A COMISSÃO DA VERDADE, A SOFREGUIDÃO E OS HOLOFOTES
Isto porque nada será decidido agora. O xis da questão é se, no relatório final da Comissão, daqui a um ano e meio, vai ou não ser recomendada a anulação da aberração jurídica que permitiu aos assassinos oficiais anistiarem a si próprios.
Então, por que botaram o carro na frente dos bois, lançando o debate agora? Meu palpite é de que se trata de um terceiro tema controverso oferecido numa bandeja à imprensa, para que a Comissão da Verdade entre com destaque no noticiário.
Foi o que a presidente Dilma Rousseff cobrou, há alguns meses: maior visibilidade dostrabalhos da Comissão.
Coincidência ou não, coincidiram com o primeiro aniversário do colegiado:
- o anúncio da decisão de exumarem o corpo do ex-presidente João Goulart, que pode levar à comprovação de seu assassinato por envenenamento (ou, em caso contrário, fornecer um poderoso trunfo propagandístico às viúvas da ditadura, daí a leviandade de trombetearem o que poderia ter sido feito discretamente, deixando o obaoba para depois, dependendo do resultado dos exames);
- a totalmente inútil convocação do megatorturador Carlos Alberto Brilhante Ustra para bater boca com membros da Comissão, cuja sessão foi aberta ao público pela primeira vez exatamente para maximizar a repercussão do deprimente espetáculo; e,
- agora, a também totalmente inútil antecipação de uma polêmica que só será travada para valer, se o for, no final de 2014.
A Comissão de Anistia programou exatamente para aquele momento o julgamento do processo de Anita Leocádia Prestes (ela estava em grande evidência por causa do recém-lançado filme Olga) e divulgou triunfalmente que lhe fora concedida uma indenização.
Anita, contudo, retrucou dignamente que não pedira tal indenização e a doaria para caridade. Seu pleito era apenas de que seu tempo de exílio fosse considerado na contagem de anos para obter uma aposentadoria como professora; só queria aquilo que pedira, não o que fora acrescentado à sua revelia.
A CAPITULAÇÃO DECISIVA FOI EM 2008
- a apuração dos crimes e atrocidades da ditadura, com a consequente punição dos responsáveis, era um dever que o Estado brasileiro deveria ter cumprido logo que se deu a redemocratização, em 1985 (mas, claro, não se poderia esperar que o arenoso José Sarney colocasse o próprio pescoço na forca, depois de ter sido o mais servil capacho dos militares);
- por culpa de um sem-número de omissos, continuamos na estaca zero até hoje, no que diz respeito à punição das bestas-feras;
- mesmo que se derrube a vergonhosa decisão de 2010 do Supremo Tribunal Federal, na contramão das recomendações da ONU e do enfoque legal dos países civilizados, já não há mais hipótese de a condenação dos criminosos hediondos transitar em julgado antes que eles morram todos de velhice, dada a lerdeza da Justiça brasileira e o número infinito de manobras protelatórias que faculta a quem pode contratar os melhores advogados;
- então, devemos nos preocupar é com o legado que deixaremos aos pósteros, ou seja, batalharmos para que não permaneça legitimado o escabroso precedente de uma ditadura, durante sua vigência, anistiar antecipadamente seus esbirros, concedendo-lhes uma espécie de habeas corpus preventivo.
Para eles, é inaceitável o cumprimento de penas, a perda de pensões e o pagamento de indenizações.
Já que vê-los um dia encarcerados (como merecem!) não passa de uma quimera, para nós o mais inaceitável é que eles continuem sendo formalmente tidos pelo Estado brasileiro como anistiados e não como os criminosos infames que são. Temos de, pelo menos, desestimular reincidências, e a impunidade sacramentada pelo STF vai na direção contrária.
Nenhum comentário:
Postar um comentário