quarta-feira, janeiro 29, 2014

A SANTIDADE DE VINÍCIUS DE MORAES




Por Victor Mendonça Neiva*

Às vezes, me pergunto com sinceridade e dvidas profundas, pra que manter esse ideal. Esse

sonho distante, essa utopia que na maior parte do tempo só traz sofrimento e favorece a

amargura. Essa necessidade de retidão que me impede de tomar decisões que me trariam

alívio.Essa fonte inesgotável de inflexibilidade tão propensa a afastar colegas, amigos e

amantes, essa ânsia de luta no mais das vezes suicida contra um inimigo infinitamente

mais forte e escalado, essa razão longinquamente abstrata para tanta renuncia a desejos e

reconforto, enfim, essa tola incapacidade de aceitar o mundo e ser a cruel brutalidade de

Chego realmente a entender os” heróis que morreram de overdose “, os talentosos líderes

que pelegaram os homens de belas histórias de lutas e realidades artísticas, os burocratas

gélidos de insensíveis, os vendilhões, os” reformistas”, os maliciosamente pragmáticos e os

desistentes propensos a ermitão.

Mais do que eles, compreendo os crentes, que se apoiam na fé em um possível castigo ainda

pior se não suportarem a vida e mantiverem a retidão, e os viciados, que ante tanta vilania e

iniquidade se entregam ao entorpecimento para se anestesiar da truculência do mundo.

A dor do dia a dia é implacável. Nos empurra a mesquinharia e a defesa contra ameaças as

vezes inexistentes de agressão e carestia mais que cansa, esgota, aflige, tortura, desespera,

desencanta. Não me sinto realmente na condição de julga-los ou repreendê-los. Mais do que

isso, assumo que me sinto como eles e sou forçado a perceber que posso me tornar um deles.

E então, agradeço ao acaso, destino, carma ou esta força estranha que alguns chamam de

Deus, por ter me dado a oportunidade de ter conhecido muitos guerreiros de palavras, atos

e armas, que passando por uma verdadeira expiação, conseguiram manter a sua firmeza de

caráter e a sua determinação de luta. Não para comparar com o meu sofrimento e percebê-lo

pequeno, pois pela poesia percebi que dor não se compara, mas para simplesmente ver que é

possível, senão vencer, ao menos suportar.

Agradeço ainda ao santo em que deposito a minha fé: Vinícius de Moraes.

Deixe-me explicar. Santo é o devoto que opera milagres. E não há como negar a devoção de

Vinícius pelo Amor, o Deus do Deus que mandou seu filho para nos ensiná-lo, e pela poesia. Os

milagres, por sua vez, são uma evidência ofuscante.

Quantas almas curou da doença do desamor? Quanta caridade praticou em trazer do

ostracismo da desigualdade seguidores e mestres para tocar o coração de ainda mais gente?

Nos ensinou a pior solidão do mundo e a capacidade de se transfigurar pela poesia? Viveu a

sina de sofrer de amar repetida e ininterruptamente mantendo firme a sua fé, casando mais

de uma dezena de vezes e suportando diversas vezes a chaga de uma separação?

E claro que é santo. E que não se diga que por ter se entregue aos prazeres da vida perdeu

a condição de santidade. Foi, por toda a vida, um exemplo de generosidade e compreensão,

mantendo a firmeza do caráter e a sensibilidade contra as injustiças e arbitrariedades.

Lembremos quanto a isso que nem mesmo Jesus disse que amar ao próximo e se devotar a

Deus deveria doer, apenas que podia.

É ele o santo que me salva nessas horas. Quando penso no porquê de se manter o ideal só

Eurídice me vem a cabeça para me lembrar que, como diz Vinícius em relação à bela mulata,

viver sem esta Utopia também é olhar para um relógio sem o ponteiros dos minutos. Que é ela

a hora, que dá sentido e direção ao tempo.

Afinal, a escolha de viver como ermitão, renunciar ou vender os ideais esvaziará o sentido

da vida, reduzirá a existência ao material, o amor ao sexo, a amizade à farra e ao consolo, o

legado à herança e a paternidade à reprodução.

Portanto, esse santo cura, esses exemplos fortalecem e esse ideal se justifica, e, por amor

e poesia, devemos compreender e aceitar até mesmo aqueles que nos parecem ter sido

vencidos pela contundente realidade, até porque ninguém está a salvo dessa sina.

*Victor Mendonça Neiva é brilhante advogado, poeta,escritor, estudioso da economiia  e da jurisprudência e curioso do m\undo

sábado, janeiro 25, 2014

Uma Pena! Eles já foram tão jovens!!

Estava aqui neste final de tarde de verão em Brasilia, pensando: O que são os “ex”? Ex comunistas, ex-partidão, ex-APML, ex-MR8, ex-ALN,ex lutadores pela democracia e liberdade!
Os que foram “ex” e hoje estão ai contra esta nossa ainda insipiente democracia, que nem popular é ainda! Será que  algum dia foram aprendizes sequer de revolucionários e comunistas, ou apenas naqueles idos das décadas de 60/70 do século passado estavam surfando na onda dos “contra”. Será que não se envergonham do que são hoje ou do que foram ontem?
Dá pena ver no que esta gente se transformou. “Coxinhas”, cidadãos inacabados, reacionários com alguma “cultura” ou passado. Tenho até alguns diletos amigos que respeito como gente, mas que politicamente se transformaram  “nisto”. Uma pena o que a vida e a sociedade, o dinheiro, um bom emprego, o sucesso na carreira profissional e a vilipendia fizeram com eles! Muita pena é o máximo que posso  sentir por estas pessoas! E o pior é que não tem volta. Ultrapassaram o “rubicão”. Estão do lado de lá irreversivelmente. E eles já foram tão jovens!!Uma pena mesmo!!!

Eram figuras tão boas, tão dedicadas, tão sensíveis, tão humanas e hoje são isto: “ex”!!

segunda-feira, janeiro 20, 2014

DOCUMENTO IMPORTANTE PARA SER LIDO E ESTUDADO POR TODOS QUE SE INTERESSAM PELA REVOLUÇÃO E O SOCIALISMO!

