Por
KÁTIA MARKO
Questão fundamental dos
relacionamentos deveria ser amor; mas crença na “fidelidade” interrompe fluxos,
suscita fantasmas e impede viver criativo
Por Katia Marko |
Imagem: Paul Gauguin, A terra dos deleites
“É
pena que você pense
Que eu sou seu escravo
Dizendo que eu sou seu marido
E não posso partir
Que eu sou seu escravo
Dizendo que eu sou seu marido
E não posso partir
Como
as pedras imóveis na praia
Eu fico ao seu lado sem saber
Dos amores que a vida me trouxe
E eu não pude viver…”
Eu fico ao seu lado sem saber
Dos amores que a vida me trouxe
E eu não pude viver…”
Raul
Seixas
Por que a traição nos afeta tanto? A
simples possibilidade da infidelidade em um relacionamento deixa alguns
desesperados que nem crianças. Outros parecem não se importar, porque criaram
uma defesa que os torna mais frios e também menos abertos à entrega amorosa. De
qualquer forma, quando algo que cheire a infidelidade acontece, é uma
avalanche, porque sempre há uma dor muito profunda em jogo.
Esta é uma questão que até hoje causa
um grande desgaste nas relações, mas também tem sido fruto de debates
importantes sobre o modelo monogâmico de família. Muitas pessoas já se arriscam
a viver diferente.
Na Comunidade Osho Rachana,
experimentamos novas formas de nos relacionar. Os casais, por exemplo,
escolheram viver em casas separadas, mesmo com filhos. Não estou dizendo que a
fidelidade não seja uma questão forte ainda. Mas buscamos em nossos trabalhos emocionais
compreender melhor as causas do desespero.
Como Sartre e Simone de Beauvoir,
poderíamos aceitar que nosso amado realizasse seus desejos e simplesmente
dizer: “Eu te amo meu amor, portanto, se você sentiu atração por outra pessoa,
tudo bem… Você vai ficar mais completa/o e assim a gente vai poder se amar
mais”. Mas sabemos que este papo é balela na maior parte das situações.
A realidade da maioria dos mortais é
bem menos libertária ou poética e o que acontece é que um parceiro tenta
dominar o outro e fazer “contratos” reais, verbais ou até mesmo acordos
silenciosos para evitar esta possibilidade. Apenas esquecemos que estes
contratos vão também destruindo o amor.
Segundo o terapeuta corporal Prem
Milan destaca em seu livro Por que você mente e eu
acredito?, é um grande equívoco nos comportarmos como se tivéssemos
várias torneiras que pudéssemos abrir ou fechar. “Eu fecho aqui para o João,
aqui para a Maria, ali para a Francisca e mantenho aberta só para o Antônio.
Esse é um erro, uma vez que a torneira da energia é uma só. Você não pode
interromper seu fluxo para uns e abrir para outros. Quando você corta a
possibilidade de exercer ou sentir atração fora do relacionamento, tem início
um processo de perda da sensualidade. Para atender às expectativas
inconscientes do outro, você passa a se vestir mal, a engordar e não se cuidar
direito.”
Para não atrair outras pessoas,
acabamos ficando não atraentes para nosso parceiro também. “Já não existe
criatividade na relação, o sexo já não possui aquele fogo do início, não há
mais espaço para o inusitado. Isso porque grande parte da energia dos dois está
sendo reprimida em nome de um pacto de fidelidade que não é natural”, afirma
Milan.
É claro que não existe uma fórmula de
comportamentos ideais nem um manual de instruções. Tudo depende dos limites,
dos sentimentos e das escolhas de cada um. Mas uma coisa é certa, conclui
Milan: sempre que dizemos que aquela pessoa é nossa propriedade, o amor começa
a morrer. E ele deixa claro que não defende que não existe fidelidade. “Quando
se está amando profundamente, a gente só quer saber do toque da pessoa amada,
só quer para si aquela energia. Mas essa é uma fidelidade que brota
naturalmente, não fruto da repressão de seus impulsos e instintos. Nada garante
que o desejo de ser fiel vá durar para sempre.”
Forçar a barra no quesito fidelidade tem causado
grande dano aos relacionamentos, pois o amor nunca foi posse. O amor é liberdade.
“A confiança no amor, mais do que na pessoa amada, é algo fundamental a ser
resgatado. Sem ela, o medo do julgamento, do abandono e da rejeição estarão
muito presentes, tornando quase impossível a entrega”, conclui Milan. Na sua
visão, não olhar mais profundamente para esta questão implica em amar
superficialmente, sem viver a verdadeira beleza do amor, sem viver o êxtase
sexual, aquele momento em que nos perdemos em explosões orgásticas e que só
acontece se estivermos confiando.
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