quarta-feira, agosto 01, 2007

Rediscutindo a Guerrilha do Araguaia-Segunda Parte

EX-GUERRILHEIROS COBRAM AUTOCRITICA DO PCDOB
Publicado em 30.07.2007


Ayrton Maciel A teoria de Mao Tsé-tung, o líder da revolução comunista chinesa, sobre guerra popular prolongada, partida do campo para as cidades, influenciou sobremaneira a direção do PCdoB, levando o Comitê Central à Guerrilha do Araguaia, entre 1967 e 1972. A expansão da guerrilha rural pela Ásia, tendo como maior exemplo o Vietnã, reforçou o dimensionamento dado pelo partido a um movimento igual partindo da selva amazônica. A escassez e dispersão da população atuou, entretanto, contra o planejamento. “Tínhamos que andar quilômetros para encontrar a massa rarefeita”, recorda o ex-guerrilheiro Pedro Albuquerque Neto. O PCdoB comete um segundo equívoco quando as Forças Armadas deflagram as inserções para liquidar a guerrilha: subdimensiona a influência da Transamazônica. A autocrítica do movimento não foi feita até hoje pelo partido. “Acho importante que o PCdoB levante uma reflexão”, defende Pedro, que há duas semanas, no Recife, junto com a esposa Teresa, reencontrou outros dois ex-guerrilheiros: Michéas Gomes de Almeida (Zezinho) e Dagoberto Alves Costa. A publicação da entrevista concedida pelo grupo ao JC, iniciada ontem, é concluída com esta página.

SOBREVIVENTES
PEDRO ALBUQUERQUE NETO – “A pauta da discussão sobre o Araguaia é ainda a de retomar os fatos que ocorreram. O que se precisa é a análise dos fatos. Tenho dificuldade de me aprofundar porque vejo o PCdoB ainda muito discriminado na mídia. Enquanto estiver assim e o PCdoB não se abrir para uma discussão mais profunda, é difícil falar sobre o Araguaia. O PCdoB não levantou ainda uma reflexão. Acho que é importante o PCdoB levantar uma reflexão aberta, chamar as pessoas (os sobreviventes) para falar. Qual o problema? Chamar aqueles que têm uma visão crítica daquilo (a guerrilha), uma reflexão dentro da esquerda e dentro do partido”.


DAGOBERTO ALVES COSTA – “A questão do PCdoB conosco (a desconfiança com os sobreviventes) é devido ao fato do partido não ter sabido administrar isso. Participar de uma guerra de guerrilha é uma experiência muito forte, nós nos renovamos politicamente. Nós não íamos aceitar aquela questão do centralismo democrático. Talvez por causa disso, e por se manter ainda um partido stalinista, eles não nos aceitaram. Acho que também contribuiu para isso o relatório do Ângelo Arroyo (chefe da Comissão Militar do Araguaia e dirigente do Comitê Central do partido, que acusou deserções e traições), que foi escrito no calor da emoção, e que veio com muito preconceito. Houve erros gerais. A própria direção errou. Tinha que ter olhado que ao entrar uma estrada no meio do teatro de operações (a Transamazônica), deveria recuar e não deflagrar um movimento que não tinha possibilidade de avançar”.


ZEZINHO DO ARAGUAIA – “O partido tinha se expandido e absorvido militantes de outras agremiações, que buscavam um veio como o Araguaia. Isso tornou, naquele momento, o PCdoB o partido com a visão mais adequada, porque não havia outra saída (a luta urbana estava sendo dizimada). Não adianta se buscar culpados, ficar acusando. Não adianta ficar olhando para o passado. Quando falamos da guerrilha hoje, estamos impregnados de outros conceitos que não aqueles que nos levaram à guerrilha. Para analisar a guerrilha, temos que analisar a sociedade na época. Naquele momento, quando faltou a liberdade no Brasil, surgiu o PCdoB – como poderia ser outra agremiação política – para fazer aquilo (a guerrilha)”.

