O “Quarto
Poder” vai recuar no anticomunismo?
Carlos Pompe*
Na semana que passou, o Senado devolveu a Luiz Carlos Prestes o seu
mandato de senador pelo Partido Comunista do Brasil e a Câmara Municipal de São
Paulo também devolveu os mandatos dos vereadores comunistas cassados em 1948.
No mês passado, a Câmara Federal tomou idêntica posição sobre os mandatos dos
deputados federais.
Na Câmara Federal a proposta de devolução dos mandatos partiu de Jandira
Feghali (RJ), no legislativo paulistano foi de Orlando Silva e, no Senado, de
Inácio Arruda (CE), todos do PCdoB. Como afirmou o senador cearense, “no dia 23
de maio de 1985, o então Presidente da República, José Sarney, recebeu, no
Palácio do Planalto, o Constituinte comunista de 1947, João Amazonas,
acompanhado do então deputado federal pelo PMDB baiano, Haroldo Lima, e ali foi
anunciada a volta da legalidade do Partido Comunista. O Executivo se redimiu,
assim, da postura antidemocrática assumida em 1948. Em 23 de junho de 1988, o
Tribunal Superior Eleitoral deferiu a concessão do registro definitivo do
Partido Comunista do Brasil. O Judiciário revogou, assim, o equívoco de 1947. Agora
é o Legislativo que está reparando o erro e fazendo Justiça à história e à
nação brasileira”.
Portanto, os Três Poderes, sensíveis aos interesses democráticos,
nacionais e populares, voltaram atrás em relação às medidas arbitrárias que
tomaram no passado. Mas e o assim chamado (pelos seus proprietários) “Quarto
Poder”? Qual o posicionamento da mídia oligopolista?
Heber
Ricardo da Silva, em A democracia impressa: transição do campo jornalístico
e do político e a cassação do PCB nas páginas da grande imprensa (1945-1948), analisou como os proprietários dos
jornais de maior circulação e seus prepostos trataram os comunistas no período
em que tiveram sua primeira bancada parlamentar nacional. O Partido Comunista
do Brasil (que na época adotava a sigla PCB) conquistou perto de 10% dos votos
nas eleições presidenciais de 1947 e elegeu dezessete deputados e um senador,
alcançou a maioria na Câmara dos Vereadores do Distrito Federal (Rio de
Janeiro), em São Paulo obteve o terceiro lugar no total de votos nas eleições
estaduais de 1947, contribuiu nos debates e elaboração da Constituição de 1946,
destacando-se na defesa do direito de greve, autonomia sindical,
estabelecimento e ampliação dos direitos de cidadania. Ou seja, nada do que as
famílias Marinho (O Globo), Mesquita (Estadão) e Chateaubriand (Diários
Associados) defendiam nas páginas de suas publicações, já então dominantes no
país.
A imprensa das elites
brasileiras despolitizava a atuação dos comunistas na Assembleia Nacional Constituinte.
Os jornais retiravam das suas páginas os posicionamentos políticos ideológicos
e colocavam em foco comportamentos e opiniões pessoais. Os fatos políticos sobre
a cassação da legenda e dos mandatos comunistas em maio de 1947 e janeiro de
1948, respectivamente, foram muitas vezes omitidos pelos principais jornais do
país. O objetivo era silenciar e anular as ações comunistas, evitando qualquer
tentativa de suposta subversão social e organização das massas trabalhadoras.
Os jornais publicaram
diversas matérias, editoriais e reportagens para emitirem juízos de valor e
criar uma representação distorcida sobre o PC do Brasil e a atuação de seus
parlamentares. Os comunistas eram excluídos das páginas dos jornais, mas a
temática comunista e as ações contra os comunistas, como repressão, prisões,
fechamento de organismos de base e intervenção em comícios eram abordados na
perspectiva desautorizar a ideologia comunista e construir uma opinião pública
contrária à atuação e funcionamento do Partido.
Em 1946, escreveu O
Estado de S. Paulo, em editorial, que “não podemos ser complacentes com o
Partido Comunista. As suas atividades são mais nocivas que proveitosas à coletividade
[...] o que se sabe é que em todas as agitações, em todos os movimentos
grevistas, nunca deixam de aparecer elementos graduados do Partido Comunista”.
