Requião:
Dilma entrega setores estratégicos da economia
publicado em 29 de maio de 2013
Volto hoje ao meu tema de eleição, o
tema que nesses dois anos e meio de mandato trouxe-me com frequência à tribuna.
É a economia, senhoras e senhores senadores. Ela é o sal de nossas vidas. E as
nossas vidas, a vida nacional têm andado um tanto quanto sensabor nos últimos
meses.
Eu não diria que estamos repetindo o
prato de feijão-com-arroz de Mailson da Nóbrega, que aquela mediocridade
dificilmente alguém seria capaz de duplicar, mil anos vivêssemos. Mas estamos
no ritmo da mesma toada, de idêntico cantochão, marcando passos que não atam e
nem desatam.
A idéia parece ser esta mesmo: enrolar
até a eleição de 2014; empurrar com barriga e fazer figa para que nada
atrapalhe a manobra. Isso de uma banda; de outro lado, aprofundam-se,
radicalizam-se as medidas de desnacionalização da economia e de privatização de
setores estratégicos, como portos e energia.
Quer dizer, são dois movimentos: a
deslocação das encrencas pelo bandulho, para que tudo fique no mesmo lugar, e a
aceleração das privatizações, arrancando ciúmes do PSDB, do DEM e do PPS, tal a
desfaçatez desse desbaratamento dos bens e das riquezas dos brasileiros.
Na trágica sessão desta Casa do dia 16
de maio, quando foi aprovada a famigerada e pouco cheirosa MP dos Portos, o
senador José Agripino, cujas posições em favor das privatizações são claras,
transparentes, sem disfarces ou truques, avaliou com acuidade a pantomima:
–Isso parece uma coisa surrealista!”,
afirmou.
E emendava:
–Veja bem (…) : qual é a nossa praia,
senador Aloísio? A nossa praia são as concessões, as privatizações, o prestígio
ao capital privado. Votar uma matéria como essa é a nossa praia!. Está no nosso
DNA!
O que o senador Agripino não aceitava,
com toda razão, era essa forma de agir com a mão de gato. Afinal, não havia
qualquer divergência de fundo entre os defensores do modelo neoliberal e o
governo, quanto à privatização dos portos. Assim sendo, qual a necessidade de
tratorar a tudo e a todos?
Sem mais aquela, sem pedir desculpas
pela falseta, o governo invade a praia do PSDB, do DEM e do PPS com uma ousadia
de penetra, espalhando areia e inconveniências no espaço alheio.
Mas eu que aos 72 anos imaginava ter
visto tudo, vi mais. Vi, senadores eu ví, naquela constrangedora sessão, ví o
líder do governo no Congresso, nosso prezado senador José Pimentel, em um gesto
de magnanimidade e reconhecimento, agradecer a senadora Kátia Abreu pela
“contribuição fundamental” para que a MP dos Portos fosse aprovada nesta Casa.
Os meus botões agitaram-se ao ouvir a
homenagem. Não que a senadora não merecesse a deferência. Pelo contrário, pois
igualmente ao senador Agripino, a senadora é transparente, tem posições claras
e defende-as com vigor. Pode-se discordar delas, mas não há como desconhecê-las.
Por que então os meus botões
inquietaram-se, sacudiram-se? Porque me veio à memória, ressoaram-me aos
ouvidos o parecer do senador Jorge Viana, emitido no dia 1º de novembro de
2011, na Comissão de Assuntos Econômicos, contra projeto da senadora Kátia
Abreu que, em sua essência, foi reproduzido pela Medida Provisória aprovada
neste 16 de maio de 2013.
Entenderam?
A MP, de cuja autoria a Casa Civil
orgulha-se e medalha-se pelo feito é, em seus pressupostos básicos, o Projeto
de Lei do Senado nº 118 de 2009 da senadora Kátia Abreu repudiado pelo PT et
alia na CAE, no dia 1º de novembro de 2011, Dia de
Todos os Santos, dia de todos os
milagres, e véspera de Finados, dia de todos os mortos.
