Alguém pode ser marxista
e religioso?
Carlos Pompe*
O debate é recorrente. Apesar de Marx, Engels, Lenin e todos
os marxistas que são referência para o debate ideológico se afirmarem
materialistas, ateus, a dúvida persiste entre os que lutam pelo socialismo e
querem uma sociedade justa e solidária. Dias atrás, o questionamento foi
colocado numa página do Facebook e apresentou algumas das ideias que circulam
sobre o assunto.
Uma
internauta respondeu: “É possível, mas há aí uma contradição que um dia terá
que ser resolvida...”. Outro
participante afirmou que, se a pessoa for católica e se afirmar marxista,
poderá ser excomungada. Existem
encíclicas, lembrou, de vários papas condenando a participação de católicos em
associações que são ateias, niilistas, maçônicas etc. Devido às posições da
Igreja Católica, seu discípulo seria impossibilitado de ser marxista – portanto, seria um problema dos adeptos do
catolicismo e não da concepção marxista da natureza e da sociedade.
Houve quem considerasse que os religiosos são pessoas que
precisam “encher de sentido uma vida sem sentido”, têm uma necessidade
primitiva por crer em uma divindade que explica a existência das coisas. Um dos
debatedores foi contundente: “É impossível dizer-se marxista sem entender Marx;
e é impossível entender Marx e o materialismo histórico-dialético e, ainda
assim, permanecer religioso”. No mesmo diapasão entoou uma partícipe: “A
primeira condição para ser marxista é conhecer Marx, ler e entendê-lo.
Portanto, pode dizer-se que é um conhecimento científico e um método. Alguém
pode ser marxista sem conhecer os pressupostos da teoria marxista? Ou há uma
confusão instalada aqui entre ser progressista, socialista, comunista ou
marxista, como se os termos fossem equivalentes? (Mas não são)”. Houve
contestação: “Eu acredito que exista gente católica, que pertence ao corpo da
Igreja Católica, gente que estuda Marx, lê, entende e sabe o que é marxismo”.
Teve um que foi ácido ao considerar que “os caros amigos
defendem que uma sociedade marxista deve ser toda ateia, sem haver respeito às
individualidades ou coletividades que querem perpetrar a prática religiosa? Se
partirmos desse pressuposto, a Venezuela não é socialista, pois o próprio
Chávez era declaradamente católico fazendo até muitas citações de Jesus”. Opinião
mais pragmática apareceu: “Se for religioso e lutar pelo socialismo... bola pra
frente, no futuro e com o andar da carruagem as melancias se ajeitam...”
Um adepto do marxismo testemunhou: “Recentemente fui duas
vezes ao Dr. Fritz, em Sabará, uma médium que dá passividade para este espírito
e tive meus dois problemas de saúde resolvidos, assim como N casos”.
Responderam-lhe: “A própria ciência já falou sobre a efetividade do efeito
placebo, que as pessoas adquirem a cura por acreditarem que estão se tratando
da melhor forma que existe”.
Houve até confissão: “Bem, eu sou marxista, mas sempre que
preciso dou um pulinho no budismo, sem problemas, mas não posso afirmar
categoricamente que isso não seja uma fuga minha, claro que pode ser...” Teve
quem filosofasse: “Gente, a religião é uma necessidade humana. Nasceu e se
desenvolveu e desenvolve de acordo com as condições MATERIAIS de cada
sociedade. Ser religioso é atender a esta necessidade seja da forma que for (e
são as mais variadas...)”.
Expressei também meu pensamento: Como concepção filosófica
que norteia setores do movimento popular e social, o marxismo não tem dono. É
ciência e método, portanto precisa ser estudado, mas uma pessoa pode dizer-se
marxista e filiar-se ao Partido Comunista ou qualquer outra organização que
considere marxista, sem que tenha lido Marx e os clássicos ou domine e defenda
a teoria materialista-dialética. Todo marxista é socialista, mas nem todo
socialista é marxista (vide Chávez), e a sociedade socialista deve ser laica e
garantir a mais ampla liberdade de opinião e de crença.
Um médico pode ser ateu, islâmico, judeu, católico, budista,
o que quiser, mas para ser bom médico, na hora e atender ao paciente deve levar
em conta sua ciência e não sua crença. Existem as chamadas "fronteiras da
ciência" – coisas que acontecem e a ciência ainda não tem explicação. A
acupuntura é (ou era) um exemplo (parece que acharam a fundamentação
científica, recentemente). Enquanto a ciência não "desvenda o
mistério", a explicação mais fácil tem sido apelar para o sobrenatural em
vez de reconhecer: mais do que isso, não sei, mas vou continuar estudante e
testando...
Ciência e religião se repelem porque uma apega-se à
realidade, outra ao além - e a religião, ou o idealismo filosófico, para usar o
termo mais correto, não consegue demonstrar a existência do além, a não ser
pela fé. A religião tem seus dogmas; a ciência, suas hipóteses e descobertas – e
o critério da verdade, no dizer de Marx, é a prática. Concordo com várias das
opiniões expressas no debate (aqui só coloquei algumas) e, como escreveu um dos
opinantes, na luta pelo socialismo, estejamos todos unidos que, “com o andar da
carruagem, as melancias se ajeitam...”
*Carlos Pompe é jornalista, marxista-leninista e editor do
Vermelho/DF dentre outras coisas!!
2 comentários:
Caro Luiz Aparecido e Carlos Pompe
Não creio que sejamos apenas uma ou outra coisa. Não creio no politicamente correto nem na infalibilidade da ciência que muitas vezes tem se mostrado incapaz de responder e resolver nossas questões mais relevantes e urgentes. Na histórica da ciência é muito fácil relatar que o objeto de estudo era um determinado tema, mas que chegou-se à elucidação de tema totalmente diverso. Não creio cegamente na Ciência, mas creio em Deus de tal maneira que não sei como explicar. E por que deveria?! Para mudar a sociedade e a nós mesmos é preciso ser mais do que camarada, é preciso ser irmão, ser generoso, de boa vontade e solidário.
Aquele abraço do Fernando Claro
É possível ser marxista e religioso porque o fato de uma pessoa ser admiradora das ideias de Karl não significa que ela concorde com tudo que ele pregava. Nenhum de nós pode concordar com 100% do que alguém diz porque sabemos que ninguém pode estar 100% certo.
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