“Militantes de esquerda foram incinerados em usina
de açúcar”
Delegado revela em
livro que viraram cinzas os corpos de David Capistrano, Ana Rosa Kucinski e
outros oito opositores da ditadura
Tales Faria, iG
Brasília | 02/05/2012
10:15:28/05/2012 11:36:28
Foto: DivulgaçãoCapa de
"Memórias de uma guerra suja", da editora Topbooks
Ele lançou bombas
por todo o país e participou, em 1981 no Rio de Janeiro, do atentado contra o
show do 1º de Maio no Pavilhão do Riocentro. Esteve envolvido no assassinato de
aproximadamente uma centena de pessoas durante a ditadura militar. Trata-se de
um delegado capixaba que herdou os subordinados do delegado paulista Sérgio
Paranhos Fleury nas forças de resistência violenta à redemocratização do
Brasil.
Apesar disso, o
nome de Cláudio Guerra nunca esteve em listas de entidades de defesa dos
direitos humanos. Mas com o lançamento do livro “Memórias de uma guerra suja”,
que acaba de ser editado, esse ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem
Política e Social) entrará para a história como um dos principais terroristas
de direita que já existiu no País.
Mais do que esse
novo personagem, o depoimento recolhido pelos jornalistas Marcelo Netto e
Rogério Medeiros, ao longo dos últimos dois anos, traz revelações bombásticas
sobre alguns dos acontecimentos mais marcantes das décadas de 70 e 80.
Revelações sobre o
próprio caso do Riocentro; o assassinato do jornalista Alexandre Von
Baumgarten, em 1982; a morte do delegado Fleury; a aproximação entre o crime
organizado e setores militares na luta para manter a repressão; e dos nomes de
alguns dos financiadores privados das ações do terrorismo de Estado que se
estabeleceu naquele período.
A reportagem do iG teve acesso
ao livro, editado pela Topbooks. O relato de Cláudio Guerra é impressionante.
Tão detalhado e objetivo que tem tudo para se tornar um dos roteiros de
trabalho da Comissão da verdade, criada para apurar violações aos direitos
humanos entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar (1964-1988).
David
Capistrano, Massena, Kucinski e outros incinerados
Cláudio Guerra
conta, por exemplo, como incinerou os corpos de dez presos políticos numa usina
de açúcar do norte Estado do Rio de Janeiro. Corpos que nunca mais serão
encontrados – conforme ele testemunha – de militantes de esquerda que foram
torturados barbaramente.
“Em determinado
momento da guerra contra os adversários do regime passamos a discutir o que
fazer com os corpos dos eliminados na luta clandestina. Estávamos no final de
1973. Precisávamos ter um plano. Embora a imprensa estivesse sob censura, havia
resistência interna e no exterior contra os atos clandestinos, a tortura e as
mortes.”
Os
dez presos incinerados
João Batista e Joaquim Pires Cerveira > presos na Argentina pela equipe do delegado Fleury.
Ana Rosa Kucinsk e Wilson Silva > “A mulher apresentava marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente, e o jovem não tinha as unhas da mão direita”.
David Capistrano (“lhe haviam arrancado a mão direita”) , João Massena Mello, José Roman e Luiz Ignácio Maranhão Filho > Dirigentes históricos do PCB.
Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho > Militantes da Ação Popular Marxista Leninista (APML).
João Batista e Joaquim Pires Cerveira > presos na Argentina pela equipe do delegado Fleury.
Ana Rosa Kucinsk e Wilson Silva > “A mulher apresentava marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente, e o jovem não tinha as unhas da mão direita”.
David Capistrano (“lhe haviam arrancado a mão direita”) , João Massena Mello, José Roman e Luiz Ignácio Maranhão Filho > Dirigentes históricos do PCB.
Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho > Militantes da Ação Popular Marxista Leninista (APML).
O delegado lembrou
do ex-vice-governador do Rio de Janeiro Heli Ribeiro, proprietário da usina de
açúcar Cambahyba, localizada no município de Campos, a quem ele fornecia armas
regularmente para combater os sem-terra da região. Heli Ribeiro, segundo conta,
“faria o que fosse preciso para evitar que o comunismo tomasse o poder no
Brasil”.
Cláudio Guerra revelou a amizade com o dono da usina para seus
superiores: o coronel da cavalaria do Exército Freddie Perdigão Pereira, que
trabalhava para o Serviço Nacional de Informações (SNI), e o comandante da
Marinha Antônio Vieira, que atuava no Centro de Informações da Marinha
(Cenimar).