Estraçalhada na CAE, a proposta da
senadora ressurge um ano e sete meses depois, sob o patrocínio de seus algozes.
A alma da proposta da senadora reproduz-se na MP. E os que foram vigorosamente
contra, na CAE, foram agora vigorosamente a favor, neste plenário.
Assim, o agradecimento do líder
Pimentel à senadora equivaleu a um constrangido pedido de desculpa.
Mas, vamos lá, vamos ao relatório do
senador Jorge Viana.
O senador começa rebatendo a
argumentação da senadora de que o poder público não tinha recursos para
investir nos portos, devendo, portanto, privatizá-los.
Agora, o governo argumenta que o poder
público não tem dinheiro para investir nos portos, devendo, portanto,
privatizá-los.
Depois de destacar o caráter público
dos serviços portuários, o relatório defende a chamada “Lei dos Portos”, de
1993, agora execrada como se fosse a origem de todos os males praianos; assim
como cerra guarda, apresenta armas ao decreto de 2008 do presidente Lula, agora
também exposto à pancadaria pública.
A senadora pretende que as instalações
portuárias de uso privativo misto possam destinar-se, “independente do
percentual ”, à movimentação de carga própria e de terceiros.?
Calma, pois lá está o governo
vigilante, bombardeando essa idéia.
A senadora considera que “em face do
contraste entre as vastas e urgentes necessidades do País (…) e as escassas
possibilidades de investimento do setor público, não mais se justifica a
vedação (…) à implantação de portos (…) privados para movimentação de cargas de
terceiros, “com ou sem a participação de cargas próprias”?
Não se preocupem, o governo está atento
para garantir “que o terminal de uso privativo, exclusivo ou misto, deve ter
sua construção e exploração vinculadas e justificadas por sua carga própria”.
Preservados esses princípios, como se
fossem pétreos, inamovíveis, o relatório do governo dá-nos preciosos
ensinamentos.
A citação é longa, mas esses
argumentos, que agora são abominados, malditos precisam ser trazidos à memória
pois eles não perderam sua validade, apesar da apostasia do governo e de sua
base.
Diz o relatório do representante do
governo da presidente Dilma Rousseff:
“Decorre desses dispositivos legais que
a instalação de terminais privativos destina-se precipuamente à movimentação de
carga própria, admitindo-se, adicionalmente, a movimentação de cargas de
terceiros, de molde a permitir o aproveitamento econômico da capacidade ociosa
desses terminais.
Diferentemente das instalações de uso
público, os terminais privativos configuram-se como atividade econômica regida
pelas normas do direito privado, para a qual não se aplica a vinculação aos
mencionados princípios de continuidade, universalidade, isonomia e modicidade.
Constitui prerrogativa das empresas privadas a faculdade de escolher os
serviços que prestam, o que exclui, por exemplo, as atividades consideradas não
lucrativas. Nesses casos, incumbe ao Poder Público exercer tão somente sua
função regulatória, estabelecendo, entre outros, requisitos relativos à
segurança e à qualidade dos serviços prestados.
Desse ponto de vista, qual seja o do
interesse público, não parece apropriado, como pretende o projeto sob exame,
estender às instalações portuárias de uso privativo função idêntica àquela
essencialmente reservada aos terminais de uso público.
Como os terminais de uso privativo não
estão sujeitos aos princípios gerais de interesse público, porque voltados para
a movimentação de suas próprias cargas e, subsidiariamente, de algumas cargas
de terceiros, haveria importantes assimetrias de custos de operação e de
encargos regulatórios entre os terminais localizados nos portos públicos e os
de uso privativo, caso se admitisse a indiscriminada movimentação de cargas de
terceiros pelos portos de uso privativo.
Nesse sentido, se tornaria extremamente
desigual a concorrência entre os operadores desses dois modelos de terminais —
o concessionário de um porto público e o operador privado de seu próprio porto
—, com notórias desvantagens para os terminais públicos em relação aos de uso
privativo.