Para a História do Socialismo
Documentos
www.hist-socialismo.net
Tradução do russo e edição por CN, 20.09.2013
(original em: http://rkrp-rpk.ru/content/view/7102/1/)
_____________________________
O último Congresso do PCUS
…Antes que a história seja reescrita
V.A. Tiúlkine1
Em 2011 assinalou-se um triste aniversario: os 20 anos da destruicao da URSS. Este
foi um acontecimento tragico nao so na historia dos povos da Uniao Sovietica mas de
todo o mundo. Ate hoje ainda nao se apaziguaram os animos em torno deste
acontecimento, tanto por parte dos partidarios do socialismo como de fervorosos
anticomunistas. Sem duvida que no exame das razoes da derrota do socialismo na
URSS (temporaria, estou convencido disso), a analise da actividade, erros e
degenerescencia do proprio PCUS ocupa um papel central. Nao foi em vao que Lenine
preveniu: Ninguem nos pode arruinar senao os nossos proprios erros.2 Ou seja, as
principais razoes da derrota devem ser procuradas, antes de mais, em nos proprios, e
nao em intrigas nos bastidores internacionais do imperialismo inimigo, apesar de
indubitavelmente terem existido e desempenhado um papel relevante. O ultimo
congresso do PCUS no poder teve lugar em Julho de 1990. Em grande medida,
segundo a expressao do seu ultimo secretario-geral, M.S. Gorbatchov, o Congresso foi
fatal para a Uniao Sovietica, para o povo sovietico e para o proprio PCUS.
Como participante, proponho-me, por um lado, descrever uma vez mais alguns
momentos cruciais, e outros simplesmente curiosos, dos acontecimentos desses anos:
Como se passou? Isto porque sao cada vez menos os participantes que continuam
vivos, em contrapartida sao cada vez mais aqueles que reescrevem a historia. Por outro
lado, com a distancia de 20 anos, procurarei responder a pergunta: O que e que
aconteceu?. Isto e particularmente importante porque, do nosso ponto de vista, nao
se pode dizer de forma alguma que o movimento comunista da Russia, das republicas
1 Viktor Arkadievitch Tiulkine e primeiro secretario de Partido Comunista Operario da
Russia – Partido Revolucionario dos Comunistas (PCOR-PRC). Foi delegado ao XXVIII
Congresso do PCUS e ao Congresso Fundador do Partido Comunista da Republica Socialista
Federativa Sovietica da Russia (Junho-Setembro de 1990). O presente artigo foi publicado no
site indicado do PCOR-PRC, em 17 Abril de 2012, com o titulo original Vinte anos para
aprender a licao e muitos continuam sem passar de classe (Двадцать лет на изучение
урока…, а многие все в том же классе). (N. Ed.)
2 Relatorio sobre o papel e as tarefas dos sindicatos na reuniao da fraccao comunista do
II Congresso dos Mineiros de Toda a Russia, Janeiro de 1921, V.I. Lenine, Obras Escolhidas
em seis tomos, Ed. Avante, Lisboa, 1986, t. 5, p. 224. (N. Ed.)
2
da URSS e do mundo retiraram as devidas licoes do ocorrido. Poderia ate usar a
expressao de que muitos partidos comunistas ainda nao passaram de classe e
continuam a insistir nos mesmos erros que, de modo geral, conduziram a derrocada do
PCUS.
Doente de não comunismo
Ao abordarmos os acontecimentos daqueles anos, antes de mais e preciso notar que
o Congresso Constituinte do Partido Comunista da Republica Socialista Federativa
Sovietica da Russia [PC da RSFSR], que se realizou em duas fases (20-23 Junho e 5 e 6
em Setembro de 1990), e o XXVIII Congresso do PCUS (3-13 de Julho de 1990) devem
ser examinados como encadeamento unico de acontecimentos. Isto porque nao so a
maioria dos delegados ao XXVIII Congresso do PCUS era composta por membros das
organizacoes do PC da RSFSR (2700 num total de 4610), como pelo facto de as
delegacoes das organizacoes do PC da RSFSR serem integradas pelos seus membros
mais activos, que representavam na altura as principais correntes no PCUS, seja a
corrente comunista, seja diferentes tipos de anticomunistas. No Congresso
Constituinte do PC da RSFSR, que se realizou poucos dias antes da abertura do XXVIII
Congresso do PCUS, foi travada uma batalha bastante seria contra Gorbatchov, e a
agudeza da discussao por vezes chegou a superar significativamente a tensao dos
trabalhos no XXVIII Congresso.
Para a compreensao deste processo e util expor desde ja o ponto de vista dos
comunistas ortodoxos do Partido Comunista Operario da Russia (PCOR) – entao ainda
Movimento Iniciativa Comunista (MIC) da Russia – segundo o qual, no momento do
XXVIII Congresso, o PCUS ja nao era de longe um partido comunista revolucionario
ortodoxo, de acordo com a definicao leninista de partido de novo tipo. Na sequencia
dos esforcos feitos nos XX e XXII congressos do PCUS, o partido rejeitou pedras
angulares do marxismo tais como a doutrina sobre a ditadura do proletariado ou a
nocao de Estado com um estrito instrumento da classe dominante. Fora igualmente
abandonada a ideia de que a luta de classes se mantem nas condicoes do socialismo, e
as reformas realizadas na economia conduziram ao enfraquecimento do caracter social
directo da producao e ao desenvolvimento da orientacao monetario-mercantil.
Desde o tempo de Khruchov que o Estado passou a ser designado como Estado de
todo o povo, e ate mesmo o partido comunista era entendido e apresentado, com
crescente frequencia, como o partido de todo o povo. Penso que se pode dizer que se
no XXII Congresso do PCUS, sob a direccao de Khruchov, o partido abandonou as
posicoes comunistas e passou para os trilhos do revisionismo, mantendo contudo a
designacao de comunista e a correspondente fraseologia, entao no XXVIII Congresso,
sob a direccao de Gorbatchov, o partido adoptou abertamente, como armas, teses nao
comunistas, sociais-democratas e ate mesmo anticomunistas. Todavia manteve
igualmente a sua designacao de comunista, cobrindo-se com a bandeira vermelha e
jurando fidelidade a escolha comunista. (Pessoalmente ouvi Gorbatchov afirmar que
permaneceria comunista ate ao fim dos seus dias).
3
Temos pluralismo…
Nao obstante, penso que a diferenca estava no facto de que a maioria dos delegados
do XXII Congresso eram provavelmente, expressando-me na linguagem de Lenine,
oportunistas honestos e revisionistas involuntarios, o que se devia ao baixo nivel da
sua preparacao marxista, apesar de serem mais ou menos uma massa homogenea de
militantes leninistas, como se julgavam. Ja no XXVIII Congresso do PCUS observavase
com total clareza uma peculiar mixordia ideologica de diferentes elementos politicos
heterogeneos: desde marxistas ortodoxos ate furiosos anticomunistas. Nao foi por
acaso que, quando o professor A.A. Sergueiev iniciou a sua intervencao no XXVIII
Congresso, em nome Movimento Iniciativa Comunista (MIC), se dirigiu aos delegados
da seguinte maneira: Camaradas comunistas! Camaradas marxistas legais! Mas
tambem socialistas, sociais-democratas de esquerda e de direita e outros membros do
nosso partido (...) – as suas palavras tenham sido recebidas com risos e aplausos.
E no relatorio do MIC ao Congresso Constituinte do PC da RSFSR, que os
camaradas me incumbiram de apresentar, a situacao era assim descrita:
Quer os lideres da esquerda quer da direita sao membros do nosso partido. Quer
na Frente Unificada dos Trabalhadores3 quer na Frente Popular.4 E quer aqueles que
sao a favor do comunismo quer os que sao contra, todos sao membros do nosso
partido. (Aplausos) E aquele que la em cima acompanha tudo isto e diz: Muito bem!
pluralismo!” – esse e o principal ideologo do partido. (Aplausos)
A unidade e uma grande palavra. Mas nos defendemos a unidade dos marxistas e
nao a unidade dos marxistas com os deturpadores do marxismo. (Aplausos) 5
No Congresso Constituinte do PC da RSFSR colocamos a questao da necessidade da
demarcacao, da depuracao do partido dos elementos alheios e da politica nao
comunista. Os acontecimentos posteriores, quer ainda no decorrer destes congressos
quer depois, em particular depois de Agosto de 1991, mostraram que as nossas analises
eram justas. Por exemplo, no XXVIII Congresso do PCUS, no momento da elaboracao
das listas para a nova composicao do Comite Central foi feita a tentativa de excluir o
nome do economista adepto do mercado, S. Chataline, com o argumento de que ele
proprio se designava social-democrata. No entanto, o proprio Gorbatchov saiu em sua
defesa, alegando que as exclusoes pertenciam ao passado nao democratico, e que o
camarada Chataline nao se tinha ele proprio excluido da lista. Na votacao, esta
questao nao voltou a ser levantada e, assim, um declarado e deste modo reconhecido
social-democrata entrou na composicao do CC do Partido Comunista da Uniao
Sovietica (o qual, nessa altura, naturalmente, ja nao era comunista).
3 A Frente Unificada dos Trabalhadores (Объединённый фронт трудящихся) foi formada
em Julho de 1989 por comunistas descontentes com o curso da perestroika e a
descaracterizacao do PCUS. Foi a partir das suas fileiras que se constituiu, em Novembro de
1991, o Partido Comunista Operario da Russia. (N. Ed.)
4 A Frente Popular (народный фронт) foi criada inicialmente em Leningrado e existiu
enquanto organizacao informal entre 1988 e 1990, dando origem a outras frentes populares,
nomeadamente nas republicas do Baltico. Apoiavam a perestroika e a chamada
democratizacao, a partir de posicoes claramente anti-sovieticas. (N. Ed.)
5 Boletim, Registo Estenografico do Congresso Constituinte do PC da RSFSR (Бюллетень.
Стенографический отчет Учредительного сьезда КП РСФСР).
4
Na mesma ocasiao, durante a eleicao do Comite Central, foi tambem questionado o
nome de V.H. Chostakovski, reitor da Escola Superior do Partido adstrita ao CC do
PCUS, nao so porque representava a chamada Plataforma Democratica no PCUS, mas
tambem porque, ja naquele tempo, exortava os partidarios da sua linha a abandonar o
partido e a criar um novo partido democratico (a principal razao que os conteve foi o
desejo de resolver a questao da partilha do patrimonio do partido). Refiro estes