Afirma que levou, então, os dois comandantes até a fazenda:
Afirma que levou, então, os dois comandantes até a fazenda:
“O local foi
aprovado. O forno da usina era enorme. Ideal para transformar em cinzas
qualquer vestígio humano.”
“A usina passou, em contrapartida, a
receber benefícios dos militares pelos bons serviços prestados. Era um período
de dificuldade econômica e os usineiros da região estavam pendurados em
dívidas. Mas o pessoal da Cambahyba, não. Eles tinham acesso fácil a
financiamentos e outros benefícios que o Estado poderia prestar.”
“Delegado Fleury foi morto pelos militares"
Delegado da
ditadura diz ter participado da decisão. E confessa o assassinato de dirigente
comunista Nestor Veras
Foto: DivulgaçãoDelegado Cláudio
Guerra
Símbolo da
linha-dura do regime militar, o delegado Sérgio Paranhos Fleury – titular da
Delegacia de Investigações Criminais (DEIC) de São Paulo – foi assassinado por
ordem de um grupo de militares e de policiais rebelados contra o processo de
abertura política iniciado pelo ex-presidente Ernesto Geisel. É o que afirma
Cláudio Antônio Guerra, ex-delegado do DOPS (Departamento de Operações
Políticas e Sociais) do Espírito Santo.
Em depoimento aos
jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, no livro “Memórias de uma guerra
suja”, que acaba de ser editado, Guerra conta ter participado da reunião em que
foi decidida a morte de Fleury.
Ele próprio teria
dado a ideia de fazer tudo parecer um acidente. Acabou sendo enviado para
liquidar o colega. Mas, por problemas operacionais, a execução teria ficado
para um grupo de militares do Cenimar, o Centro de Informações da Marinha.
No livro ao qual o iG teve acesso,
o delegado confessa ter sido um dos principais encarregados pelo regime militar
de matar adversários da ditadura entre os anos 70 e 80.
Guerra está sob
proteção da Polícia federal. Tornou-se uma testemunha-chave às vésperas do
início dos trabalhos da Comissão da Verdade, criada para apurar violações aos
direitos humanos entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar
(1964-1988).
Ele conta ter executado pessoalmente militantes de esquerda como Nestor
Veras, do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB), após uma sessão
de tortura da qual afirma não ter participado:
“(Veras) tinha sido muito torturado e estava agonizando. Eu lhe dei o tiro de misericórdia, na verdade dois, um no peito e outro na cabeça. Estava preso na Delegacia de Furtos em Belo Horizonte. Após tirá-lo de lá, o levamos para uma mata e demos os tiros. Foi enterrado por nós.”
“(Veras) tinha sido muito torturado e estava agonizando. Eu lhe dei o tiro de misericórdia, na verdade dois, um no peito e outro na cabeça. Estava preso na Delegacia de Furtos em Belo Horizonte. Após tirá-lo de lá, o levamos para uma mata e demos os tiros. Foi enterrado por nós.”
Além do assassinato de Veras, Guerra conta como matou, a mando de seus
superiores, outros militantes contra o regime, como: Ronaldo Mouth Queiroz
(estudante universitário e membro da Aliança Libertadora Nacional – ALN);
Emanuel Bezerra Santos, Manoel Lisboa de Moura e Manoel Aleixo da Silva (os
três, do Partido Comunista Revolucionário – PCR).
Queima de arquivo
Queima de arquivo
“O delegado Fleury tinha de morrer. Foi uma decisão unânime de nossa
comunidade, em São Paulo, numa votação feita em local público, o restaurante Baby
Beef”, afirma Cláudio Guerra.
Além dele, segundo conta, estavam sentados à mesa e participaram da votação:
Além dele, segundo conta, estavam sentados à mesa e participaram da votação:
O coronel do
Exército Ênio Pimentel da Silveira (conhecido como “Doutor Ney”); o
coronel-aviador Juarez de Deus Gomes da Silva (Divisão de Segurança e
Informações do Ministério da Justiça); o delegado da Polícia Civil de São Paulo
Aparecido Laertes Calandra; o coronel de Exército Freddie Perdigão (Serviço
Nacional de Informações); o comandante Antônio Vieira (Cenimar); e o coronel
Carlos Alberto Brilhante Ustra (comandante do Departamento de Operações de
Informações do 2º Exército – DOI-Codi), que abriu a reunião.