Não por acaso, portanto, é rara no
mundo a circunstância da privatização total das atividades portuárias, só
havendo registro dessa experiência em alguns portos do Reino Unido e na Nova
Zelândia, segundo o estudo Port Reform Toolkit, do Banco Mundial, publicado em
2001.
No mencionado documento, especialistas
afirmam que a grande maioria dos países considera a privatização total de
portos, compreendendo a exploração e a operação a cargo do investidor privado e
segundo seus próprios interesses, incompatível com os objetivos nacionais e
regionais. São diversas as razões apresentadas para tal diagnóstico, entre elas
as de que: (i) a privatização abrangente pode colocar em risco os benefícios
macroeconômicos de grandes complexos portuários para a economia nacional ou
regional; (ii) há risco de tratamento discriminatório entre clientes; e (iii) a
privatização total pode comprometer a competição no ambiente econômico.”
E assim, diante do exposto,
coerentemente, o governo pede a rejeição da proposta as senadora Kátia Abreu.
Ah, sim! O projeto da senadora foi
distribuído com exclusividade à Comissão de Infraestrutura, a quem caberia
decisão terminativa. Temendo vê-lo aceito lá, a então senadora Ideli Salvatti,
agora uma das campeãs do esforço em favor da MP dos Portos, fez aprovar
requerimentos para que ele fosse discutido e votado em mais duas comissões, a
de Infraestrutura e a de Desenvolvimento Regional.
A citação que o relatório do Governo
faz das duas únicas experiências, nada bem sucedidas, do modelo agora adotado
pela MP dos Portos, as experiências Inglaterra e da Nova Zelândia, para mim é
paradigmática, é um clássico! Depois de lançar um anátema, depois de excomungar
o modelo, depois de abominá-lo e amaldiçoá-lo, o governo adota-o!
Desaconselhados pelo Banco Mundial, os modelos portuários inglês e neozelandês
têm agora a companhia brasileira. Alvíssaras! Nunca é tarde para aderir ao
atraso!
Risca-me a memória as frases iniciais
de um famoso discurso de Rui Barbosa: “Diante disso, depois disso não sei como
principie…..”
Diante disso, depois disso, não sei
como continue. Talvez a perplexidade do senador José Agripino sintetize a
intrujice: “Isso tudo é surreal!”.
Mas aquela infeliz semana reservou aos
brasileiros outra grande desgraça: os leilões da Petrobrás. Poucas vezes ouvi e
li argumentos tão oportunistas, tão antinacionais, tão frágeis e tão pouco
honestos a favor de alguma coisa, como os em defesa dos leilões do dia 14 de
maio.
Ao ouvir e ler fiquei triste porque vi
mais companheiros abandonando posições na barricada em defesa dos interesses
populares e nacionais. Que tantos tenham desertado de antigas defesas,
comprova-se todos os dias. Mas não esperava que a desistência ampliasse tanto.
Meu Deus! Como defender, como
justificar mais esta rodada de leilões de petróleo?
Na verdade não é só o leilão do
petróleo; e nem é fortuita, ocasional a coincidência que a privatização dos
portos tenha sido aprovada no dia seguinte ao dos leilões. Como disse o Partido
Comunista Brasileiro, o PCB, em uma corajosa e militante nota política: estamos
vendo o maior processo de privatizações na história do Brasil.
Diz o PCB: privatizam-se estradas,
aeroportos e portos; privatizam-se o petróleo e hidrelétricas; e, ao se colocar
recursos financeiros e humanos das estatais, como o BNDES, a Petrobrás, a Caixa
e o Banco do Brasil, a serviço de entes privados, temos as chamadas
“privatizações brancas”.
O que é a política de formação dos tais
“campeões nacionais”, cevando um mega especulador como Eike Batista, se não uma
“privatização branca”?
