“Rolezinho” e luta de classes
O movimento chamado de “rolezinho” – mobilizado pelas redes sociais desde o fim do ano passado – está tornando-se um fenômeno social e político, na medida em que revela um novo tipo de expressão de insatisfações e aponta questões centrais para o debate por uma sociedade mais justa e igual. Objetivamente, é uma expressão da luta de classes; desmascara o racismo e o preconceito entre os diferentes segmentos da população; e evidencia novos aspectos sobre a repressão policial.
A frase dita por Che Guevara “Não são os rebeldes que criam os problemas no mundo, são os problemas do mundo que criam os rebeldes” traduz exatamente a luta destes jovens moradores da periferia por justiça social e liberdade e ganha força principalmente depois da ação violenta da polícia.
Sabemos, através de um dos organizadores do movimento, que o “rolezinho” era para ser uma reunião recreativa, ou seja, não tinha o objetivo de vandalizar, furtar, tumultuar, destruir. Segundo Jeferson Luís, o encontro divulgado nas redes sociais servia apenas para evidenciar uma autoafirmação adolescente, “de paquerar, estar com amigos, papear, zoar”, como dizem os jovens.
Ainda assim, bastou o primeiro sinal de aglomerações de jovens, negros e pobres, para a grande mídia proclamar o “arrastão” ou ato de “vandalismo” nos shoppings e assim “fazer a cabeça” de muitos, além da polícia ser mobilizada para dar segurança à outra parte da população, a burguesia.
A luta de classes assume formas inimagináveis. Diante da repercussão do tema, pode-se perceber uma verdadeira abominação da classe conservadora ao movimento. Os burgueses entendem que esses jovens estão “roubando” o direito exclusivo de eles consumirem, de eles estarem “entre os seus” e em “paz”. Uma boa resposta é que esse mesmo direito, por sua vez, vinha sendo roubado desses jovens pobres há muito tempo. É de indignar os comentários de leitores de matérias referentes ao assunto, que manifestam um ódio impressionante. Ao falarem do evento, algumas palavras utilizadas foram bastante reveladoras do preconceito existente: “favelados”, “bandidos”, “vagabundos”, “putas” e “negros”. Aquela clássica e velha frase: “vão capinar”, claro, também fazia parte dos comentários preconceituosos.
Para a deputada estadual (PCdoB-SP), Leci Brandão, a forma com que a Polícia Militar e o Poder Judiciário têm lidado com esse fenômeno, “o rolezinho”, só evidencia, mais uma vez, “o racismo e a exclusão com que a nossa juventude negra e pobre vem sendo tratada pela sociedade e pelo Estado”. Leci Brandão, que também é ativista do movimento negro, questiona se nas praças de alimentação dos shoppings, só os jovens brancos e da elite podem fazer rolezinho.
O sentimento que move as autoridades e a elite conservadora é o mesmo com que foram hostilizados os médicos cubanos que vieram ao Brasil – através do Programa Mais Médicos –, o mesmo que fez uma camada da população ser contra a cota nas universidades e concursos públicos. É o que historicamente vem ocorrendo, mais uma expressão de não reconhecimento dos direitos dos negros e dos pobres da periferia como iguais, como cidadãos.
A criminalização do rolezinho nos shoppings nada mais é que a velha visão conservadora e racista da elite, que sustentou a mais longa escravidão do período moderno – mais de 355 anos – e que mesmo na nascente República envidou medidas políticas e jurídicas visando "reter", restringir a circulação dos ex-escravizados, a exemplo da lei da vadiagem, a criminalização e perseguição ao samba e ao candomblé. Associando assim o jovem da periferia ao que é perigoso, mau, feio, pronto a desestabilizar a ordem.
É a mesma lógica que tem orientado recentemente a proposição de legislações e ações jurídicas como toque de recolher, redução da maioridade penal e outras que visam impedir a circulação e permanência de jovens "perigosos", leia-se negros, pobres e da periferia, nas praças, ruas e avenidas das cidades brasileiras.
A repressão, com as intervenções policiais, apoiada no Judiciário, é resultado da brutal discriminação e desigualdade acentuada. Vale dizer que foi uma decisão retrógrada da Justiça apoiar as instituições privadas no sentido de segregar socialmente e impedir o direito de ir e vir de apenas uma camada da população – a pobre.
As imagens dos atos de repressão policial para com estes jovens mostram mais uma vez como foram arbitrários. Como sempre, a Polícia Militar ataca, fere, revelando sua vocação para incitar a violência, identificando no “pobre e negro” um inimigo da ordem.
São muitos anos de invisibilidade, perseguição, extermínio e repressão sofridos por essa camada da população. Proibidos e discriminados por exercer a sua manifestação cultural, o seu modo de ser, podem dizer que esse movimento é uma forma de ação afirmativa. E há uma profunda falta de espaços públicos, espaços de inclusão. Por isso, o rolezinho é também uma ocupação político-cultural da juventude negra e pobre da periferia.
É nesse sentido que se pode interpretar as declarações do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, em entrevista aos jornais: “Temos que discutir a cidade, temos que abrir espaços públicos para que as pessoas possam usufruir da cidade e para isso, temos que dialogar com essa garotada”.
Nessa tentativa de inclusão é importante pensar também que está surgindo uma nova situação social no Brasil, onde a juventude da periferia está melhorando de vida, por meio dos programas sociais, como o Universidade para Todos (ProUni), Ensino Técnico (Sisutec), entre outros, e no mercado de trabalho em expansão (emprego formal). Isso faz com que saiam da "marginalidade" para o "centro". Precisamos estar preparados para dar as respostas certas, através de políticas públicas de inclusão para atender as demandas que essa nova situação social apresentará.
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