aspectos como exemplos para que os leitores possam fazer uma ideia mais aproximada
do tipo de quadros que eram caldeados na Escola Superior do Partido, que ja fora uma
forja de revolucionarios profissionais em tempos idos, e da atmosfera que dominou o
XXVIII Congresso do PCUS.
No periodo que se seguiu ao Congresso, a assuncao de posicoes claramente
anticomunistas, por parte de figuras como E. Chevardnadze, P. Bunitch, A. Iakovlev, O.
Latsis, A. Sobatchak, B. Eltsine, A. Rutskoi, V. Lissenko, V. Chostakovitch, A. Tsipko, I.
Boldiriev e outros activos delegados democratas, confirmou a extrema
heterogeneidade nao so do Congresso, como tambem, apesar de em menor grau, de
todo do PCUS. Mesmo posicoes abertamente revisionistas ja nao geravam consenso
geral, e ate os limites ideologicos esboroados se revelavam apertados para muitos
dirigentes do PCUS, que aspiravam ao papel de ideologos e teoricos de diversas
correntes.
O oportunismo honesto
Naturalmente que e preciso reconhecer que a grande massa de membros do partido,
nao sendo marxistas teoricamente bem preparados, eram pessoas honestas e que
acreditavam no comunismo, na palavra, nas citacoes e na autoridade dos lideres. Mas
isto fez com que inicialmente apoiassem oportunistas honestos, e depois revisionistas
conscientes. Nunca esquecerei o momento em que Egor Kuzmitch Ligatchov, sem
duvida pessoalmente um individuo dedicado ao partido, subiu a tribuna e sob a
pressao do ambiente geral, quando todos repetiam mercado, mercado, mercado,
tambem ele se afirmou favoravel ao mercado, mas do mercado socialista. Alias, ele ate
escreveu um livrinho de propaganda sobres as posicoes de mercado.
O oportunismo honesto manifestou-se de forma particularmente nitida quando se
abordou as relacoes com a direccao do PCUS, em particular com Gorbatchov, e a
questao da unidade do partido. Assim, antes da eleicao do secretario-geral do PCUS, na
reuniao de delegados da organizacao de Leningrado, o secretario do Comite de Oblast
para a Ideologia, Iuri Pavlovitch Belov (actual ideologo do PCFR), conhecido como
opositor a ditadura do proletariado, apelou ao voto em Gorbatchov com o seguinte
argumento: E certo que Gorbatchov e mau, mas e o Presidente e so ele pode
defender o partido. E preciso votar em Gorbatchov, e suspirou profundamente. E foi
assim que elegeram o seu defensor, e ainda hoje suspiram. Com a mesma sinceridade,
manifestando-se em prol da unidade do partido, apoiaram Gorbatchov contra Eltsine e
contra os criticos a esquerda de Gorbatchov.
5
Corrigir ou reconstruir
Outro sinal revelador da fraca preparacao teorica da grande massa dos membros do
PCUS esta na utilizacao do proprio termo perestroika para designar a linha
estrategica do partido. E conhecido a forma como, no IX Congresso dos Sovietes de
Toda a Russia (finais de 1921), Lenine reagiu as perestroikas e perestroikos6 daquele
tempo:
Depois de uma grande revolucao politica levanta-se, no entanto, uma outra
tarefa que e preciso compreender: e preciso digerir esta revolucao e realiza-la na
vida, nao se dar a desculpa de que o regime sovietico e mau e que e preciso
reconstrui-lo. Temos entre nos um numero terrivelmente grande de aficionados das
reorganizacoes de todo o tipo, e destas reorganizacoes [perestroikas] resulta uma
calamidade tao grande como nunca conheci na vida. Que existem insuficiencias no
aparelho de organizacao das massas, sei-o perfeitamente, e por cada dezena de
insuficiencias que qualquer um de vos me pode indicar, acrescentarei no mesmo
instante uma centena de outras. Mas a questao nao esta em melhorar o aparelho
atraves de uma reorganizacao rapida, mas no facto de que e necessario digerir esta
transformacao politica para alcancar um outro nivel economico e cultural. E nisto
que reside a questao. Nao se trata de reorganizar, mas, pelo contrario, e preciso
ajudar a corrigir as numerosas insuficiencias que existem no regime sovietico e em
todo o sistema de administracao, a fim de ajudar milhares e milhoes de pessoas. E
necessario que toda a massa de camponeses nos ajude a digerir esta grandiosa
conquista politica que obtivemos. Nesta materia temos de ser lucidos e ter presente
que alcancamos esta conquista, mas ela ainda nao penetrou no coracao da vida
economica quotidiana e nas condicoes de existencia das massas. Isto requer um
trabalho de decadas inteiras, e e preciso consagrar-lhe enormes esforcos. Esta tarefa
nao pode ser realizada com o mesmo ritmo, a mesma rapidez e nas mesmas
condicoes em que realizamos o trabalho militar.7
Depois de tais afirmacoes de Lenine, como se pode chamar perestroika a politica
estrategica do partido numa dada etapa? E dificil explicar. Resta-nos pressupor que tal
se deveu a uma total impreparacao teorica da maioria da direccao honesta ou, hipotese
que nos parece mais provavel, a ma-fe de refinados anticomunistas do tipo de
Aleksandr Iakovlev, principal ideologo de Gorbatchov. Com efeito, o termo
perestroika tambem pode ser entendido como mudanca de regime. O mais provavel
e as duas coisas se terem conjugado com o nivel escandalosamente baixo de preparacao
teorica por parte da grande massa de membros do partido, habituados a acreditar nos
dirigentes. (Entre os membros do partido, sei-o por experiencia propria, havia muitos
que nem sequer tinham lido o programa do PCUS). Aderiram a perestroika com
entusiasmo, mas sem qualquer ideia clara sobre o que era preciso fazer.
6 O termo russo perestroika significa literalmente reconstrucao, reorganizacao ou
reestruturacao. O prefixo pere transmite neste caso a ideia de refazer, repetir, e a palavra
stroika significa construcao, obra. Porem, neste termo esta tambem contida a palavra stroi, que
significa regime, formacao (por exemplo: sotsialistitcheski stroi significa regime socialista. Dai
que a palavra perestroika tambem possa ser interpretada como mudanca de regime. (N. Ed.)
7 A Politica Externa e Interna da Republica, Relatorio do Comite Executivo Central e
Conselho de Comissarios do Povo ao IX Congresso dos Sovietes de Toda a Russia, 23 de
Dezembro de 1921, V.I. Lenine, Obras Completas (em russo), Moscovo, 1970, t. 44. pp. 326-
327.
6
A oposição ao gorbatchovismo
Tenho ouvido muitas vezes opinioes de camaradas de outros paises de que tambem
na Russia, alegadamente, tanto o XXVIII Congresso como o PCUS em geral cederam
posicoes sem luta: supostamente todos seguiram docilmente Gorbatchov, votaram a
favor do mercado, do socialismo democratico de rosto humano, a favor da perestroika,
etc. Isto nao e justo. A oposicao a Gorbatchov e a sua linha politica existiu
inquestionavelmente, alias. de forma organizada, e se nao logo desde os primeiros dias
da sua governacao, seguramente pelo menos a partir de 1987. Inicialmente, com o
apoio do Comite do Oblast de Leningrado do PCUS, foi criada uma associacao de
comunismo cientifico, que no essencial juntou cientistas representantes das ciencias
sociais. Mais tarde surgiram os clubes politicos de operarios Pelo Leninismo. Depois
estas organizacoes unificaram-se e alargaram-se, formando a Frente Unificada de
Trabalhadores, primeiro em Leningrado e em Moscovo, depois ao nivel de toda a
Russia, com o apoio do Conselho Central da Uniao de Sindicatos da URSS, e
finalmente em 1989 foi criado no PCUS o Movimento Iniciativa Comunista. Os
congressos da Iniciativa foram a sua actividade mais conhecida, o primeiro dos
quais teve lugar em Abril de 1990, em Leningrado, onde estiveram representados mais
de um milhao de comunistas de organizacoes da Russia.
A luta contra a transicao da economia para as relacoes de mercado foi a questao
fundamental da oposicao a perestroika de Gorbatchov. No relatorio politico do Comite
Central, Mikhail Gorbatchov procurou apresentar esta questao decisiva para ele,
socorrendo-se da teoria economica. Todavia, o secretario-geral nao encontrou melhor
forma do que apoiar-se na lei fundamental do capitalismo – a lei do valor:
Antes de mais, sobre o mercado em si. Ele teve uma evolucao milenar da troca
espontanea de mercadorias ate ao mecanismo altamente organizado. Devemos evitar
atitudes voluntaristas, aprender a regular os processos economicos, apoiando-nos na
lei do valor, e assim criar novos e poderosos estimulos a actividade economica
pratica.
Aqui, dando-se conta da inconsistencia e falsidade das suas posicoes, perante
pessoas honestas mas nao muito versadas em questoes da economia politica,
assegurou:
Mas somos resolutamente contra a estratificacao baseada em rendimentos que
nao provenham do trabalho ou com origem em privilegios ilegais.
Mais adiante Gorbatchov soltou umas perolas que so podem ser apreciadas pela
maioria das pessoas a luz dos conhecimentos de que hoje dispoem:
O mercado, no seu conceito actual, nega o monopolio de uma forma de
propriedade, exige a sua diversidade, a igualdade de direitos economicos e politicos.
Quer as empresas estatais, quer a propriedade colectiva, cooperativa ou de
companhias accionistas, a propriedade laboral do agricultor, do artesao ou das
familias tudo isto fortalece as bases democraticas da sociedade, porquanto os
trabalhadores se tornam donos genuinos dos meios de producao e dos resultados do
trabalho, e estao interessados pessoalmente na eficacia do trabalho e em altos
resultados finais.
E, neste instante, Gorbatchov passa da necessidade da reforma da economia de
mercado para a justificacao da reforma politica em curso e do modelo do
parlamentarismo, o qual os camaradas do PCFR e do PCU [Partido Comunista da
Ucrania] continuam ate hoje a apregoar como poder popular:
7
Afirmamos aqui de viva voz a necessidade de materializar na vida a concepcao
leninista de poder popular.
Alem disso, Gorbatchov sublinha a continuidade e afinidade ideologica da
perestroika com o XX Congresso do PCUS de Khruchov:
Antes de mais, devo repetir aquilo que ja disse varias vezes: a concepcao da
perestroika nao e uma subida iluminacao de um grupo de pessoas. Desde o XX
Congresso do PCUS que no partido e na sociedade se desenvolvem buscas.
Estas buscas conduziram naturalmente Gorbatchov a negacao do caracter proletario
do partido e a adopcao do conceito khruchoviano de todo o povo: Nos somos o
partido da perestroika, e por conseguinte o PCUS intervem hoje como uma
organizacao politica de todo o povo.8
Naturalmente que todos estes raciocinios teoricos estao cosidos com fio de
alinhavar. Deste os tempos do primeiro programa do POSDR9 que qualquer comunista
mais ou menos instruido sabe que a producao mercantil gera todos os dias e a todas as
horas relacoes capitalistas. Por isso, o lema Viva a economia de mercado e os
argumentos do tipo nao ha alternativa ao mercado, nao ha outro caminho
tiveram no partido e nos circulos de cientistas economistas uma oposicao bastante
seria. Os cientistas antimercado (N. Khessine, E. Ilienkov, R. Kossolopov, A Eriomine,
V. Elmeiev, A, Kachenko, N. Moissienko, A. Pokritane, M. Popov, D. Dolgov, A.
Segueiev e muitos outros) defenderam posicoes de principio diferentes. Um dos mais
prestigiados filosofos sovieticos, E. Ilienkov, escreveu:
Aqueles economistas que deformaram a teoria marxista do valor, prestaram um
muito mau servico a nossa teoria e pratica (…) Nao sao economistas aqueles que
consagraram tantos esforcos a demonstrar o indemonstravel (…) nomeadamente que
a producao socialista, em geral, e uma producao mercantil.
E mais adiante prossegue:
E certo que na sua fase socialista de evolucao, o comunismo continua a
conservar (a arrastar atras de si) relacoes monetario-mercantis, expressas na
forma de valor que nao lhe e propria. Esta forma nao so nao tem nada em comum
com a organizacao comunista do trabalho social, como constitui um seu concorrente
e antagonista.
Os participantes nestas discussoes sobre economia afirmam que os gorbatchovistasmercantilistas
nao ganharam nenhuma discussao teorica aberta nem nenhum debate
publico serio sobre economia. Por isso, os mercantilistas viram-se obrigados a agir pela
calada, utilizando a sua enorme vantagem em materia de recursos administrativos,
como hoje se diz, e de meios de informacao de massas.
Decidindo o assunto secretamente, na mais alta cupula do partido e do Estado,
inclusive sob a influencia de governantes do imperialismo internacional (Gorbatchov ja
se tinha encontrado com Thatcher e Reagan, que o receberam com um entusiastico
optimismo), colocaram efectivamente o partido e o povo perante o facto de uma
escolha ja feita, apresentando o assunto como se a via do mercado fosse um designio
incontornavel, alegadamente reconhecido pela ciencia, experiencia internacional e ate
pela teoria marxista-leninista. Como prova da ultima afirmacao, inventaram e
difundiram a chamada metodologia da NEP. E aquele que nao compreendesse ou
8 XXVIII Congresso do PCUS, t. 1., p. 86.
9 Partido Operario Social-Democrata da Russia. (N. Ed.)
8
nao aceitasse a linha do mercado, era simplesmente rotulado de retrogrado,
dogmatico, elemento atrasado.
Ja assinalamos que estes alegados elementos atrasados, nas suas intervencoes no
XXVIII Congresso do PCUS e no Congresso Constituinte do PC da RSFSR, nao so
fizeram uma critica construtiva de principio a defeccao de Gorbatchov e da sua equipa,
como em grande parte previram as consequencias que teria para o pais e o povo a
transicao para o mercado, ou seja, na realidade, a restauracao do capitalismo.
Assim o representante do MIC, professor A.A. Sergueiev, com a logica ferrea da
ciencia da Economia Politica, demonstrou insistentemente no seu relatorio que estava
em causa o regresso ao capitalismo:
Alem do mercado de mercadorias, existem ainda dois outros mercados. Ha o
mercado do capital privado, representado nas bolsas de valores, e o mercado da
forca de trabalho. Temos, pois, que estes dois mercados tomados em conjunto
resultam inevitavelmente em mercado capitalista classico, mesmo que lhe chamemos
regulado. E daqui nao se pode sair.
Neste sentido queria chamar a atencao para o seguinte facto. Recentemente, a
revista Voprossi Economiki publicou a plataforma economica da Alianca
Democratica. E de repente tornou-se evidente a existencia de demasiadas
semelhancas entre esta plataforma abertamente pro-capitalista e aquilo que o
governo agora propoe. Eis, pois, em que consiste o verdadeiro sentido da
desideologizacao e da despolitizacao da economia. (Aplausos) Nesta armadilha,
habilmente colocada por uma parte dos inter-regionais e pela Alianca Democratica,10
ja ficou firmemente preso Boris Nikolaievitch Eltsine.
Nikolai Ivanovitch [Rijkov] sera que ainda nao viu que esta preparado um lugar
para si nesta armadilha? (Risos, aplausos)
Sergueiev, por incumbencia dos delegados do MIC, insistiu na necessidade de
analisar a via alternativa de desenvolvimento comunista, em conformidade com a
tendencia do progresso cientifico-tecnico:
E nossa conviccao de que a unica abordagem cientifica na elaboracao da linha
social e economica consiste em nos apoiarmos no processo objectivo de socializacao
material da producao, que se desenvolve em toda a economia mundial. E um
processo complexo, contraditorio, que avanca por vezes em ziguezague, mas toda a
experiencia do seculo XX, incluindo as ultimas decadas, mostra que e um processo
imparavel. Adoptar nestas condicoes a linha da chamada desestatizacao, que se
revelara uma dessocializacao primitiva, significa, em termos figurados, remar
contra a necessidade economica. (Aplausos)
10 O Grupo de Deputados Inter-regionais (Межрегиональная депутатская группа)
formou-se no I Congresso dos Deputados do Povo, reunido em Moscovo entre os dias 25 de
Maio e 9 de Junho de 1989. Entre os seus lideres estavam Boris Eltsine, Andrei Sakharov, Iuri
Afanassiev ou Gravil Popov. Com o apoio tacito da equipa de Gorbatchov, bateram-se pela
eliminacao do papel dirigente do PCUS.
A Alianca Democratica (Демократический союз) foi formada como partido politico de
oposicao, em Maio de 1988, por um grupo de dissidentes anti-sovieticos, com o objectivo de
derrubar o sistema socialista e instaurar um regime parlamentar burgues. Entre os seus
dirigentes estava Vladimir Jirinovski, que mais tarde se tornou conhecido com lider da
extrema-direita. No final dos anos 90, apos varias cisoes internas, cessou a sua actividade como
partido politico. (N. Ed.)
9
Mas quanto mais se inculcar na consciencia das massas sovieticas, com a ajuda
dos meios de informacao monopolizados pelas forcas radicais de direita, estereotipos
incompativeis com a sua essencia colectivista, formada nao apenas durante os anos
do poder sovietico, mas, sublinho, no decurso do desenvolvimento historico multisecular,
mais brusca sera a arrancada do povo em direccao a escolha condizente com
Outubro. E que estas pessoas, Mikhail Sergueievitch [Gorbatchov], o povo, nao tem
para onde emigrar.
O orador sublinhou ainda que esta concepcao cientifica – alternativa baseada no
processo de socializacao material da producao em desenvolvimento, e apoiada nao
apenas por economistas caidos em desgraca. Ideias semelhantes sao desenvolvidas
por conhecidos academicos sovieticos. E o caso do academico Legassov, ja falecido,
ou dos academicos Struminski, Semenikhi, Moissiev, e Paton. Por que razao as ideias
destas pessoas, que conhecem perfeitamente os mecanismos actuais do progresso
cientifico-tecnico, nao sao levadas a pratica no ambito da reorganizacao economica.
Dir-se-a que nao sao economistas. Isso e verdade, em contrapartida sao verdadeiros
academicos. 11 (Aplausos)
O debate decorria num ambiente muito emocional, e nos pretendiamos tambem
mostrar a imoralidade da ideologia de mercado. Assim, Segueiev continuou a sua
intervencao com a seguinte comparacao:
Aleksandr Nikolaievitch Iakovlev lembrou ao Congresso que Jesus expulsou do
templo os vendilhoes e usurarios. Deviamos repetir hoje essa accao. (Aplausos, risos)
Porem, ao abrir o [jornal] Moskovski Komsomolski, de 27 de Abril deste ano, li o
seguinte: Ninguem confessa que ganhou dinheiro no mercado negro ou em
actividades ilicitas. Entao como saber qual a origem do dinheiro? (…) Melhor seria
pensar na maneira de captar esse dinheiro de modo a poder ser aplicado. E possivel
utilizar o capital accionista, por a venda pequenas lojas e oficinas, arrendar terras
(…). Leio e vejo que estao a convidar os usurarios a fazer um festim no templo. E
quem convida e Aleksandr Nikolaievitch Iakovlev. (Aplausos)
O orador terminou com uma referencia que encostou literalmente Gorbatchov a
parede:
No seu relatorio a este Congresso, Mikhail Sergueievitch Gorbatchov afirmou que
o Programa do Partido, adoptado no XXVII Congresso, esta desactualizado. E
natural. A vida nao para. Mas considero que certas teses que foram proclamadas no
XXVII Congresso continuam a ter hoje grande actualidade e merecem ser repetidas
nos documentos do XXVIII Congresso. Refiro-me, antes de mais, as seguintes
palavras do relatorio de Mikhail Sergueievitch ao XXVII Congresso: Se comecarem
a manifestar-se tendencias para a propriedade privada, isso significa que algo esta
errado na escolha da via e dos meios no nosso trabalho, e isso tem de ser corrigido.
Obrigado por esta possibilidade. (Aplausos)
No Congresso Constituinte do PC da RSFSR, o representante do MIC, Mikhail
Vassilievitch Popov, membro do Comite do Partido do Oblast de Leningrado e
professor na Universidade Estatal de Leningrado, defendeu a necessidade de analisar
uma concepcao alternativa de desenvolvimento da sociedade:
Precisamos desta concepcao para podermos definir o nosso futuro, porque sem
futuro o partido morre, a juventude nao o seguira. Penso que devemos promover um
11 O termo academico e aqui utilizado no sentido de membro da Academia das Ciencias da