Apesar desse anticomunismo raivoso, o Estadão, que se opunha ao Governo Dutra,
posicionou-se contrário á cassação. Júlio de Mesquita Filho considerou “um erro
a medida adotada pelo TSE cassando o PCB, pois ela tornaria o governo mais
impopular e ao mesmo tempo fortaleceria a legenda comunista que estava com seu
prestígio em declínio”. Porém o Estadão afirmou que a decisão deveria ser
respeitada e a Justiça Eleitoral não poderia ser pressionada pela opinião
pública (ou seja, pelos eleitores!).
Também em 1946, O Globo
publicou em editorial: “O Partido Comunista, dentro das intenções mais
evidentes de seu guia e chefe, nada mais deseja que desenvolver o seu programa
de achincalhe às autoridades, não poupando sequer os homens que se afastam mais
do terreiro partidário, porque incumbidos de refletir no estrangeiro os rumos
de nossa política externa, bem é de ver que ao Sr. Carlos Prestes e seus mais
representativos correligionários com assento na Constituinte, o que importava
acima de tudo era desmoralizar o poder público e sobrepor-se às suas ordens”. Desde
o momento em que o projeto de cassação foi apresentado no TSE, o jornal
publicou diariamente matérias e colunas para desfavorecer a imagem dos
comunistas junto à opinião pública e reforçar o anticomunismo. Para o jornal
dos Marinho, com o passar do tempo a “legenda vermelha” tinha sido responsável
por “semear a discórdia” e representava perigo ao regime de liberdade. Os
comunistas pretendiam solapar as instituições democráticas, criar uma situação
de anarquia social, “a fim de que sobre suas ruínas econômicas fosse plantado o
regime da foice e do martelo”.
O Jornal do Brasil, por
seu turno, classificou
como “memorável” a sessão que julgou a cassação: “Muitos procuram argumentar
que a democracia é um conceito genérico e que qualquer restrição imposta à
liberdade de associação política implica em ofensa a esse conceito. Mas a
doutrina não pode servir de base para a apreciação de um caso concreto. O que
se impõe é saber se o funcionamento desta ou daquela agremiação está em
harmonia com os postulados e princípios democráticos julgados essenciais no
regime peculiar ao Brasil”.
Chateaubriand saudou a decisão em
editorial no Diário de São Paulo, alegando que “fechado pelo Tribunal de juízes, o PCB
desaparecia como corpo estranho, pois não tinha nada a ver com a pátria, uma
vez que agia com a representação soviética, ou seja, tratava-se de uma
mercadoria de exportação que, repelida pelo consumidor, tem de voltar ao
mercado de origem”.
A Folha da
Manhã, precursora da atual Folha de S. Paulo, clamou por medidas que
eliminassem o comunismo do cenário político, pois “sua ação representava um
risco de se ver transplantado para o Brasil o regime soviético que era
responsável em fuzilar dissidentes ou mandá-los para os campos de
concentração”.
O Globo, Diário de São Paulo, Folha da
Manhã e Jornal do Brasil aprovaram cassação também dos mandatos dos
representantes eleitos pelo PCB e anulação da votação obtida pela legenda nos
pleitos de 2 de dezembro de 1945 e 19 de janeiro de 1947. O Globo considerou
que, ao contrário do que muitos haviam afirmado, “não havíamos assistido ao
enterro da democracia, mas sim a manifestações de sua vitalidade triunfante
como ocorre em todos os países livres como o Brasil”.
“Buscando a adesão do
maior número de adeptos a sua causa política, a imprensa brasileira foi
responsável, assim, pela construção de uma verdade única sobre a democracia,
uma verdade que não apenas contestava a ideologia comunista como oferecia
elementos para a luta anticomunista. A democracia defendida pelos jornais no
imediato pós-guerra era dotada de limites bem definidos, ou seja, deveria estar
a serviço dos interesses particulares de grupos políticos e econômicos, e o
comunismo internacional e a ação legal do PCB no campo político brasileiro
representavam constante ameaça a esses interesses”, opina Heber Ricardo da
Silva em seu livro.
Acorrentada aos
interesses de classe de seus proprietários e anunciantes, a mídia oligopolista,
que petulantemente se considera Quarto Poder, continua sua sanha reacionária e
anticomunista – aliás, como ficou pela enésima vez evidenciado na campanha que
desenvolveu e desenvolve contra a presença do PCdoB no Governo Dilma.
*Carlos Pompe é jornalista, militante revolucionario comunista, editor do Vermelho/DF e curioso do Mundo!
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