América Latina: três eleições decisivas
Forças à esquerda enfrentarão disputas difíceis e importantes na Argentina e Venezuela — mas podem retomar ao governo (talvez renovadas) no Chile
Por Rafael Cuevas Molina no Adital
Após vários anos nos quais forças nacional-progressistas puderam assumir a gestão governamental em vários países da América Latina, aproxima-se um novo ciclo de eleições, que possui distintas conotações em função de cada um dos países; porém, em termos gerais, constitui um momento importante, que possibilitará fazer um balanço do nível de fortaleza de tais projetos.
Dois processos se aproximam a eleições que quase têm um caráter plebiscitário, apesar de que não foram convocadas com esse fim: na Argentina e na Venezuela.
Na Venezuela, serão realizadas eleições municipais em 8 de dezembro após nove meses de gestão do presidente Nicolás Maduro. A Venezuela constituiu, sob a presidência de Hugo Chávez, o projeto dinamizador de alguns dos mais emblemáticos processos que caracterizaram esses governos nacional-progressistas. O próprio presidente Chávez sempre mostrou uma grande energia e entusiasmo ao impulsioná-los, imbuído de um espírito solidário latino-americanista, que não se via desde a Revolução Cubana. Nessas condições, a Revolução Bolivariana concitou adesões e entusiasmos que permitiram viver um espírito de mudança que não se intimidava ante a inovação e a transgressão, com tanto que afirmasse uma via para levar a “algo” distinto ao realmente existente. O desafio de Nicolás Maduro tem sido imenso: estar à altura de tal dinâmica em meio a uma ofensiva da direita que, apesar de nunca ter deixado de brigar para voltar à gestão governamental, nessa oportunidade sente-se ‘envalentonada’ com o inesperado desaparecimento do carismático líder.
Na Argentina, a gestão kirchnerista também passa por um momento de ameaças que se vêm gestando há vários meses, produto da inconformidade de setores médios com as políticas sociais que não os colocaram como centro de sua atenção. Hoje em dia, as classes médias latino-americanas constituem um sério problema para os governos que desejam impulsionar políticas que favoreçam os mais pobres; porém, sobretudo, quando anunciam que querem procurar mudanças mais profundas que possam tocar as estruturas vigentes. Ganhos pela sociedade de consumo, esses setores médios que identificam a felicidade com ter mais, constituíram-se nos mais visíveis opositores da presidenta Cristina Fernández, abrindo a possibilidade de que, nas eleições legislativas que de 27 de outubro, o kirschnerismo perca a vantagem que tem no Congresso.
Outra é a perspectiva no Chile e em Honduras, onde se abre a possibilidade de retorno de agrupações políticas que foram derrubadas do poder pela direita. No caso chileno, a Nueva Mayoría se perfila como virtual ganhadora das próximas eleições presidenciais (em 17 de novembro e 11 de dezembro), com a novidade de ter incluído a forças que poderiam incliná-la para tomar posições mais à esquerda do que tomadas anteriormente pela Concertação, que não só não romperam com o modelo herdado do pinochetismo, mas que o administraram e, inclusive, em alguns casos, o aprofundaram. O argumento do Partido Comunista é que precisamente sua participação nessa aliança possibilitará uma mudança nesse sentido. Em todo caso, as opções que se abrem para o futuro em um Chile marcado pelo protesto social podem ser favoráveis para o movimento popular que tanto tem perseverado na luta e no protesto.
Honduras, por seu lado, enfrenta a possibilidade não só de retorno das forças que constituíram a presidência de Manuel Zelaya, derrocado por aproximar-se ao projeto latino-americanista da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América); mas, reforçadas por outras mais conscientes e radicalizadas pela luta que levaram a cabo contra o golpe da direita. Para a América Central em seu conjunto, um triunfo de Xiomara Castro, esposa de Zelaya, abriria a possibilidade que outros projetos que acontecem em países fronteiriços, especialmente El Salvador e Nicarágua, pudessem sentir-se mais confiantes para adiantar políticas próprias dessa onda nacional-progressista da América Latina.
Possivelmente, nos aproximamos a uma reconfiguração parcial do panorama político da América Latina, que poderia iluminar acerca de tendências que poderiam ir se cristalizando nos próximos anos.
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