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quarta-feira, janeiro 29, 2014
A SANTIDADE DE VINÍCIUS DE MORAES
Por Victor Mendonça Neiva*
Às vezes, me pergunto com sinceridade e dvidas profundas, pra que manter esse ideal. Esse
sonho distante, essa utopia que na maior parte do tempo só traz sofrimento e favorece a
amargura. Essa necessidade de retidão que me impede de tomar decisões que me trariam
alívio.Essa fonte inesgotável de inflexibilidade tão propensa a afastar colegas, amigos e
amantes, essa ânsia de luta no mais das vezes suicida contra um inimigo infinitamente
mais forte e escalado, essa razão longinquamente abstrata para tanta renuncia a desejos e
reconforto, enfim, essa tola incapacidade de aceitar o mundo e ser a cruel brutalidade de
Chego realmente a entender os” heróis que morreram de overdose “, os talentosos líderes
que pelegaram os homens de belas histórias de lutas e realidades artísticas, os burocratas
gélidos de insensíveis, os vendilhões, os” reformistas”, os maliciosamente pragmáticos e os
desistentes propensos a ermitão.
Mais do que eles, compreendo os crentes, que se apoiam na fé em um possível castigo ainda
pior se não suportarem a vida e mantiverem a retidão, e os viciados, que ante tanta vilania e
iniquidade se entregam ao entorpecimento para se anestesiar da truculência do mundo.
A dor do dia a dia é implacável. Nos empurra a mesquinharia e a defesa contra ameaças as
vezes inexistentes de agressão e carestia mais que cansa, esgota, aflige, tortura, desespera,
desencanta. Não me sinto realmente na condição de julga-los ou repreendê-los. Mais do que
isso, assumo que me sinto como eles e sou forçado a perceber que posso me tornar um deles.
E então, agradeço ao acaso, destino, carma ou esta força estranha que alguns chamam de
Deus, por ter me dado a oportunidade de ter conhecido muitos guerreiros de palavras, atos
e armas, que passando por uma verdadeira expiação, conseguiram manter a sua firmeza de
caráter e a sua determinação de luta. Não para comparar com o meu sofrimento e percebê-lo
pequeno, pois pela poesia percebi que dor não se compara, mas para simplesmente ver que é
possível, senão vencer, ao menos suportar.
Agradeço ainda ao santo em que deposito a minha fé: Vinícius de Moraes.
Deixe-me explicar. Santo é o devoto que opera milagres. E não há como negar a devoção de
Vinícius pelo Amor, o Deus do Deus que mandou seu filho para nos ensiná-lo, e pela poesia. Os
milagres, por sua vez, são uma evidência ofuscante.
Quantas almas curou da doença do desamor? Quanta caridade praticou em trazer do
ostracismo da desigualdade seguidores e mestres para tocar o coração de ainda mais gente?
Nos ensinou a pior solidão do mundo e a capacidade de se transfigurar pela poesia? Viveu a
sina de sofrer de amar repetida e ininterruptamente mantendo firme a sua fé, casando mais
de uma dezena de vezes e suportando diversas vezes a chaga de uma separação?
E claro que é santo. E que não se diga que por ter se entregue aos prazeres da vida perdeu
a condição de santidade. Foi, por toda a vida, um exemplo de generosidade e compreensão,
mantendo a firmeza do caráter e a sensibilidade contra as injustiças e arbitrariedades.
Lembremos quanto a isso que nem mesmo Jesus disse que amar ao próximo e se devotar a
Deus deveria doer, apenas que podia.
É ele o santo que me salva nessas horas. Quando penso no porquê de se manter o ideal só
Eurídice me vem a cabeça para me lembrar que, como diz Vinícius em relação à bela mulata,
viver sem esta Utopia também é olhar para um relógio sem o ponteiros dos minutos. Que é ela
a hora, que dá sentido e direção ao tempo.
Afinal, a escolha de viver como ermitão, renunciar ou vender os ideais esvaziará o sentido
da vida, reduzirá a existência ao material, o amor ao sexo, a amizade à farra e ao consolo, o
legado à herança e a paternidade à reprodução.
Portanto, esse santo cura, esses exemplos fortalecem e esse ideal se justifica, e, por amor
e poesia, devemos compreender e aceitar até mesmo aqueles que nos parecem ter sido
vencidos pela contundente realidade, até porque ninguém está a salvo dessa sina.
*Victor Mendonça Neiva é brilhante advogado, poeta,escritor, estudioso da economiia e da jurisprudência e curioso do m\undo
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