AUTOCRÍTICA

DAGOBERTO – “A direção do partido foi muito influenciada por guerra popular, a visão da luta armada no Brasil. Esse documento de Mao Tsé-tung (líder da revolução comunista chinesa) influenciou muito a direção do partido. Diante de outras experiências, inclusive daquela na qual Zezinho participou, a de Trombas e Formoso, o partido foi ao Araguaia. Faltou uma visão na década de 50 para aproveitar a experiência de Trombas e Formoso e entrar com o movimento logo em seguida. A deliberação do 20º Congresso do PC da União Soviética, pela coexistência pacífica (URSS e Estados Unidos e a condenação ao stalinismo) arrefeceu o movimento. A direção (PCdoB) se entusiasmou imensamente com a idéia de guerra popular, com a sua ampliação na Ásia. O Vietnã era o espelho da direção. O decesso da luta urbana comprovava que o partido estava certo: a luta no campo seria realmente a luta correta. Só que não houve tempo, o tempo já tinha passado. O Exército entrou pela Transamazônica e liquidou rápido o movimento”.


ZEZINHO – “Eu assumo a responsabilidade por aquilo que eu fiz, não culpo outra pessoa pelo ato que assumi. É muito fácil dizer que o outro é que teve toda a responsabilidade, muita vezes ocultando a minha responsabilidade. Quando eu escuto alguém falar que fugimos de lá, é coisa que cada um tem que assumir. Ninguém cobrou isso. Ninguém tem o direito de acusar o outro pela atitude que tomou. Eu também não tenho o direito de acusar o PCdoB pelo que passei, eu fui porque eu quis”.


TERESA – “Não vejo o PCdoB como crítico dos que sobreviveram. O do Ceará sempre nos tratou com companheirismo, nos dando todo apoio. Acho que o partido, nas suas limitações, tentou ajudar (a reinserção na sociedade), pelo menos o do Ceará. Não sei a nível nacional”.


PEDRO – “Fui convidado a voltar para o PCdoB. Não quero voltar porque não quero mais me submeter ao centralismo democrático. Tenho até a impressão que o partido está perdendo isso. Tenho hoje uma visão mais libertária das coisas, mas tenho uma boa relação com o PCdoB”.

PCdoB X DITADURA

PEDRO – “Acho que estávamos ganhando da ditadura no campo político. Ela ia morrer por aquele caminho. Nos levar para à luta armada foi uma tática dos militares de linha dura, que estavam perdendo no campo político e nos forçaram a ir para um terreno que, embora nós defendêssemos, estávamos inferiorizados. Os militares nos reprimiram, nos sufocaram, nos proibiram de estudar e de trabalhar. Nos alijaram da massa urbana. E a opção pela luta armada, naquele momento, foi uma saída de derrotados. Quando fui para o Araguaia, fui como derrotado político. Muitas outras organizações foram para a luta armada, muitas saíram da dissidência no PCB, que deu muitos quadros para a luta. O PCdoB foi aquele que melhor se preparou, porque vinha trabalhando há muito tempo. A luta urbana foi um massacre e o PCdoB era profundamente crítico daquilo, defendia a luta rural, a guerra popular prolongada. Então, deve também estar aberto para críticas à luta armada rural da forma que ela ocorreu”.

A TORTURA.

PEDRO – O general Antônio Bandeira, que morreu sem falar muito (sobre o Araguaia), é que comandava a tortura. A gente era torturado com capuz na cabeça, mas eu o identificava pela voz, que se tornou familiar, e pela bengala. Quando a gente sentia a bengala, era ele”.


DAGOBERTO – “Todos nós passamos por isso. Não é brincadeira uma situação dessa, até hoje não gosto de falar, me sinto mal”.


ZEZINHO – “Quando eu falo que eu não aceito que chamem nenhum dos nosso companheiros de traidor é porque traidores são aqueles que não conhecem a história do Brasil. Nós estávamos lá. Nós somos agentes dessa história. Se foi bonito ou feio, a história que julgue”.