URSS. (N. Ed.)
1 0
amplo debate sobre esta questao, caso contrario os comunistas serao acusados de
nao terem conduzido o povo na direccao inscrita na nossa bandeira vermelha:
Proletarios de todos os paises uni-vos!; mas na direccao oposta: Trabalhadores de
todas as republicas da Uniao separai-vos e matai-vos uns aos outros!
Assinale-se que a ultima previsao veio a confirmar-se nas republicas da URSS e da
Russia com tragicos resultados. A concepcao alternativa, apresentada de um ponto de
vista cientifico, foi descrita do seguinte modo:
No que respeita a essencia desta concepcao, consideramos que o socialismo nao e
um modelo, mas uma necessidade objectiva, uma etapa normal no desenvolvimento
da sociedade humana. Consideramos que no socialismo ha condicoes para a
ocorrencia nao so de fenomenos positivos, mas tambem de fenomenos negativos. Nao
precisamos de ir ao estrangeiro para os encontrar, eles tambem se desenvolvem no
nosso pais devido as contradicoes na base economica. Consideramos que e atraves da
luta entre tendencias contrarias que se produz o avanco da sociedade. Consideramos
que estas contradicoes se resolvem orientando a economia para o valor de uso, para
as pessoas, e nao para o valor, para o rublo ()
Quero salientar que a principal tese desta concepcao consiste no facto de que, hoje,
no nosso pais, se confrontam duas linhas; uma comunista e outra nao comunista.
Uns procuram o enriquecimento de toda a sociedade e o desenvolvimento de todos, a
diminuicao da desigualdade social na base do desenvolvimento geral. Outros
procuram ficar com a maior fatia de um bolo cada vez menor. Devo dizer,
camaradas, que esta nao e uma luta ideologica. A verdade e que cada um de nos tem
estes dois interesses. Eu tenho-os, tal como todos. E cada um de nos que aqui esta tem
de resolver este problema consigo proprio. Esta e a nossa vida socialista. Mas so sao
comunistas aqueles que resolvem esta contradicao do seguinte modo: apesar de tudo
devemos enriquecer todos e dessa forma cada membro da sociedade. E porque somos
comunistas, fazemo-lo agora, e nao nos limitamos a encarar o comunismo como
perspectiva, de tal forma que do socialismo apenas nos resta a escolha. (Aplausos)
Consideramos que a questao central e o restabelecimento do poder dos sovietes.
Estas questoes fundamentais, nas suas diferentes variantes, continuam a ser hoje
desenvolvidas no plano teorico e na pratica politica dos partidos que se consideram
comunistas.
De quem é este partido?
Assim, uma das questoes centrais, e provavelmente a mais palpitante, e a de saber
quais os interesses de classe que o PCUS deveria exprimir e como os exprimiu na
pratica? Esta questao foi abordada de uma ou de outra maneira por muitos delegados,
nomeadamente por alguns que nao eram grandes conhecedores das subtilezas da
essencia politico-economica do mercado.
Por exemplo, Maria Terentievna Kabelkova, professora no Instituto Pedagogico
Estatal de Abakan,12 tocou no cerne da questao:
12 Abakan ou Abaca (Абакaн) e a capital da Republica Russa da Cacassia (Хакасия), ao Sul
da Siberia. (N. Ed.)
1 1
Penso que a principal tarefa do XXVIII Congresso e dar esperanca aos povos e
justificar os seus anseios, entao sera possivel superar todas as dificuldades. Caso
contrario, cedo ou tarde, surgira a pergunta: sera que o povo precisa deste partido
para alguma coisa?. (Aplausos)
Respondendo a esta questao, o primeiro secretario do CC do PC da Quirguizia e
Presidente do Soviete Supremo da Republica, camarada Abssamat Massilievitch
Massiliev, fez a seguinte observacao:
Hoje como nunca sao actuais as palavras de Lenine escritas ha quase 70 anos.
Passo a citar: E preciso ter coragem de olhar de frente a amarga verdade. O partido
esta doente. O partido treme de febre. Toda a questao esta em saber se a doenca
atingiu apenas as cupulas atacadas de febre, e talvez exclusivamente as de Moscovo,
ou se todo o organismo foi atingido pela doenca () Que e preciso fazer para
alcancar a cura mais rapida e mais segura? E preciso que todos os membros do
partido, com absoluto sangue frio e a maior atencao, comecem a estudar 1) a essencia
das divergencias e 2) o desenvolvimento da luta no partido.13
O nosso partido e um organismo complexo e vivo, que exige cuidados e atencao
constantes. Sucede que nos ultimos tempos esta atencao deixou de ser prestada e o
PCUS comecou a perder prestigio. Em muitas organizacoes surgiram manifestacoes
de descrenca, de abandono das posicoes de principio. O partido esta a perder apoio
mesmo no seio da classe operaria, cujos representantes comecaram a abandonar as
suas fileiras. Como travar esta tendencia negativa? O caminho e so um: voltarmonos
de frente para os operarios e para o campesinato.
Por sua vez, Evgueni Vassilievitch Maksimov, escritor da regiao de Smolensk,
exprimiu-se sobre este tema com a simplicidade camponesa:
Para escutar a terra, falar cara a cara com os agricultores e conhecer o seu
pensamento, em Abril fui para as profundezas dos campos de Smolensk e da regiao
de Kalinine. Ali todos esperam um Partido Comunista renovado, anseiam pela a sua
ajuda, caso contrario, daqui a dois ou tres anos, ela ja nao sera precisa (). Eis um
telegrama dos meus conterraneos: Diga aos detractores do recem fundado Partido
Comunista da Russia que nos esperamos mais de meio seculo por ele, temos
esperanca nele, uma vez que o PCUS nos esqueceu.”≫ (Aplausos)
De forma nao menos definida e clara exprimiu-se a maneira dos operarios Valentine
Alekseievitch Gaivoronski, soldador na empresa de construcao de maquinas
Azovmach, de Mariupol, no Oblast de Donetsk:
Da antiguidade chegou ate nos um aforismo sabio: num Estado sao florescem os
oficios e as artes, num Estado doente ha muitos chefes e palavreado sobre a ordem.
(Aplausos) (…) Na caminhada para o poder coloca-se a qualquer partido a questao de
ganhar as massas. E o momento determinante e quando se torna claro quem tem o
apoio da classe operaria. Neste sentido, a indefinicao das plataformas no Comite
Central e alarmante. Nao e normal uma situacao em que a classe mais numerosa e
influente nao disponha da sua vanguarda, que defenda e lute pelos seus interesses
politicos. Se o partido perder o seu caracter de classe, os operarios criarao
inevitavelmente o seu partido. Um partido e-o precisamente porque nao reune toda a
gente sob a sua bandeira.
13 A Crise no Partido, 19 de Janeiro de 1921, V.I. Lenine, Obras Escolhidas em seis tomos,
Ed. Avante!, Lisboa, 1986, t. 5, pp. 210-211. (N. Ed.)
1 2
Sobre a mesma questao abordada pelo soldador de Donetsk, pronunciou-se o
primeiro-secretario do CC do PC do Cazaquistao, Nursultan Nazarbaev:
Penso que ha muito chegou a hora de o partido declarar que o PCUS e o partido,
antes de mais, da classe operaria, que nao apenas exprime mas defende os seus
interesses estrategicos. Infelizmente, no relatorio do CC, nao encontramos uma
posicao clara sobre esta questao de principio (…) Camaradas, a mim pessoalmente,
esta preparacao febril, apressada da transicao para as relacoes de mercado lembrame
um exercito desesperado em debandada porque nao preparou previamente linhas
na retaguarda.
E certo que Nazarbaev nao precisou porque e quando o partido se afastou da classe
operaria.
Tambem os inimigos ja assumidos do partido haviam compreendido a importancia
desta questao. Assim, B.N. Eltsine, com aleivosia e brusquidao, serrou o ramo em que o
PCUS estava sentado:
A principal questao que esta em debate no Congresso nao e a reorganizacao
[perestroika] do pais e as vias do seu desenvolvimento. Essa questao e decidida pelo
povo do lado de la das paredes deste edificio, e decidida nos sovietes de deputados do
povo. Neste Congresso, a questao que se coloca e, antes de mais, qual o destino do
proprio PCUS () Num Estado democratico e inevitavel a passagem para o
multipartidarismo.
Como e evidente, numa tal situacao muito dependia do estado-maior do partido, do
seu Comite Central, o qual por inercia ainda era chamado de CC leninista. Porem, a sua
essencia ja era completamente diferente, circunstancia que alguns delegados
assinalaram com ironia. Foi o caso de Nikolai Nikolaievitch Sidorkine, secretario do
Comite do Partido do combinado mineiro-metalurgico Petchenganikel, pertencente ao
conglomerado Norilski Nikel:
E tempo de reconhecermos honestamente que o CC do PCUS, orgao que devia
reflectir a razao colectiva do partido, exprime na realidade um qualquer
desarrazoado colectivo.
Este desarrazoado tem agora de ser destrincado pelos comunistas nos seus
documentos programaticos. O que esta a ser feito, se bem que de formas diferentes. A
opiniao actual dos camaradas do PCFR resume-se a ideia de que o PCUS nao percebeu
a tempo as alteracoes estruturais na sociedade, que reflectiam mudancas qualitativas
nos meios de producao. Que, alegadamente, com o desenvolvimento decorrente do
progresso cientifico-tecnico, emergiu em primeiro plano uma certa nova camada
progressista da intelectualidade cientifico-tecnica: uma classe tecnocratica. O PCUS,
supostamente, nao percebeu a tempo estas alteracoes e nao pode reflectir os interesses
desta camada que estava a crescer ate se tornar uma classe. Continuou assim a dirigirse
para a classe operaria tradicional e por isso foi derrotado.
Nos discordamos categoricamente deste ponto de vista. Do ponto de vista dos
comunistas ortodoxos, representantes do MIC no XXVIII congresso e do PCOR hoje, o
PCUS deixou de exprimir os interesses da classe operaria tradicional e,
consequentemente, de todas as outras camadas de trabalhadores. Precisamente por
isso, deixando-se arrastar por apelos anti-sovieticos, os mineiros da URSS entraram
em greve e exigiram a eliminacao do artigo 6.o da Constituicao. Precisamente por isso,
no XXVIII Congresso, Razumovski, secretario do CC, relatou:
Aumenta o numero de membros que saem do PCUS. No ano passado foram 136,6
mil, neste ano, tudo indica que serao muitos mais (so no primeiro trimestre sairam
1 3
82 mil). Entre eles ha muitas pessoas para quem a sua filiacao no partido se tornou
inconveniente, mas tambem ha aqueles que nao entendem a actual situacao.
Secretarios de comites do partido de grandes empresas relataram condoidos a saida
de milhares de operarios do partido. E precisamente por isso a classe operaria reagiu
com quase total indiferenca a interdicao da actividade do PCUS, decretada por Eltsine
apos os acontecimentos de Agosto de 1991. Este ja nao era o seu partido. Se
quisessemos responder de forma muito breve a pergunta: Porque e que o PCUS e o
socialismo na URSS foram derrotados? – Entao diriamos que a razao principal foi
porque o PCUS deixou de ser o partido da classe operaria.
Este facto de resto e testemunhado por um episodio curioso.
Em redor do Hotel Rossia, onde ficaram alojados os delegados ao Congresso,
concentraram-se todo o tipo de grupos de anticomunistas democratas com cartazes
azuis, amarelos e brancos. E so o grupo da Frente Unificada dos Trabalhadores [FUT]
ostentava um cartaz vermelho com o lema Transformemos o PCUS num partido
comunista!.
A noite, tendo ja vestido calcas de ganga e uma camisa axadrezada, fui para a rua
fumar e aproximei-me daquele grupo. Na cartolina estavam inscritas outras exigencias,
nomeadamente, Ligatchov, Sergueiev, Makachov e Tiulkine ao CC. Pergunto-lhes:
Os tres primeiros ainda va, compreende-se. Mas esse Tiulkine, porque para o CC?
(tinham ouvido falar da minha intervencao no Congresso, mas naturalmente nao
podiam reconhecer-me). A resposta foi o mais clara possivel: Vai-te embora daqui,
focinho de Gorbatchov, ou vamos-te a tromba nao tarda. E foi assim que travei
conhecimento com os meus futuros camaradas de luta da FUT de Moscovo.
Para o mercado – para o capitalismo sob a bandeira vermelha
O XXVIII Congresso do PCUS aprovou, numa resolucao especifica, a linha da
passagem para a economia de mercado. A sua analise e aprovacao demoraram apenas
20 minutos. O documento nao foi colocado a discussao separadamente. No entanto, foi
precisamente sobre este aspecto da luta teorica que os representantes do MIC e da
Plataforma Marxista travaram a principal batalha contra Gorbatchov e os
mercantilistas. Tratou-se de um confronto algo estranho e de inicio pouco explicito,
pelo menos na aparencia. Comecou com as intervencoes dos nossos representantes
defendendo o Congresso Constituinte do PC da RSFSR, continuou na seccao sobre
Economia do XXVIII Congresso, depois o professor Sergueiev apresentou o seu
relatorio na sessao plenaria, que teve um acolhimento significativo e ate massivo por
parte dos delegados. O Presidium viu-se na necessidade de exercer uma pressao
constante sobre a sala, utilizando a vantagem do microfone para impor a sua conducao
dos trabalhos. O seguinte episodio e revelador.
Quando foram criadas as comissoes do Congresso para preparar os documentos, foi
definido que uma delas prepararia a resolucao sobre a Economia, tendo sido
previamente designada de Comissao do XXVIII Congresso do PCUS para a
preparacao da Resolucao sobre a Passagem para a Economia Regulada de
Mercado. (Propunha-se que fosse integrada por 57 pessoas).
Todavia, os delegados ao Congresso discordaram justamente da circunstancia de
esta decisao lhes ser apresentada como um facto consumado. O camarada Abramov,
1 4
secretario do Comite do Partido da Fabrica de Construcoes Mecanicas de
Krasnogorski, do Ministerio da Defesa da URSS, no Oblast de Moscovo, tomou a
palavra para salientar:
Camaradas comunistas. Tenho uma objeccao a fazer. Nao considero correcto a
forma como e apresentada a Resolucao sobre a Passagem para a Economia
Regulada de Mercado, designadamente no que respeita a escolha do seu nome. Isto
porque ele pressupoe que o Congresso ja reconheceu, mesmo sem a ter debatido, a
consensualidade e inquestionabilidade desta via de desenvolvimento da economia.
Isto lembra-me a situacao ocorrida no Congresso do PC da RSFSR, em que, depois de
muitos intervenientes terem discordado de que a palavra socialismo fosse
adjectivada [socialismo de mercado, de rosto humano, etc. (N. Ed.)], apesar disso, todos os
adjectivos foram mantidos na resolucao aprovada. Maior perplexidade me causou a
resposta de Mikhail Sergueievitch Gorbatchov, dizendo que falariamos sobre esse
conceito no XXVIII Congresso do PCUS. Pergunta-se, qual e a logica do nosso
comportamento?
Por isso proponho que a resolucao sobre a questao da construcao economica passe
a chamar-se: Sobre a Politica do PCUS para a Realizacao da Reforma Economica e
Adopcao de Medidas Inadiaveis para a Estabilizacao da Situacao Social e Economica
do Pais. (Aplausos)
Se nao discutirmos estes problemas e nao definirmos a posicao do Congresso sobre
eles, entao nao teremos nada para levar para os nossos colectivos.
Recordo a tese de Lenine, na sua intervencao no VIII Congresso do PCR(b), de que
o programa do partido nao pode ser apenas o programa do partido. Deve
transformar-se no programa da construcao economica, de outro modo nao serve
como programa do partido.
Da deliberacao da ultima sessao do Soviete Supremo da URSS, Sobre a
Concepcao da Passagem a Economia Regulada de Mercado, do relatorio da direccao
do partido ao presente Congresso, apresentado por Mikhail Sergueievitch
Gorbatchov, tiro a conclusao de que, tal como tem vindo acontecer, foi anunciada
mais uma complicada receita para a cura das nossas doencas, sem que a direccao do
pais e do partido tenha assimilado a tecnologia da sua composicao e administracao.
Pode ser que nao seja assim, mas os comunistas nas regioes nao estao convencidos de
que assim nao e, uma vez que o partido foi excluido deste processo.
Do nosso Congresso esperam que esta lacuna do trabalho do CC e do Politburo seja
colmatada. Esta tarefa, tendo em conta a nova situacao do partido na sociedade, e
complexa, mesmo muito complexa, mas nos temos a obrigacao de propor a nossa via
alternativa para a sua resolucao.
Peco que esta proposta seja debatida e votada. Penso que os delegados terao
outras propostas sobre esta resolucao que o Congresso deve aprovar. Obrigado.
(Aplausos)
Resultados da votacao:
Numero minimo necessario para a aprovacao da proposta 2205
Votaram a favor 3745
Votaram contra 468
Abstiveram-se 134.
Total de votantes 4347
Nao votaram 61
A proposta foi aprovada.
1 5
A maioria votou expressamente a favor do procedimento proposto, todavia, depois,
quando a Comissao apresentou os resultados do seu trabalho ao Congresso, manteve o
antigo nome da resolucao, alegando simplesmente que nao podia ser de outro modo.
Alem disso, a Comissao recusou analisar e propor a votacao a resolucao alternativa
apresentada por representantes do MIC e da Plataforma Marxista, afirmando que esta
proposta, alegadamente, se distinguia da sua de mercado apenas porque defendia a
realizacao de um debate no partido, o que levaria a uma perda de tempo e (preste-se
atencao) ao desfasamento do partido em relacao a medidas aplicadas pelo governo e
pela direccao do Estado. Ou seja, os homens da equipa de Gorbatchov nao so
arrastavam o partido e o povo para o capitalismo, como tinham pressa, receavam
atrasar-se, reconhecendo que a direccao do Estado e o governo ja se tinham
precipitado nessa direccao.
Tenho ideia de que, mesmo nos circulos mais altos da direccao do partido e do
Estado, a passagem para o mercado foi aceite com dificuldade. Todos nos recordamos
de Nikolai Ivanovitch Rijkov, um bolchevique choramingas, entao presidente do
Conselho de Ministros da URSS, que perante o Congresso de Deputados do Povo, com
o coracao a doer, perguntou solenemente: E vos, perguntastes ao povo? Sera que ele
quer o capitalismo?.
Naturalmente que ninguem perguntou ao povo. Pelo contrario, ao povo prometeram
socialismo de rosto humano e mercado socialista. Mas apesar dos nossos esforcos, nao
foi possivel ter uma conversa substantiva com Rijkov durante o XXVIII Congresso.
Uma vez, no final do dia, eu com um grupo de camaradas fomos ter com ele e
comecamos a conversa dizendo-lhe que a sua posicao era diferente da daqueles que ja
na altura apelavam activamente a desestatizacao e a privatizacao. Propusemos-lhe que
nos encontrassemos para falarmos a sos.
Rijkov aparentava estar muito cansado, fixou algo ao nosso lado e disse uma frase
que jamais esquecerei: Ah, homens, voces nem imaginam ate que ponto e tudo uma
porcaria. Combinamos que arranjariamos tempo para conversar mas... nunca se
proporcionou.
O facto de que as coisas estavam mas era perceptivel para muitos delegados que
tinham vindo dos diferentes confins da Uniao e das mais diferentes esferas de
actividade. Alguns extractos das suas intervencoes sao ilustrativos.
Assim, o primeiro-secretario do CC do PC da Letonia, A. Rubiks, com o coracao a
doer, disse que o socialismo ja estava a ser destruido abertamente:
O Estado socialista esta a ser alterado e substituido pelo Estado burgues.
Restaura-se nao so o regime estatal, mas tambem o direito a propriedade privada de
quaisquer meios de producao, incluindo as terras dos kolkhozes. A terra esta a ser
devolvida aos que a possuiam no periodo burgues ou aos seus herdeiros, incluindo
aqueles que residem no estrangeiro.
O primeiro-secretario do Comite do Partido da Regiao de Itchalkovski, na Republica
de Mordovia, Aleksandr Nikolaievitch Burkanov, frisou que o povo comum nao aceita o
mercado:
O mercado para nos e simplesmente um choque. E isto que ele significa para os
kolkhozianos e operarios.
Confirmando que os kolkhozianos nao se alegravam particularmente nem
acreditavam na ideia do mercado, V.A. Starodubtsev, presidente do kolkhoz Lenine de
agro-pecuaria em Novomoskovski, no oblast de Tula, afirmou:
1 6
