Unica linha de trem de passageiros ainda em atividades, ligando Vitória/ES a Belo Horizonte. Saudades da Noroeste, da Sorocabana, do Rio/São Paulo!!
Por Celso
Vicenzi*
De tempos em tempos, Florianópolis costuma sediar encontros para
debater o sistema de transporte e o que fazer para melhorar a mobilidade
urbana. Nossas autoridades adoram posar de planejadores modernos. Há muitas
soluções possíveis, sem dúvida, mas a melhor delas foi inventada no século XIX.
Chama-se trem. Na Europa, nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos,
há de todos os tipos e modelos, principalmente a diesel e elétricos. Alguns
circulam até com pneus de caminhão. Andando na superfície ou embaixo da terra,
são um meio de transporte imprescindível para médias e grandes cidades.
Em Lisboa, bondes – ou “elétricos”, como denominam os
portugueses – dividem o mesmo espaço das ruas com carros e ônibus. Sem
conflitos. E ainda tem o metrô.
A cidade do Porto, ainda em Portugal, tem praticamente o número
de habitantes de Florianópolis, e possui 60 quilômetros de linhas férreas em
superfície – em boa parte junto com os automóveis – e nove quilômetros
subterrâneas. Por que cidades como Porto e centenas de outras conseguem
construir linhas ferroviárias viáveis e no Brasil se aceita a eterna desculpa
de que o custo é muito elevado? Quanto custam os engarrafamentos para o país? A
poluição? O gasto de combustível? Os acidentes de trânsito? As mortes no trânsito?
Os feridos mutilados para o resto de suas vidas? Isso sem falar no tal “custo
Brasil” para o transporte de mercadorias. Agora nossas autoridades, políticas e
empresariais, descobrem a urgência de uma “ferrovia do frango” para
viabilizar toda uma cadeia de produção agropecuária. Há muito tempo, perdemos o
trem da história.
Algum dia teremos que parar de promover debates “marqueteiros”,
parar de apresentar maquetes que nunca saem das mesas e começar a implantar
mais ferrovias, transporte aquaviário e vias rápidas para ônibus. E pagar o
preço pelo atraso. Vai custar caro, sim. Mas vamos lamentar até quando? Até
quebrar o país e inviabilizá-lo econômica e socialmente? Pequim tem hoje 442
quilômetros de linhas de metrô e começou a construí-las em 1965. São Paulo deu
início logo depois, em 1974 – mais ou menos na mesma época da Cidade do México
(1969). Hoje, os paulistanos dispõem de pouco mais de 70 quilômetros. A capital
mexicana tem 200 quilômetros. Os custos são elevados tanto aqui quanto lá. Mas
eles fazem, nós vamos ficando pelo caminho. Até mesmo em rodovias. No Brasil,
apenas 12,9% das rodovias são pavimentadas. Na Argentina são 30%, no Chile 20%.
Melhor nem comparar com a Índia (47%) ou México (50%).
Os trens cruzam os Estados Unidos de norte a sul, de leste a
oeste. Europa e América do Norte possuem 70% das ferrovias do planeta. Trens
que andam entre 200 e mais de 400 km/h e já competem com os aviões como opção
de transporte rápido. Numa única estação de trem – Termini – em Roma, há 29
plataformas que ligam a capital romana às principais cidades do país. Há linhas
na Europa que atravessam países. E nem é preciso mencionar a ligação
Paris-Londres, que se dá ao luxo de ter 50,5 quilômetros de túneis embaixo do
mar – atravessando o Canal da Mancha.
Até quando ouviremos a desculpa da
falta de dinheiro? O Brasil é a oitava economia mundial. Países
com PIB muito inferior possuem infraestrutura de transporte bem mais
organizada. Por aqui, sobra desperdício. Nos damos ao luxo de ter um potencial
de 40 mil quilômetros de vias navegáveis e utilizamos apenas 10 mil
quilômetros. Temos 8 mil quilômetros de costa marítima, uma das maiores do
mundo – ainda pouco usada.
No subsídio a automóveis, táxis e
motos, o Brasil gasta a cada ano entre R$ 10,7 bilhões e R$ 24,3 bilhões – ou
86% de todos os subsídios das três esferas de governo (Manoel Schindwein, www.desafios.ipea.org.br).
Sobra para o transporte público apenas 14% – ou algo em torno de R$ 2 bilhões.
Em resumo: concedemos subsídios para aumentar os engarrafamentos nas
médias e grandes cidades e, com isso, gastar cada vez mais em duplicações de
ruas, avenidas e rodovias, túneis e viadutos. Sem falar em
desapropriações para abrir espaços à sua majestade, o automóvel.
Está na hora de debater a quem pertence o espaço público. A toda
a população, evidentemente. No entanto, apenas 20% dos usuários das vias
públicas das grandes cidades são responsáveis pela ocupação de 80% delas. O
espaço público foi privatizado para o automóvel, enquanto a maior parte da
população, que não tem dinheiro para motos e carros, gasta cada vez mais tempo
para ir de casa para o trabalho, em ônibus e trens precários. A ordem, na lista
de prioridades, precisa ser alterada. Ônibus devem ter corredores livres.
Ciclovias e linhas de trem — principalmente de superfície – precisam ser
criadas e/ou ampliadas. Se duplicam e quadruplicam vias, por que nunca acham
espaço para trens e bicicletas?
Em Londres, paga-se para andar de carro no centro. Em Cingapura,
para comprar um carro é preciso provar que se tem onde estacioná-lo e ainda
pagar uma taxa de US$ 11 mil para um período de 10 anos. O uso do automóvel
precisa ser desestimulado, ao mesmo tempo em que se aumenta a eficiência e a
comodidade do transporte público. Não há mágica. No espaço público, a
prioridade deve ser do transporte público.
E, se não quisermos perder novamente o trem da história, é
melhor começar logo a pôr o país nos trilhos. Literalmente.
_
*Celso
Vicenzi é
ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, Prêmio Esso de
Ciência e Tecnologia, com passagens por rádio, TV, jornal, revista e assessoria
de imprensa. Lançou “Gol é Orgasmo”, com ilustrações de Paulo Caruso, editora
Unisul. Assessora uma cooperativa de crédito (Sicoob), escreve humor no Jornal
de Barreiros e no twitter @celso_vicenzi. Para contato: vicenzi@newsite.com.br
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