OS MORTOS

DAGOBERTO – “Sessenta dias depois de ter chegado, fui preso na mata (junho de 1972), logo após o nosso agrupamento ser emboscado, e o primeiro companheiro a ser abatido foi o Jorge (Bérgson Gurjão Farias, morto em combate, na primeira incursão do Exército). Lembro que um capitão pára-quedista mencionou que Bérgson tinha sido fotografado e enterrado por lá mesmo. Acredito que eles (os corpos) estão dispersos. O comandante pára-quedista foi muito claro comigo: ‘guerrilheiro é guerrilheiro’. Fotografavam os corpos apenas para comprovar que o cara tinha sido abatido. Tanto que, quando eu estava preso com o Danilo e o Dower, lá no PIC, de vez em quando eles iam na cela com fotos de companheiros. Na última incursão (do Exército), eles foram na cela coletiva, mostraram as fotos e disseram: ‘tá aqui, acabou-se’”.


O PÓS-GUERRILHA

ZEZINHO – “Eu nunca fui preso, mas tive que apagar tudo isso (da memória), porque eu não tinha outra alternativa que não me enfiar no trabalho, 18 horas por dia, domingo, feriado e dia santo, em São Paulo, onde fiquei quando levei o que sobrou do último combate lá no pé da Serra das Andorinhas, já quase 1975. Levei o Arroyo (Ângelo). Cheguei em São Paulo só com o Arroyo. Com minha certidão (de nascimento), tirei a identidade e depois o CPF com o nome de Antônio Pereira de Oliveira”.


PEDRO – “Depois de um ano preso, vim para o Recife, onde Teresa estava escondida. Eles queriam que eu dissesse onde estava a Teresa. Aí, vi que não tinha mais condições de ficar no Brasil, e decidimos ir para o exílio, em março de 1973. Fomos para o Chile, mas veio o golpe (general Augusto Pinochet), e decidimos ir para o Canadá. Quando houve a anistia (1979), retornamos para o Brasil e ensinei na Universidade Federal do Ceará. Em 2000, retornei à Faculdade de Direito, que terminei em 2003. Em 2004, resolvi voltar ao Canadá para fazer o doutorado em Criminologia”.


Os preparativos da guerrilha
Publicado em 30.07.2007


Depois de ser enviado à China para treinamento, o camponês do Pará, Zezinho do Araguaia, retorna ao Brasil em 1967, e retoma as tarefas para o PCdoB, partindo para o Araguaia. Os preparativos para o movimento, como o levantamento e mapeamento da área, foram iniciados com a chegada dos primeiros militantes do partido à região, a partir de 1967, na área do Bico do Papagaio. O planejamento previa o adestramento dos estudantes, operários e militantes do partido que chegassem das cidades para a sobrevivência na selva e o preparo dos guerrilheiros para a luta.
“Era uma guerrilha do campo para a cidade”, define o projeto o comunista Michéas Gomes de Almeida, o Zezinho do Araguaia, que ganhou notoriedade por inserir na mata os quadros urbanos recrutados pelo PCdoB. Somente em 1972 o agrupamento comunista é dividido em três destacamentos: o A, baseado na área da Transamazônica, o B, no vale da Gameleira, e o C, nas proximidades da Serra das Andorinhas. O PCdoB, ressalta Zezinho, foi o ponto de apoio encontrado por uma parcela da juventude disposta a mudar o País.

“Quando o golpe de 64 aconteceu, nós já apoiávamos o PCdoB. Em Goiás, os estudantes tomaram um quartel com todas as armas e munições. Foi o famoso assalto ao Tiro de Guerra de Anápoles. Então, a gente já fazia treinamento militar antes do golpe. Cinco desses companheiros foram depois presos. Como eu era o menos queimado do grupo, fui visitá-los no 10º DC (quartel do Exército). Depois disso, não pude mais ficar no Brasil. Foi quando eu parti para a China em 1966”, revive Zezinho.

Um comentário:

Laís disse...

Olá Luiz, interessante este assunto, gostaria de saber mais, de onde você pegou essas declarações, pode me passar o link, ou a fonte.
obrigada