Coluna de Carlos Pompe de hoje trata da questão das mulheres e sua história através dos Tempos!
Marcha das
Vadias, pra que te quero
Reproduzo o
texto de Andréa Cerqueira, mãe da Bruna, do Coletivo da Marcha, mestranda em Sociologia
pela Universidade de Brasília e Multiplicadora da Técnica do Teatro do
Oprimido.
Uma
abordagem interessante sobre a opressão da mulher.
“José, José,
prepara teu café,
João, João,
cozinha teu feijão,
Zeca, Ô
Zeca, lava tua cueca!”
Toré
feminista (Loucas de Pedra Lilás)
Nossa
história começa lá atrás. Nos estágios mais remotos da vida humana.
Segundo o
psicólogo alemão Erich Neumann, no período primordial, “não existe uma pré- disposição
nem uma incapacidade, condicionadas pelo sexo, no que diz respeito a qualquer tipo
de ocupação importante para o grupo. Encontramos homens ociosos e mulheres guerreiras,
da mesma forma que há mulheres ociosas e homens ativos. Algumas vezes a relação
com o poder é prerrogativa dos homens e, em outras circunstâncias, das
mulheres.”
Já no auge
da época matriarcal, a individualidade era pouco desenvolvida, assim como as relações
individuais entre homens e mulheres. A existência coletiva do grupo estava em primeiro
plano. Os rituais universais de fecundidade eram orientados para a comunidade
como um todo.
Na religião
e mitologia do Egito, segundo Neumann, “a reelaboração patriarcal do simbolismo
matriarcal anterior já pode ser claramente constatada.” E, na Índia antiga,
numa passagem das “lendas do Padmasambhava”, as mulheres serão tratadas como as
‘ogras’ do ser humano, e o seu corpo será o “caldeirão de cobre das bruxas, no
qual têm lugar todos os sofrimentos…”
Alguns
historiadores creditam a origem do poder paterno, que sempre acompanha a autoridade
marital, à remota Índia. Nos textos sagrados, a família era um grupo religioso
do qual o pai era o chefe.
Com Jesus
Cristo a coisa muda de figura, senão na prática, pelo menos teoricamente. Jesus
proclama que a autoridade paterna não seria mais exercida no interesse do pai,
mas do filho, e que a mãe não seria a esposa-escrava, mas a companheira.
Sabemos que esta mensagem foi reinterpretada de diversas maneiras
posteriormente por teólogos e apóstolos e deu no que deu!
Santo
Agostinho vai afirmar que a mulher é “um animal que não é firme, nem estável,
odioso, que alimenta a maldade… ela é fonte de todas as discussões, querelas e
injustiças.” Ou seja, é sempre Eva, coitada, a responsável pelos pecados de
Adão! E São Paulo, em a Epístola aos Efésios, vai afirmar que o homem deve ser
o chefe do casal, pois foi criado primeiro: “…assim como a Igreja está sujeita
à Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos.”
Santa interpretação!
Como se não
bastassem esses defeitos de ‘origem’, a filosofia vai tentar reafirmar, com
Aristóteles, a autoridade do marido e do pai. Segundo o filósofo, haveria uma desigualdade
‘natural’ entre os seres humanos. Dotada de frágil capacidade de deliberação, a
opinião de uma mulher não era digna de consideração, e sua única virtude moral
seria “vencer a dificuldade de obedecer”.
Saltemos
alguns séculos, para chegarmos à França de Rousseau, o pai do contrato social. Para
ele, a mulher era uma criatura essencialmente ‘relativa’, um ‘complemento’ do
homem.
Mas na
França também se fizeram ouvir outras vozes. Montesquieu, considerado um dos precursores
da antropologia, denunciou diversas vezes as desigualdades entre homens e
mulheres. Afirmava que não era natural a submissão das mulheres aos homens, e
que este ‘império’ masculino era uma verdadeira tirania. “…se as mulheres são
efetivamente inferiores aos homens deste século, a causa não reside na sua
natureza, mas na educação que lhes é dada, ou melhor, na educação que lhes é
recusada.”
Mas foi a
partir do século XIX, que as coisas começaram a ficar mais nítidas, porque os cientistas
sociais começaram a desvendar o que antes era tido como ‘natural’. Em A origem
da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Engels vai afirmar que o
primeiro antagonismo de classe que aparece na história coincide com o antagonismo
entre o homem e a mulher, na monogamia, e que a primeira divisão do trabalho acontece
entre o homem e a mulher para a procriação dos filhos. Diz ele: “a reversão do
direito materno foi a grande derrota histórica do sexo feminino. O homem passou
a governar também a casa, a mulher foi degradada, escravizada, tornou-se
escrava do prazer do homem, e um simples instrumento de reprodução…”
A expansão
do capitalismo, segundo a socióloga britânica, Sylvia Walby, foi um fator importante
para a criação das circunstâncias materiais que levaram ao movimento das mulheres
na esfera pública e ao feminismo.
A feminista
norte-americana Heidi Hartmann buscou explicar a parceria entre patriarcado e capitalismo
e a incapacidade dos movimentos trabalhistas socialistas, dominados por homens,
em priorizar o sexismo. A filósofa e cientista política Iris Young, sua
conterrânea, argumentava que as relações patriarcais estavam internamente
relacionadas às relações de produção como um todo. E afirmava que a organização
autônoma das mulheres permanecia como uma necessidade prática. Já a feminista
francesa Christine Delphy descreveu o matrimônio como uma relação de classe em
que o trabalho da mulher beneficia o homem, sem que haja uma remuneração
compatível.
Segundo o
sociólogo Avtar Brah, até recentemente, as perspectivas feministas ocidentais davam
pouca ou nenhuma atenção aos processos de racialização do gênero, classe e sexualidade.
Segundo o autor, estruturas de classe, racismo, gênero e sexualidade não podem ser
tratados como “variáveis independentes”, porque a opressão de cada uma está
inscrita dentro da outra – é constituída pela outra e é constitutiva dela.
E falar em
feminismo no Brasil e na América Latina sem falar em gênero e raça, não faz sentido.
Em todos os períodos de crise, houve a feminização da pobreza. Mulheres e
negras foram as mais atingidas pela violência e pelas desigualdades. Segundo a
feminista negra brasileira Luiza Bairros, o patriarcado repousa em bases
ideológicas semelhantes às que permeiam o racismo: a crença na dominação
constituída com base em noções de inferioridade e superioridade.
Se, a
violência atinge uma em cada três mulheres na América Latina; quatro em cada
dez mulheres brasileiras já foram vítimas de violência doméstica; uma mulher é
agredida a cada cinco minutos no Brasil; e 70% das vítimas de violência sexual
doméstica no DF têm até 14 anos, eu pergunto: COMO NÃO MARCHAR?
Segundo a
infopedia, a marcha descende da tradição medieval inglesa que levava um servo a
acompanhar a pé o seu amo que viajava em carruagens puxadas por cavalos.
Contra
tradições e preconceitos que queremos superar, marchamos sem oprimir ninguém, lado
a lado.
Contra o
MACHISMO, O RACISMO, A HOMOFOBIA E TODAS AS FORMAS DE OPRESSÃO E DESIGUALDADE.
VIVA A
MARCHA DAS VADIAS!
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