seus romances foram traduzidos para mais de quinze idiomas e sua obra mais recente, El hombre que amaba a los perros, tem como personagens centrais Leon Trotsky e seu assassino, Ramón Mercader.
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