quarta-feira, março 23, 2011

Os "heróis" de Benghazi e as omissões e mentiras da grande midia!!


Bombardeio americano na Libia atinge civis!!

Por CHICO VILLELA
da redação da "Novae"


Thomas C. Mountain é ativista pela paz e editor. Em 1987 foi membro da I Delegação de Paz enviada pelos EUA à Líbia. Boa parte de sua vida foi passada na região, em missões na Eritréia, Somália etc. Há cerca de 25 anos acompanha os acontecimentos líbios e da região. Assim, Mountain coloca na mesa questões que aclaram muito além da falsificação da mídia grande que, agora, clama ser Gaddafi um ditador sanguinário e os resistentes, heróis no combate pela liberdade. Nem Gaddafi sempre foi execrável, nem os resistentes são anjos do bem.

Um ano antes, em abril de 1986, os EUA haviam bombardeado o complexo residencial de Gaddafi em Tripoli, ferido familiares e matado sua filha adotiva de 15 anos. Haviam bombardeado também um complexo residencial civil afastado de qualquer base militar, matando muitos moradores, a maioria crianças. Mountain cita que domingo dia 20 de março passado assistiu na TV a uma família líbia enterrando sua filha de três anos, morta pelos ataques dos EUA iniciados no sábado.

O coronel Muammar al-Gaddafi subiu ao poder na liderança partilhada com outros de um golpe que depôs o rei Idris, único da história líbia, que reinou de 1951 a 1969. Idris pouco antes havia passado o poder ao filho, por razão de doença. Aliado do Ocidente na Segunda Guerra, colocou os poços de petróleo à disposição do Reino Unido e dos EUA, país que também mantinha uma base aérea próximo a Trípoli, sem compensações vantajosas ao país, o que acirrava os ânimos dos nacionalistas. Sua capital era Benghazi, maior cidade da Cirenaica, região em que reinava; a Líbia atual abrange mais duas regiões.

O golpe de Gaddafi expulsou as petroleiras britânicas e outras do país e nacionalizou o petróleo. De família tradicional, Gaddafi à época posava como um entre os vários nacionalistas que haviam se espelhado no coronel egípcio Gamal Abdel Nasser, criador e inspirador do pan-arabismo. Apoiou movimentos e grupos contrários a monarquias e à presença ocidental. Radical islâmico, implantou medidas como fechamento de bordéis e proibição de jogos e bebidas alcoólicas.

Gaddafi, a par de seu apoio a grupos extremistas nacionais e do exterior, como os Black Panthers dos EUA, e de seu ódio a Israel, foi responsável por muitos avanços sociais no país. Em nome do ‘socialismo árabe’, posteriormente transformado em doutrina própria, colocou as rendas do petróleo a serviço da população, promoveu as mulheres, expandiu o sistema educacional e implantou sistema de saúde considerado dos melhores entre os países árabes. Isso explica o grande apoio que ainda tem no país.

Hoje a Líbia é um dos países em desenvolvimento mais bem classificados. No ranking do IDH, situa-se na posição 53, o que a coloca na primeira posição entre os países africanos e acima de Rússia (65), Brasil (73) e Tunísia (81). A expectativa de vida cresceu incríveis 20 anos durante o longo regime de Gaddafi.

Por ocasião da invasão do Iraque, Gaddafi guinou para o lado do Ocidente e reaproximou-se dos EUA, e abandonou seu apoio a terroristas e suas pretensões nucleares. Passou, assim, a ser tolerado, mas nunca foi considerado verdadeiro aliado dos EUA e seus parceiros, embora tenha aberto as portas do país para dezenas de corporações estrangeiras. E, como é natural em quem exerce o poder por longo tempo, aos poucos aprofundou suas arbitrariedades de ditador e exerceu forte repressão contra seus próprios dissidentes, tendo sofrido golpes e sido ferido numa tentativa de assassinato.

Mas, para Mountain, apenas isso não é suficiente para explicar a resistência dos atuais dissidentes, principalmente os mais celebrados, de Benghazi, onde se iniciou a revolta. Mountain anota que nenhuma mídia grande do mundo toca num espinhoso assunto: Benghazi , por ser um ponto do continente africano próximo da Europa, tornou-se de uns quinze anos para cá o “epicentro da migração africana para a Europa”, da ordem de cerca de 1 mil por dia.