Meu Deus! Quando esse tempo passar,
quando um dia, lá na frente, alguém nos perguntar: “E naqueles tempos, o que
vocês fizeram?”. Constrangidos, envergonhados, vamos responder: “Naqueles
tempos criamos Eikes Batistas”.
Lembra ainda o PCB: também é uma forma
de privatização a desoneração de seis bilhões de reais em impostos,
beneficiando as empresas de telecomunicações para que elas possam atingir as
metas que elas prometeram cumprir por contrato com o Estado brasileiro.
Não foi suficiente o escândalo das teles,
passadas de mão beijada para o capital privado. Agora vamos livrá-las de pagar
seis bilhões em impostos, para que elas, pobrezinhas, possam cumprir o que
assinaram.
E não vejo ninguém vociferando contra o
não cumprimento do contrato. Não ouço os jornalões e a Globo exigindo que os
contratos sejam cumpridos.O princípio tão caro para os liberais do “pacta sunt
servanda” serve apenas para o Estado, como se vê. Seis bilhões de impostos
perdoados para que a teles cumpram as obrigações que assumiram e não honraram.
E, agora, como lembra a nota do PCB, a
“cereja do bolo”: foram entregues à iniciativa privada, a um capitalismo
claudicante, baleado pela crise, 289 blocos para a exploração de petróleo, com
potencial, segundo cálculos moderadíssimos, de se produzir até 14 bilhões de
barris ou quem sabe até 19 bilhões.
Com os leilões, a Agência Nacional do
Petróleo espera arrecadar cerca de um bilhão de reais, uma quantia que
representa zero vírgula vinte e cinco por cento do valor dos blocos. A nota do
PCB fala que é menor ainda, cerca de um milonésimo do valor total.
Fantástico, não?
Nada, nada, avalia o economista Adriano
Benayon, citando o químico Roldão Simas, dá para reformar um estádio de futebol
para a Copa; ou como diz o PCB, dá para pagar a reforma do Maracanã, com o
devido ágio à corrupção.
A ANP, talvez das agências reguladoras
a mais querida da mídia e do mercado, disse que nos blocos licitados deverão
ser descobertos 19 bilhões de barris de petróleo e gás, que serão exportados!
Especialistas de verdade como Fernando
Siqueira e Paulo Metri, e não aqueles especialistas de fancaria que frequentam,
os noticiários globais, peritos como Siqueira e Metri, citados por Benayon,
perguntam: “Quem definiu que a exportação desse petróleo é a melhor opção para
o Brasil?”.
Enquanto os Estados Unidos proíbem a
exportação de petróleo, olhando para frente, nós fechamos os olhos à trágica
experiência de países exportadores, que queimaram suas reservas por nada, para
nada.
Discute-se muito hoje na Europa, com a
falência do modelo neoliberal, junto do qual se enterraram os partidos ditos de
esquerda, discute-se muito uma refundação da esquerda. A exaustão dos partidos
trabalhistas, socialistas e socialdemocratas, abduzidos pelo neoliberalismo e
campeões na aplicação das políticas de austeridade, fez espocarem novos
agrupamentos de esquerda por toda a Europa. Na Inglaterra, o cineasta Ken Loach
lança apelo por um novo partido, considerando definitiva, irrecuperável, a
guinada do Partido Trabalhista para a direita.
Por cinco vezes, não uma ou duas, e sim
por cinco vezes acompanhei o PT nas eleições presidenciais. Nas circunstâncias
de hoje, fossem esses que se anunciam os candidatos, acompanharia o PT pela
sexta vez. No entanto, parece claro que o PT está à deriva, distancia-se da esquerda.
Como já não é mais possível classificar como de esquerda os partidos da base,
que ainda assim se dizem, em que pese as posições hoje assumidas.
É à esquerda, pela esquerda, que
construiremos o país e a sociedade que anelamos há tanto tempo. Não há outra
saída. Boa parte da esquerda tradicional, como a camélia, caiu do galho, depois
murchou, depois morreu.
Vamos estão, mais uma vez, recomeçar.
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