Nao e por acaso que no nosso Congresso Campones se ouviram palavras como:
Mercado facinora! Mercado cruel! Ha aqui materia para reflexao. E que os
camponeses serao obrigados a responder na mesma moeda: menos producao, mais
caro. E entao toda a concepcao da perestroika caira por terra.
Ja o primeiro-secretario do CC do PC do Uzbequistao e presidente da Republica,
Islom Abduganievitch Karimov, falou dos riscos e precaucoes a tomar antes de se
prosseguir a linha do mercado:
As pessoas so poderao compreender e aceitar todas as dificuldades do periodo de
transicao para as relacoes de mercado se isso lhes for dito de forma clara e aberta, se
lhes forem dadas garantias de proteccao social, sobretudo para as camadas mais
desfavorecidas da populacao. Alem disso e muito importante ter em conta as
especificidades e o ponto de partida de cada republica e regiao. Em suma, so se pode
passar para a economia de mercado quando convencermos as pessoas e alcancarmos
um consenso nacional.
Todavia, os apologistas do mercado nao queriam esperar ate que se chegasse a um
consenso popular, e forcaram o processo de forma categorica e vigorosa. L.I. Abalkine,
vice-presidente do Conselho de Ministros da URSS e presidente da Comissao Estatal
do Conselho de Ministros da URSS para a Reforma Economica, disse a este proposito:
Se queremos ter uma economia eficaz, flexivel, orientada para o progresso
cientifico-tecnico, se queremos ter lojas cheias de artigos diversificados e de alta
qualidade, se queremos acabar com a vergonha das filas de espera, com a
especulacao e a distribuicao em circuito fechado, se queremos criar estimulos
poderosos para o trabalho, entao nao temos outra opcao senao a passagem para a
economia de mercado. (Barulho na sala)
Com estes cientistas mercantilistas faziam coro os representantes daquela
intelectualidade artistica igualmente adepta do mercado, esse cerebro da nacao, cuja
argumentacao era de um simplismo primitivo. D.N. Kulgultinov, escritor e membro do
Presidium do Soviete Supremo da URSS, afirmou:
Entramos agora na humanidade civilizada, da qual estivemos apartados 60-70
anos.
Decerto que foi por terem superado esse hiato que elegeram Kulgultinov para o
Polituburo do CC do PC da RSFSR.
O destino da reforma economica, isto e o destino do povo, e o destino do partido
estavam indissociavelmente ligados. I.A. Prokofiev, primeiro-secretario do Comite de
Moscovo do PCUS, reflectiu sobre este assunto:
O partido encontra-se hoje numa encruzilhada de tres caminhos. O primeiro e o
regresso ao sistema de comando-administrativo. Se formos por ele, ver-nos-emos na
periferia da civilizacao mundial. O segundo caminho e o da democratizacao radical,
da renovacao do partido, no fundo trata-se da sua refundacao como organismo
politico. E por fim, a terceira opcao, dividirmo-nos e criarmos a partir dos
fragmentos do PCUS novas estruturas politicas.
A direccao do partido afastou categoricamente a possibilidade de se examinar uma
verdadeira alternativa cientifica ao mercado, tendo impedido ao longo de dez dias de
trabalhos que o Congresso a discutisse. Chegamos ao decimo primeiro dia, ao ultimo
do Congresso.
1 7
O último dia do Congresso
Em resultado do trabalho coordenado dos delegados do MIC e da Plataforma
Marxista e dos camaradas nossos convidados, acabamos por conseguir que nos fosse
cedida a palavra para expor as nossas posicoes. Para poderemos apresentar a nossa
proposta de resolucao, reunimos mais 150 assinaturas de delegados (o regulamento
exigia um minimo de cem assinaturas) e entregamos a respectiva peticao ao
secretariado. Mas o tempo passava sem que nos dessem a palavra. Nas diligencias que
fizemos junto do secretariado e dos membros do Presidium que presidiam ao
Congresso percebemos que estavam a fingir-se de parvos: o responsavel pelo
secretariado, A. Iline, jurava que tinha entregue tudo ao Presidium, e o Presidium (na
pessoa de A. Lukianov e outros) dizia que nao tinha recebido nada. Decorria o ultimo
dia do Congresso e os delegados ja comecavam a fazer as malas. Foi entao que os
nossos representantes (delegados e respectivos convidados) se apoderaram dos 23
microfones que estavam espalhados pela sala e recusaram entrega-los, ignorando os
apelos do Presidium, numa atitude algo ameacadora. Na sala, os delegados comecaram
a sentir o aumento da tensao e todas a atencoes se desviaram dos oradores para se
concentrar neste confronto por enquanto silencioso entre Gorbatchov e os
iniciativistas. Nessa altura sentei-me na primeira fila, uma vez que os camaradas me
tinham incumbido de apresentar a nossa proposta de resolucao. Vendo que a situacao
nao se resolvia com meros apelos, Gorbatchov fez-me sinal com a mao para que fosse
ao Presidium, indicando a seguranca que me deixasse passar. Subi ao palco, passei por
detras da primeira fila do Presidium e acerquei-me do secretario-geral.
Cumprimentamo-nos com um aperto de mao, e ele, olhando-me nos olhos, de forma
tao penetrante, diz-me num tom amigavel: Viktor, que estas a fazer? Temos-te como
um dos nossos, e tu? Respondo-lhe: Pois bem, Mikhail Sergueievitch, naturalmente
que sou um dos nossos, manifesto-me apenas pelo cumprimento do regulamento.
Esta estabelecido dar a palavra, e preciso que o facam. A questao mais importante
a politica economica foi tratada em 20 minutos para concluiram que nao ha
alternativa.
Quais 20 minutos? replica Gorbatchov – Ha 11 dias que estamos a falar.
Respondo-lhe: Mais razao me da. Falamos ha 11 dias, mas nao houve oportunidade
de nos pronunciarmos sobre a essencia desta questao central. Assim, Miklhail
Sergueievitch, peco-lhe, em conformidade com o regulamento, conceda-nos os cinco
minutos estabelecidos.
Gorbatchov lanca-me um olhar fixo, sombrio e envolvente. Nao era facil afastar-me
dele, tanto mais que continuava a ser o secretario-geral, mas consigo distanciar-me, as
ultimas palavras tinham sido minhas, e regresso ao meu lugar. Durante minuto e meio,
Gorbatchov permanece no lugar com uma expressao tenebrosa, agita os dedos
nervosamente, depois levanta-se bruscamente, pega na sua pasta e sai do Presidium
pelas traseiras do palco. Muitos delegados tinham deixado de prestar atencao ao que se
dizia da tribuna, e acercaram-se de mim procurando saber o teor da conversa com
Gorbatchov. Digo-lhes em tom de gozo que ele me pedira cem rublos emprestados ha
mais de uma mes e nao havia maneira de mos devolver, e estando eu a viver num hotel,
o dinheiro comecava a fazer-me falta. Brincava, naturalmente, mas o principal tinha
sido feito. A presidencia dos trabalhos passou para Stanislav Ivanovitch Gurenko, que
nos deu logo a palavra. Transcrevo a seguir na integra a intervencao estenografada
sobre as posicoes da minoria:
1 8
Tiúlkine, V.A. Camaradas comunistas! Precisamos de falar. Em primeiro lugar
proponho que assinalemos a democraticidade do nosso Presidium, que concede a
palavra nao so a pessoas que abandonam o navio do partido, mas tambem aqueles
que decidiram permanecer para sempre comunistas. (Aplausos)
Em segundo lugar, agora falando a serio, o que me traz aqui sao as decisoes
aprovadas sobre a politica social e economica do partido. Falo em nome do grupo de
delegados ao Congresso, participantes no Congresso de Iniciativa de Leningrado e de
parte dos camaradas da Plataforma Marxista.
Humanamente compreendemos a posicao dos organizadores deste Congresso de
fazer aprovar de qualquer maneira a linha, eventualmente ainda nao completamente
esclarecida, da passagem para a economia de mercado. E e preciso assinalar que a
Comissao sob a presidencia de Rijkov e Abalkine conseguiu com assinalavel sucesso e
rapidamente, no espaco de 20 minutos, fazer aprovar a linha de Abalkine-Rijkov.
Gurenko, C.I. Peco ao orador e a todos os presentes que respeitem as normas
estabelecidas no inicio dos trabalhos.
Tiúlkine, V.A. Concerteza, Stanislav Ivanovitch.
Gurenko, V.A. Peco-lhe que continue.
Tiúlkine, V.A. Consideramos que nao foi dada possibilidade aos delegados de
examinarem devidamente esta questao e que tudo foi feito apressadamente a revelia
dos procedimentos aprovados. A resolucao mais importante foi debatida e aprovada
sem que o projecto alternativo tivesse sido previamente reproduzido e distribuido.
Por isso fazemos a seguinte declaracao: Consideramos que a votacao da resolucao
sobre questoes da estrategica do partido, das quais depende o destino do pais, o
destino do partido e da perestroika, foi feita de forma apressada, negligenciando-se
normas regulamentares. As nossas propostas foram rejeitadas liminarmente, sob a
alegacao de que nao representavam uma reforma alternativa. A nossa posicao,
sendo hoje uma posicao minoritaria, foi praticamente ignorada. Nao foi sequer
colocada a votacao a proposta de realizacao de um debate no partido sobre este
conjunto de problemas, Consideramos necessario alertar todos os comunistas do pais
para o seguinte: A passagem irreflectida para o mercado, enquanto sistema geral,
incluindo o mercado de capitais e o mercado de mao-de-obra, ira inevitavelmente
conduzir ao incremento das relacoes capitalistas. E a cura forcada do socialismo com
o capitalismo, contrariando processos objectivos, arrastara consigo, nao um
aumento da producao e do nivel de vida, mas a sua inevitavel queda, suscitara uma
ampla contestacao social e provocara duros sofrimentos ao povo. Existem varias
outras concepcoes de reorganizacao economica que nao significam o regresso ao
passado: nem ao regime burgues, nem ao sistema de comando-administrativo.
Consideramos necessario que esta opiniao de uma minoria de delegados fique
registada neste Congresso para que, por iniciativa das bases do partido, se possa
realizar um amplo debate sobre projectos alternativos e estejamos preparados para
intervir em provaveis confrontos nos tempos mais proximos, com vista a evitar a