“Fleury tinha se
tornado um homem rico desviando dinheiro dos empresários que pagavam para
sustentar as ações clandestinas do regime militar. Não obedecia mais a ninguém,
agindo por conta própria. E exorbitava. (...) Nessa época, o hábito de cheirar
cocaína também já fazia parte de sua vida. Cansei de ver.”
Guerra conta que
chegou a fazer campana para a execução, mas o colega andava sempre cercado de
muita gente. “Dias depois os planos mudaram, porque Fleury comprou uma lancha.
Informaram-me que a minha ideia do acidente seria mantida, mas agora envolvendo
essa sua nova aquisição – um ‘acidente’ com o barco facilitaria muito o
planejamento.”
A história oficial é, de fato, que o
delegado paulista morreu acidentalmente em Ilhabela, ao tombar da lancha. Mas
Guerra afirma que Fleury na verdade foi dopado e levou uma pedrada na cabeça
antes de cair no mar.
Cláudio Guerra: um matador que se diz em busca da
paz
Ex-delegado do DOPS
afirma que resolveu confessar seus crimes na ditadura depois de se converter à
igreja evangélica
Delega admite crimes da durante a Ditadura em pregação na igreja
O ex-delegado do
DOPS (Departamento de Ordem Político Social) do Espírito, Santo Cláudio Antônio
Guerra, afirma que resolveu confessar seu envolvimento em crimes durante a
ditadura militar devido a um conflito de consciência.
Após passar sete
anos na cadeia sob acusação de ter matado um bicheiro, Cláudio Guerra
converteu-se ao cristianismo e, hoje, aos 71 anos, é um preletor da Igreja
Assembleia de Deus que costuma citar em suas pregações o seus “pecados do
passado”.
Os jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto contam, no livro
“Memórias de uma guerra suja”, que Cláudio Guerra tornou-se famoso no início
dos anos 70 no Espírito Santo como um ardiloso e implacável combatente da
bandidagem às custas de mais de 35 execuções de acusados de crimes comuns.
Ele próprio confessa outras 40 mortes anteriores “de pistoleiros e lideranças camponesas”, no início da carreira policial em Minas Gerais.
Ele próprio confessa outras 40 mortes anteriores “de pistoleiros e lideranças camponesas”, no início da carreira policial em Minas Gerais.
“Se lá (em Minas) servi às elites rurais, (aqui) no Espírito Santo
prestei serviço às suas elites políticas”.
Os jornalistas afirmam que era comum Guerra ser homenageado e cortejado pelo mundo político e empresarial. Seu gabinete no DOPS era frequentado por dois governadores do período da ditadura militar: Élcio Álvares e Eurico Rezende.
Os jornalistas afirmam que era comum Guerra ser homenageado e cortejado pelo mundo político e empresarial. Seu gabinete no DOPS era frequentado por dois governadores do período da ditadura militar: Élcio Álvares e Eurico Rezende.
Mas as suspeitas de
que teria matado uma colunistas social dos jornais locais acabaram atraindo a
mídia nacional para o Estado. E a imagem do delegado se deteriorou. O próprio
Rogério Medeiros foi autor de uma reportagem demolidora contra o delegado no
“Jornal do Brasil”.
Guerra terminou
preso pelo assassinato do bicheiro Jonathas Borlamarques de Souza – que ele diz
ter sido morto por outro policial a mando de dois coronéis que comandavam a
Secretaria de Segurança e o Departamento de Polícia.Obteve ainda uma condenação
a 18 anos – que está suspensa judicialmente – pelas mortes de sua primeira
esposa e da cunhada.
Mas ele também
afirma não ter participado desses dois assassinatos.Ao longo do livro, no
entanto, o velho delegado admite muitos outros assassinatos.“Fui condenado por
um crime que não cometi. Mas mereci a condenação pelos meus outros crimes”,
costuma dizer em suas preleções evangélicas.
“Na cadeia eu passei a conhecer
Jesus. Ao me aprofundar no conhecimento da palavra do Senhor, vi a necessidade
de caminhar para além do perdão. E assim resolvi vir a público revelar todos os
meus atos quando trabalhei em favor do regime militar. Aquilo que para mim era
matar um inimigo ficou claro, com Jesus, não passar de crime hediondo.”
Um comentário:
Comandante ,o velho BIGODE esteve nas mãos desse cara. Ele foi presidente do sindicato do Crime/ES. Creio que surgirão comentários de alguns capixabas, pois se fala aa muito tempo que o mesmo operava para o CENIMAR .
Postar um comentário