quinta-feira, maio 23, 2013

Reproduzo aqui artigo de Celso Lungaretti em seu Blog "Naufrago da Utopia"

A COMISSÃO DA VERDADE, A SOFREGUIDÃO E OS HOLOFOTES


É suspeita a atitude de integrantes da Comissão Nacional da Verdade, de estarem desde já se posicionando publicamente a favor ou contra a revogação da anistia de 1979.

Isto porque nada será decidido agora. O xis da questão é se, no relatório final da Comissão, daqui a um ano e meio, vai ou não ser recomendada a anulação da aberração jurídica que permitiu aos assassinos oficiais anistiarem a si próprios.

Então, por que botaram o carro na frente dos bois, lançando o debate agora? Meu palpite é de que se trata de um terceiro tema controverso oferecido numa bandeja à imprensa, para que a Comissão da Verdade entre com destaque no noticiário.

Foi o que a presidente Dilma Rousseff cobrou, há alguns meses: maior visibilidade dostrabalhos da Comissão.

Coincidência ou não, coincidiram com o primeiro aniversário do colegiado:
  1. o anúncio da decisão de exumarem o corpo do ex-presidente João Goulart, que pode levar à comprovação de seu assassinato por envenenamento (ou, em caso contrário, fornecer um poderoso trunfo propagandístico às  viúvas da ditadura, daí a leviandade de trombetearem o que poderia ter sido feito discretamente, deixando o obaoba para depois, dependendo do resultado dos exames);
  2. a totalmente inútil convocação do megatorturador Carlos Alberto Brilhante Ustra para bater boca com membros da Comissão, cuja sessão foi aberta ao público pela primeira vez exatamente para maximizar a repercussão do deprimente espetáculo; e,
  3. agora, a também totalmente inútil antecipação de uma polêmica que só será travada para valer, se o for, no final de 2014.
Tal busca sôfrega por holofotes me fez lembrar um episódio exemplar. Em 2004, quando do 25º aniversário do simulacro de anistia que igualou as vítimas a seus carrascos, era previsível que a imprensa estivesse à cata de notícias para preencherem os espaços dedicados à efeméride.

A Comissão de Anistia programou exatamente para aquele momento o julgamento do processo de Anita Leocádia Prestes (ela estava em grande evidência por causa do recém-lançado filme Olga) e divulgou triunfalmente que lhe fora concedida uma indenização.

Anita, contudo, retrucou dignamente que não pedira tal indenização e a doaria para caridade. Seu pleito era apenas de que seu tempo de exílio fosse considerado na contagem de anos para obter uma aposentadoria como professora; só queria aquilo que pedira, não o que fora acrescentado à sua revelia.

A CAPITULAÇÃO DECISIVA FOI EM 2008

Quanto ao fulcro da questão, reitero o que tenho escrito desde meados de 2008, quando o Ministério se dividiu (Tarso Genro e Paulo Vannuchi a favor da revogação da Lei de Anistia e Nelson Jobim, contra) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva capitulou, desperdiçando uma oportunidade única para expor o blefe de velhos militares que não falavam em nome das tropas:
  • a apuração dos crimes e atrocidades da ditadura, com a consequente punição dos responsáveis, era um dever que o Estado brasileiro deveria ter cumprido logo que se deu a redemocratização, em 1985 (mas, claro, não se poderia esperar que o arenoso José Sarney colocasse o próprio pescoço na forca, depois de ter sido o mais servil capacho dos militares);
  • por culpa de um sem-número de omissos, continuamos na estaca zero até hoje, no que diz respeito à punição das bestas-feras;
  • mesmo que se derrube a vergonhosa decisão de 2010 do Supremo Tribunal Federal, na contramão das recomendações da ONU e do enfoque legal dos países civilizados, já não há mais hipótese de a condenação dos criminosos hediondos transitar em julgado antes que eles morram todos de velhice, dada a lerdeza da Justiça brasileira e o número infinito de manobras protelatórias que faculta a quem pode contratar os melhores advogados;
  • então, devemos nos preocupar é com o legado que deixaremos aos pósteros, ou seja, batalharmos para que não permaneça legitimado o escabroso precedente de uma ditadura, durante sua vigência, anistiar antecipadamente seus esbirros, concedendo-lhes uma espécie de habeas corpus preventivo.
Isto dependeria de uma negociação política.

Para eles, é inaceitável o cumprimento de penas, a perda de pensões e o pagamento de indenizações.

Já que vê-los um dia encarcerados (como merecem!) não passa de uma quimera, para nós o mais inaceitável é que eles continuem sendo formalmente tidos pelo Estado brasileiro como  anistiados  e não  como os  criminosos infames  que são. Temos de, pelo menos, desestimular reincidências, e a impunidade sacramentada pelo STF vai na direção contrária.

Existe um espaço para negociação. Mas, haverá vontade política para tanto? Lamentavelmente, sou obrigado a duvidar. Tudo indica que continuará havendo muita espuma e nada de concreto.

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