Deus e o Diabo na Câmara Federal
Carlos Pompe*
A eleição de um pastor preconceituoso para a
Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal acirrou ânimos
e trouxe para a sociedade e a mídia a discussão sobre os avanços dos religiosos
nos espaços institucionais, ameaçando o estado laico. Essa discussão é
necessária e urgente, pois o irracionalismo tem sido fartamente utilizado para
disseminar preconceitos sociais e justificar a dominação das classes
exploradoras na sociedade.
A CDHM é constituída por 18 deputados membros e
igual número de suplentes. Cabe-lhe avaliar e investigar denúncias de violações
de direitos humanos, discutir e votar propostas relativas à sua área, pesquisar
e estudar a situação dos direitos humanos no Brasil e cuidar dos assuntos
referentes às minorias étnicas e sociais, dentre outras atribuições. Pauta-se
pelos direitos básicos e inalienáveis inscritos na Declaração Universal dos
Direitos Humanos (da Organização das Nações Unidas – ONU) e a Declaração
Americana de Direitos Humanos (da Organização dos Estados Americanos – OEA),
ambos de 1948, e por outros instrumentos internacionais assinados pelo Brasil.
Naturalmente, qualquer deputado está qualificado,
pelo mandato, a integrá-la e presidi-la. E este é o caso do pastor. Porém, a
Câmara representa o conjunto da população, e não apenas os eleitores desta ou
daquela crença, desta ou daquela ideologia, deste ou daquele segmento social.
Ao assumir uma função mais ampla do que o próprio mandato, o parlamentar passa
a representar o Legislativo – e não apenas o seu eleitorado – naquele encargo.
Assim se comportaram ex-presidentes da CDHM como
Nilmário Miranda, Iriny Lopes, Luiz Couto, Manuela D’Ávila, Domingos Dutra,
Janete Rocha Pietá, Padre Ton e Erika Kokay, que divulgaram nota repudiando a
declaração do atual pastor-presidente, que disse que seus antecessores
representavam o domínio de Satanás no órgão, enquanto ele próprio representaria
o deus cristão. Devido às suas ações e pregações, o mandato do parlamentar na
presidência vem sendo questionado por setores da sociedade aos quais a Comissão
deveria acudir e defender e por pessoas que promovem a construção de uma
sociedade democrática e progressista, tolerante e solidária.
“Nós fomos adversários da tortura, da homofobia, do
trabalho escravo, do racismo, da violência de gênero. Dessa comissão saíram
leis avançadas, como a Lei Maria da Penha, o projeto de combate à tortura e a
PEC que combate o trabalho escravo”, explicou a ex-presidente Manuela D’Ávila,
do PCdoB-RS. O atual presidente, que tem trajetória de combate aos direitos dos
homossexuais, ao direito da mulher sobre o próprio corpo, de ataques a outras
seitas que não a sua, de considerar – fundamentado no Antigo Testamento – os
nascidos negros na África e seus descendentes amaldiçoados, não se colocou
acima de seus preconceitos e convicções pessoais ao assumir o comando da CDHM.
Daí o movimento legítimo pela sua destituição que, regimentalmente, só pode
ocorrer através de sua renúncia.
Um aspecto que chama a atenção no debate travado
através dos meios de comunicação é que críticos do pastor tentam desmerecer
suas opiniões alegando que elas são distorções de textos bíblicos. Mas não são!
Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento contém textos homofóbicos, contrários à
igualdade da mulher, ao relacionamento livre entre as pessoas, à convivência
com seguidores de outras seitas, que legitimam (o Antigo) ou silenciam (o Novo)
sobre a escravidão. Seu conteúdo é utilizado pelas classes dominantes para
justificar a sociedade dividida em opressores e oprimidos, exploradores e
explorados, bem aventurados e amaldiçoados.
A proliferação das seitas irracionalistas, com o
beneplácito, cumplicidade e muitas vezes apoio de governos municipais,
estaduais e federal, é um desserviço à humanidade e, no nosso caso, ao povo
brasileiro. Chefes religiosos, em sua maioria politicamente reacionários,
aumentam seus rebanhos disseminando o ódio e o preconceito, baseados em textos
bíblicos selecionados dentre os de pior conteúdo. A influência política da reação
clerical aumenta e espaços importantes de defesa dos seres humanos são ocupados
por essa malta.
Daí a necessidade não apenas de denunciar essa ação
contrária aos povos, mas também de enfrentar o tema pela raiz, contrapondo à
pregação religiosa o chamamento à razão, desqualificando os argumentos
sobrenaturais com as descobertas científicas, demonstrando a incoerência das
abordagens idealistas (partam de pessoas progressistas ou não) diante da
possibilidade da análise dialética materialista dos fenômenos naturais e
sociais. Em suma, a que ser materialista militante, como indicavam Marx, Engels
e Lenin, dentre outros que atuaram pela construção de uma sociedade avançada
com um pensamento avançado.
A luta para tirar da presidência da CDHM o pastor
reacionário continua. Batalhemos para que tenha êxito.
*Carlos Pompe é jornalista, comunista, dirigente do
PCdoB/DF e editor do Vermelho/DF
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