Mountain: “A indústria de tráfico humano, um dos mais selvagens e desumanos negócios do planeta, cresceu para cerca de 1 bilhão de dólares anuais em Benghazi. Uma grande, viscosa máfia do submundo deitou fundas raízes em Benghazi, emprega milhares em várias atividades e corrompe a polícia e líbia e funcionários do governo. Foi apenas no ano passado que o governo líbio, com apoio da Itália [destino de boa parte dos migrantes], finalmente adquiriu controle desse câncer.

“Com seu meio de vida destruído e muitos dos seus líderes na prisão, a máfia do tráfico humano tem estado à frente em financiar e apoiar a rebelião líbia. Muitas das gangues de tráfico e outros elementos lumpen de Benghazi são conhecidos por pogroms racistas contra trabalhadores africanos de fora, enquanto na década passada eles regularmente roubavam e assassinavam africanos em Benghazi e seus arredores. Desde que a rebelião estourou em Benghazi, algumas centenas de trabalhadores sudaneses, somalis, etíopes e eritreus têm sido roubados e assassinados pelas milícias racistas rebeldes, fato bem omitido pela mídia internacional.

“Benghazi tem sido também um bem conhecido centro de extremismo religioso. Fanáticos líbios que passaram algum tempo no Afeganistão concentram-se lá e um certo número de células terroristas tem realizado bombardeios e assassinatos de funcionários governamentais nas últimas duas décadas. Uma célula, auto-intitulada Grupo Islâmico Guerreiro, declarou-se afiliado à Al Qaeda em 2007. Essas células foram as primeiras a empunhar armas contra o governo líbio”.

Outro problema apontado por Mountain é que os jovens educados nas escolas líbias recusam trabalhos considerados ‘sujos’, exatamente como os cidadãos dos EUA, que empregam nesses gêneros de trabalho os ‘chicanos’ latino-americanos. Assim, o desemprego é mais grave ainda entre a juventude líbia, e os trabalhadores desqualificados de outros países africanos enfrentam oposição. Exatamente como os imigrantes latino-americanos são vistos por grupos de direita dos EUA como o Tea Party. O ócio forçado leva muitos jovens líbios para álcool e drogas.

A primeira medida dos rebeldes de Benghazi foi invadir as prisões de segurança máxima e libertar seus chefes, e assim passou-se a atacar contingentes e órgãos do governo. À parte Mountain, deve-se ter em mente que no Kosovo os EUA e a OTAN colocaram no poder os chefes da máfia e do tráfico regional, e que Thacim, o homem no poder, é hoje acusado por corte da União Européia até mesmo de assassinar prisioneiros e adversários para traficar órgãos humanos.

O apoio de grande parte da população líbia ao ditador Gaddafi levou os EUA e alguns membros sempre fiéis da OTAN a atacar Gaddafi para evitar a derrota dos opositores baseados em Benghazi. À mídia grande coube o eterno papel de justificar as ações do império e ridicularizar o governante líbio de todas as formas. Inda mais que Gaddafi manda em boa parte do petróleo consumido pela Europa, o que o torna insuportável, pela sua independência, aos olhos dos governantes e das corporações de negócios.

As alegações são sempre as mesmas falsidades. Na hora líbia, o pretexto é “evitar a morte de civis nas mãos de Gaddafi”. Para tanto, acionam-se mísseis e aviões com bombas superpoderosas, que matam civis sem conta, omitidos convenientemente pela mídia grande. Assim, a única intervenção armada das forças ocidentais dá-se contra um governo que, entre as mais de dez odiosas ditaduras árabes, sempre foi o único que se opôs aos desígnios do império. Com o coro subserviente da mídia grande. É de dar asco, por mais repelente que seja Muammar al-Gaddafi.

Mountain, como muitos outros analistas, perguntam-se sobre os desdobramentos da questão. As revoltas legítimas que ocorrem nas ditaduras apoiadas pelos EUA e aliados ainda estão em seu início. O massacre da Líbia pode incendiar ainda mais os ânimos dos revoltosos em todos os países, que se opõem às elites que, como no Egito e na Tunísia, tentam perpetuar-se com outros agentes, inclusive militares. É uma aposta arriscada, esta do malabarista BHObama. Pode ir contra as intenções do império.

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