falencia total da actual linha economica adoptada.
Resumindo e esta e a ideia principal o partido nao pode realizar uma
perestroika que provoque uma acentuada deterioracao das condicoes de vida do
povo. O Partido Comunista nao podera resistir a um tal abalo, e deixara de haver
quem defenda os fins ultimos do movimento.
O projecto de resolucao foi entregue apenas a um decimo das delegacoes. Peco que
sejam colocados a votacao a presente declaracao e o projecto de resolucao, e que
1 9
fiquem registados como opiniao de uma minoria do Congresso. Obrigado pela
atencao.
Gurenko, V.A. Um momento! Fique por favor na tribuna, porque surgiu aqui
uma situacao embaracosa. Colocar a votacao, votar a favor ou contra, uma
resolucao que 90 por cento dos delegados nao viram, como afirma, e de algum modo
problematico. Eu nao colocaria o Presidium e vos proprios nessa situacao
embaracosa. Por isso proponho que registemos a opiniao da minoria, como
estabelece o nosso regulamento. Ficara na acta estenografada do Congresso. Peco
que se tenha em conta que os materiais do Congresso serao analisados pelo Comite
Central, e serao tiradas conclusoes a este respeito. Mas agora propor que votemos a
Resolucao, nao posso sequer prever quais os resultados de semelhante votacao. E vos
podereis interpreta-los como uma ofensa aos principios democraticos.
Tiúlkine, V.A. Stanislav Ivanovitch! Justica seja feita, quando elaboramos a
Resolucao cem delegados subscreveram o pedido para o uso da palavra. Todavia,
por qualquer razao, nao nos deram a palavra. Isto em primeiro lugar. Em segundo
lugar
Gurenko, V.A. De acordo.
Tiúlkine, V.A. Um momento. A palavra foi pedida para apresentar a Resolucao.
Mas pediria entao que seja colocada a votacao so a declaracao que acabei de ler.
Gurenko, V.A. De acordo. Quero apenas, justica seja feita, que olhe para a lista
de oradores que usaram da palavra na sessao plenaria do Congresso. Segundo
penso, intervieram representantes da Plataforma Marxista e representantes da
Plataforma Democratica. Os seus pontos de vista ficaram esclarecidos. O camarada
Tiulkine quer que coloquemos esta questao a votacao. Quem vota a favor da sua
declaracao? Quem vota contra a sua declaracao? (Vozes indecifraveis, barulho na
sala)
Gurenko, V.A. Nao sao admissiveis gestos ameacadores, o direito da minoria
esta consagrado no regulamento. Vamos votar: quem apoia que vote a favor,
quem nao apoia que vote contra. O Congresso actuara em conformidade com os
resultados da votacao. Peco que votemos para encerrar este assunto.
Resultados da votacao
Maioria para a aprovacao da decisao 1923
Votaram a favor 1259
Votaram contra 2012
Abstiveram-se 414
Total de votantes 3685
Nao votaram 160
A decisao nao foi aprovada
Gurenko, V.A. Portanto, isto pode e deve constar nos materiais do nosso
Congresso como opiniao da minoria. Obrigado.14
14 XXVIII Congresso do Partido Comunista da Uniao Sovietica, 13 de Julho de 1990, Boletim
N.o 14, Moscovo, 1990.
2 0
***
Note-se que Gurenko procurou evitar a votacao, com o argumento de que os
delegados nao dispunham do texto da resolucao, propondo o mero registo da
declaracao. No entanto, nos estavamos preparados e insistimos entao na votacao da
declaracao lida e ouvida pelos delegados. Obtivemos assim 1259 votos a favor e, desse
modo, a Declaracao da minoria ortodoxa, em conformidade com os Estatutos, foi
registada como uma opiniao particular.
Os acontecimentos posteriores ao XXVIII Congresso confirmaram a justeza das
nossas previsoes, tanto a respeito do descalabro da economia e empobrecimento do
povo, como a respeito do destino do proprio PCUS. Anos depois, nas comemoracoes do
10.o aniversario da chegada de Gorbatchov ao poder, Vadime Bakatine, um
proeminente membro da sua equipa, antigo presidente do KGB, a pergunta dos
jornalistas – Quais foram os fracassos e os erros mais importantes por si cometidos
sob a direccao de Gorbatchov? –, respondeu: O maior fracasso foi, talvez, o facto
de nao se ter conseguido substituir pacificamente os valores programaticos do PCUS
por valores inteiramente sociais-democratas. Nos, isto e, o Movimento Iniciativa
Comunista, tivemos uma participacao directa na resistencia a este processo, de que em
geral nos orgulhamos. Mas nao tivemos forca suficiente para travar a restauracao do
capitalismo.
O socialismo de mercado
A marcha para o capitalismo sobre a bandeira vermelha – o sonho de Gorbatchov –
esta hoje em grande parte integrada nos principios programaticos do PCFR e de toda
uma serie de partidos de outros paises que se designam de comunistas.
E revelador que no circulo proximo de Ziuganov, bem como nas direccoes do PCFR
e da Uniao de Partidos Comunistas-PCUS,15 nao haja ninguem que tenha intervindo
contra Gorbatchov e contra a passagem para o mercado no XXVIII Congresso do
PCUS. Nem um! Uns foram varridos, outros sairam por si proprios: Makachov,
Abaliane, Chenine, Ligatchov, Rubiks, Kossolopov, Beneditktov, Boltovski, Kozlenkov,
Iakuchev, etc.
Em contrapartida, os dirigentes e quadros do aparelho do antigo PCUS estao
fortemente representados nas administracoes das novas estruturas comerciais (bancos,
bolsa, consorcios e holdings, sociedades accionistas e outras). Isto faz-me lembrar a
15 A Uniao dos Partidos Comunistas-PCUS (UPC-PCUS) e uma organizacao que associa
partidos comunistas com actividade no territorio da antiga URSS. Foi criada apos a proibicao
do PCUS, em Agosto de 1991, por um grupo de membros do CC do PCUS que se manteve
activo. Em Junho de 1992 realizam um plenario em que decidem a expulsao de Gorbatchov e
em 10 de Outubro do mesmo ano organizam a XX Conferencia de Toda a Uniao do PCUS, que
examinou um novo projecto de Programa e Estatutos e decidiu convocar o XXIX Congresso do
PCUS, que viria a ter lugar em 26-27 de Marco de 1993, em Moscovo. Neste Congresso foi entao
adoptada a designacao de Uniao dos Partidos Comunistas-PCUS (UOC-PCUS), que se reclamou
legitima herdeira do PCUS. O partido esteve sob a lideranca de Oleg Semeonovitch Chenine
(1927-2009) ate a sua cisao com o PCFR em 2000-2011. Com a saida de Chenine, a presidencia
passa a ser assumida por G.A. Ziuganov. Ate a data a UPC-PCUS realizou seis congressos, o
ultimo deles (designado XXXIV, ja que foi mantida a numeracao dos congressos do antigo
PCUS), teve lugar em Moscovo, a 31 Outubro de 2009. (N. Ed.)
2 1
seguinte historia, que me foi contada pelo secretario do Comite do Komsomol do
Oblast de Leningrado:
Junto a janela do seu gabinete, Dmitri Filipov, secretario do Comite do PCUS do
Oblast de Leningrado, observa grupos da Frente Popular que andam pela Praca da
Ditadura do Proletariado, agitando palavras de ordem do genero Abaixo o PCUS.
Num tom entristecido exclama: O nosso povo quer o capitalismo e vai te-lo. So que
seremos nos os capitalistas.
Efectivamente, Filipov conseguiu entrar num grande negocio ligado a industria
petrolifera, mas, nos duros anos 90, foi vitimado por um atentado a bomba a entrada
da sua casa.
Os dirigentes do PCFR apregoam a teoria do chamado mercado socialista,
invocando abusivamente a experiencia da NEP de Lenine, sem se apoiarem em
qualquer citacao, e a experiencia actual do desenvolvimento economico na China, sob a
direccao do PCC. Todavia, no seu programa ignoram simplesmente que a NEP de
Lenine se realizou nas condicoes de um Estado da ditadura do proletariado e nao no
sistema parlamentar tradicional, que os actuais comunistas mercantilistas, em regra,
apresentam como poder popular, pretendendo apenas a introducao de regras eleitorais
justas e prometendo utilizar a regulacao estatal para dar um sentido social a
economia, mediante apelos a consciencia dos poderosos possidentes.
O gorbatchovismo, ou seja a linha anti-operaria sob fachada comunista, continua
hoje a operar tanto na Russia como no movimento comunista internacional. Se no
tempo do PCUS de Gorbatchov a nomenclatura degenerada do partido explorava o
tema da submissao da classe operaria ao partido dirigente (e ate fez alguma coisa para
que estas palavras fossem confirmadas por actos), entao hoje, encontrando-se na
oposicao, o partido gorbatchovista dispondo de uma bancada no parlamento, explora o
tema da defesa dos interesses da classe operaria, falando em nome dos trabalhadores.
Mas a sua politica actual, tanto no plano teorico como pratico, e mais pequenoburguesa
do que operaria.
Tal como no seu tempo Marx e Engels caracterizaram criticamente, no Manifesto do
Partido Comunista, os diferentes tipos de socialismo nao cientifico (utopico, cristao,
pequeno-burgues, e outros), hoje e necessario compreender e identificar os tracos
principais do socialismo de mercado de Gorbatchov, uma variante moderna do
socialismo pequeno-burgues. Do nosso ponto de vista, tais tracos estao relacionados
com os seguintes aspectos:
– A proclamacao do parlamentarismo burgues como poder popular e a colocacao da
exigencia de eleicoes parlamentares justas e do objectivo da vitoria eleitoral no topo
das tarefas prioritarias;
– A defesa do modelo economico de socialismo de mercado, pretensamente na base
de diferentes formas de propriedade, mas no essencial assente na propriedade privada
capitalista, sob o poder politico da burguesia.
A politica do Partido Comunista da China constitui o exemplo e modelo para a
maioria dos partidos que partilham esta concepcao. Todavia, para os operarios da
industria petrolifera da provincia de Manguistau, no Cazaquistao, que entraram em
greve em 2011, – contra os quais o poder reaccionario e os proprietarios chineses
utilizaram nao so o aparelho repressivo, os tribunais e as prisoes, como depois
organizaram o assassinio de operarios e seus familiares e a seguir deram ordem para as
forcas policiais dispararem sobre os manifestantes – a linha da construcao do
socialismo com propriedade privada capitalista e tudo menos socialista. Alias,

2 2