segunda-feira, março 26, 2007

Para não esquecer jamais!!!!

Lembrar para evitar!!!
Este imporante artigo do amigo e companheiro Celso Lungaretti deve ser lido por todos, para que não esqueçamos deste triste e trágico período da vida brasileira.Os mais jovens para se informar e previr e os mais velhos para não esquecer e cobrar JUSTIÇA.

COMO ERA VIVER DEBAIXO DAS BOTAS?



Celso Lungaretti (*)



Muitos atos de repúdio à ditadura militar de 1964 estão sendo programados,

no País inteiro, para marcar a passagem dos 43 anos da quartelada, a se

completarem no próximo dia 31. Em São Paulo, a iniciativa é do Fórum dos

Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo e a manifestação

terá lugar a partir das 19 horas do dia 3 de abril, na Câmara Municipal

paulistana (Viaduto Jacareí, 100).

Lembrar o que realmente aconteceu nos anos de chumbo é muito relevante neste

momento em que, aproveitando o esquecimento dos idosos e a desinformação dos

que vieram depois, a direita troglodita tenta reabilitar a imagem da

ditadura, com propaganda enganosa na base do "naquele tempo era tudo

melhor". Nas comunidades políticas do Orkut e em sites como o Terrorismo

Nunca Mais, Mídia Sem Máscara e Usina de Letras, constata-se que essa gente

está bem organizada, tem muitos recursos e vem fazendo intenso proselitismo.

Atua como rolo compressor na internet, fez campanha pelo "não" no plebiscito

sobre o comércio de armas e promove desagravos militares ao notório

torturador Brilhante Ustra (numa tentativa pouco sutil de intimidar a

Justiça). É a serpente se engendrando no ovo.

Eu tinha 13 anos quando os milicos deram o golpe. Depois, como militante

estudantil a partir dos 16 anos, li e absorvi muita informação sobre esse

assunto. E, ao ingressar na Vanguarda Popular Revolucionária, passei a

conviver com pessoas que tiveram participação importante nos eventos de

1964. Curioso (já tinha espírito de jornalista), conversei muito com elas

sobre o que haviam vivido e presenciado.

Depois, em 1989, atuando na imprensa, fui incumbido pela Agência Estado de

preparar uma série de matérias históricas sobre a quartelada, que estava

completando 25 anos. Pesquisei, revirei arquivos, li brazilianistas,

entrevistei personagens.

De tudo isso extraí algumas conclusões, que exponho como tópicos:

* há controvérsias sobre se a articulação da UDN com setores das Forças

Armadas para derrubar o presidente Getúlio em 1954 desembocaria numa

ditadura, caso o suicídio e a carta de Vargas não tivessem virado o jogo;

* mas, é incontestável que militares vinham tentando tomar o poder sob

pretextos anticomunistas desde fevereiro de 1956, duas semanas após a posse

de JK, com a revolta de Jacareacanga. Os oficiais da FAB repetiram a dose em

outubro de 1959, com a também fracassada revolta de Aragarças. E, em agosto

de 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros, as Forças Armadas vetaram a

posse do vice-presidente João Goulart, só voltando atrás diante da

resistência do governador Leonel Brizola (RS) e do apoio por ele recebido do

comandante do III Exército, gerando a ameaça de uma guerra civil;

* apesar das bravatas de Luiz Carlos Prestes e dos "grupos dos 11"

brizolistas, não havia em 1964 uma possibilidade real de conquista do poder

pela esquerda. Não existiu o tal "contragolpe preventivo", mas, pura e

simplesmente, um golpe para usurpar o poder, derrubando um governo eleito,

fechando o Congresso, cassando mandatos legítimos e extinguindo entidades da

sociedade civil;

* a esquerda só voltou para valer às ruas em 1968, mas as manifestações de

massa foram respondidas pelo uso cada vez mais brutal da força, por parte de

instâncias da ditadura e dos efetivos paramilitares que atuavam sem freios

de nenhuma espécie, promovendo atentados e intimidações. Até que, com a

edição do AI-5, em dezembro de 1968, a resistência pacífica se tornou

inviável. Foi quando a vanguarda armada, insignificante até então, ascendeu

ao primeiro plano, acolhendo os militantes que antes se dedicavam aos

movimentos de massa;

* as organizações guerrilheiras conseguiram surpreender a ditadura no 1º

semestre de 1969, mas já no 2º semestre as Forças Armadas começaram a levar

vantagem no plano militar, introduzindo novos métodos repressivos e

maximizando a prática da tortura, a partir de lições recebidas de oficiais

estadunidenses;

* em 1970 os militares assumiram a dianteira também no plano político,

aproveitando o boom econômico e a euforia da conquista do tricampeonato

mundial de futebol, que lhes trouxeram o apoio da classe média;

* nos anos seguintes, com a guerrilha nos estertores, as Forças Armadas

partiram para o extermínio sistemático dos militantes, que eram capturados

com vida e depois executados;

* o "milagre brasileiro", fruto da reorganização econômica empreendida pelos

ministros Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões, bem como de uma

enxurrada de investimentos estadunidenses em 1970 (quando aqui entraram

tantos dólares quanto nos 10 anos anteriores somados), teve vida curta e em

1974 a maré já virou, ficando muitas contas para as gerações seguintes

pagarem;

* corrupção, havia tanta quanto agora, mas a imprensa era impedida de

noticiar o que acontecia, p. ex., nos projetos faraônicos como a

Transamazônica, Ferrovia do Aço, Itaipu e Paulipetro (muitos dos quais

malograram);

* a arrogância e impunidade com que agiam as forças de segurança causou

muitas vítimas inocentes, cujas famílias nem sequer obtinham o

reconhecimento da culpa do Estado e respectiva indenização. E integrantes

dos efetivos policiais chegavam a acumpliciar-se com traficantes, executando

seus rivais a pretexto de justiçar bandidos (Esquadrões da Morte);

* o aparato repressivo criado para combater a guerrilha propiciava a seus

integrantes uma situação privilegiadíssima. Não só recebiam dos empresários

fascistas vultosas recompensas por cada revolucionário preso ou morto, como

se apossavam de tudo que encontravam de valor com eles. Acostumaram-se a um

padrão de vida muito superior ao que o soldo lhes proporcionaria;

* daí terem resistido encarniçadamente à disposição do presidente Geisel de

desmontar essa engrenagem de terrorismo de estado, no momento em que ela se

tornou desnecessária. Mataram pessoas inofensivas como Vladimir Herzog,

promoveram atentados contra pessoas e instituições (inclusive o do

Riocentro, que, se não tivesse falhado, provocaria um morticínio em larga

escala) e chegaram a conspirar contra o próprio Geisel, que foi obrigado a

destituir sucessivamente o comandante do II Exército e o próprio ministro do

Exército.

Em suma: é o último filme do mundo a merecer reprise. Com todos os seus

defeitos e mares de lama, a democracia ainda é menos pior. Deve ser

preservada, custe o que custar. E, claro, moralizada e aperfeiçoada.

* Celso Lungaretti é jornalista, ex-preso político escritor. Mais artigos em

http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

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