Massacre de índios em acampamento em Amambaí
Por Aline Crespe
Professora e antropóloga
Ontem pela amanhã(dia
18 de novembro), ao abrir meu e-mail, recebi mais uma triste notícia de uma
situação de violência contra um grupo indígena acampado em uma área em litígio
e a espera da continuidade do processo de regularização fundiária da terra
indígena. O acampamento se localiza em Amambaí, sul de Mato Grosso do Sul, a
menos de cem quilômetros da fronteira com o Paraguai. O acampamento está
localizado em uma pequena parte da área de ocupação tradicional chamadaGuaiviry. A
área esta inserida no conjunto de terras indígenas que deverão ser demarcadas
no Mato Grosso do Sul. O processo de identificação destas áreas começou em 2007
e desde então vem sido repetidamente interrompido pelos conflitos políticos que
o envolve. Enquanto isso, repetidos atos de assassinatos contra grupos
indígenas que aguardam pela identificação e demarcação destas áreas vem
ocorrendo.
A situação de insegurança e medo vivido pelas
populações indígenas é insustentável. No ano passado a Survival Internacional
publicou um importante relatório denunciando a situação das populações guarani
no estado de Mato Grosso do Sul. Fiquei chocada com o que aconteceu e
sabia que não tinha como ficar quieta, não falar nada ou fingir que estava tudo
bem.
Sou professora na
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul na unidade de Amambaí, no curso de
ciências sociais. Fique pensando como daria aula para os estudantes indígenas
naquele dia. Então, fui conversando com os alunos, um a um, e marcamos de
nos reunirmos todos para conversamos, até que eles decidiram por
escrever uma carta. A carta foi escrita por eles ficando como minha
responsabilidade a divulgação dela. Na carta, como vocês poderão ver, um
aluno da história e morador da aldeia de Amambaí fala algo muito parecido com o
que Marcos Homero Ferreira Lima, antropólogo do MPF de Dourados diz para a
Survival sobre um acampamento de beira de estrada localizado as margens da BR
163 no município de Dourados.
Homero diz: Não se trata de hipérbole
quando se fala em genocídio, pois, a série de eventos e ações perpetradas
contra o grupo, como se objetivou demonstrar, desde o final da década de 1990,
tem contribuído para submeter seus membros a condições tolhedoras da existência
física, cultural e espiritual. Crianças, jovens, adultos e velhos se encontram
submetidos a experiências degradantes que ferem diretamente a dignidade da
pessoa humana. O modo de vida imposto àqueles Kaiowá é revelador de como os
brancos vêem os índios.
O preconceito, o
descaso, o descuido, a não consideração dos direitos à terra, à vida, à
dignidade são patentes. A situação por eles vivenciada é análoga àquela de um
campo de refugiados. É como se fossem estrangeiros no seu próprio país. É como
se os 'brancos' estivessem em guerra com os índios e a estes últimos só
restasse a fina faixa de terra que separa a cerca de uma fazenda e a beira de
uma rodovia.
A crueldade do caso
envolvendo o acampamento e a truculência dos assassinos não pode ser tratada
como mais um caso de violência. Estamos vivendo uma guerra de fato, mas é uma
guerra que só morrem pessoas de um lado.
Segue a carta dos
estudantes Guarani e Kaiowa dos cursos de ciências sociais e história. As
informações contidas na carta foram recebidas por pessoas que estavam no
acampamento na hora do massacre. Peço, por gentileza, que ajudem na divulgação
para que possamos agregar mais gente na luta contra a violência contra os povos
indígenas.
Por volta das seis
horas chegaram os pistoleiros. Os homens entraram em fila já chamando pelo
Nísio. Eles falavam segura o Nísio, segura o Nísio. Quando Nísio é visto,
recebe o primeiro tiro na garganta e com isso seu corpo começou tremer. Em
seguida levou mais um tiro no peito e na perna. O neto pequeno de Nísio viu o
avô no chão e correu para agarrar o avô. Com isso um pistoleiro veio e começou
a bater no rosto de Nísio com a arma.
Mais duas pessoas foram assassinadas. Alguns
outros receberam tiros mas sobreviveram. Atiraram com balas de borracha também.
As pessoas gritavam e corriam de um lado para o outro tentando fugir e se
esconder no mato. As pessoas se jogavam de um barranco que tem no acampamento.
Um rapaz que foi atingido por um tiro de borracha se jogou no barranco e
quebrou a perna. Ele não conseguiu fugir junto com os outros então tiveram que
esconder ele embaixo de galhos de árvore para que ele não fosse morto.
Outro rapaz se
escondeu em cima de uma árvore e foi ele que me ligou para me contar o que
tinha acontecido. Ele contou logo em seguida. Ele ligou chorando muito. Ele
contou que chutaram o corpo de Nísio para ver se ele estava morto e ainda deram
mais um tiro para garantir que a liderança estava morta. Ergueram o corpo dele
e jogaram na caçamba da caminhonete levando o corpo dele embora.
Nós estamos aqui
reunidos para pedir união e justiça neste momento.
Afinal, o que é o
índio para a sociedade brasileira?
Vemos hoje os
direitos humanos, a defesa do meio ambiente, dos animais. Mas e as populações
indígenas, como vem sendo tratadas?
As pessoas que
fizeram isso conhecem as leis, sabem de direitos, sabem como deve ser feita a
demarcação da terra indígena, sabem que isso é feito na justiça. Então porque
eles fazem isso? Eles estão acima da lei?
O estado do Mato
Grosso do Sul é um dos últimos estados do Brasil mas é o primeiro em violência
contra os povos indígenas. É o estado que mais mata a população indígena.
Parece que o nazismo está presente aqui. Parece que o Mato Grosso do Sul se
tornou um campo de fuzilamento dos povos indígenas. Prova disso é a execução do
Nísio. Quando não matam assim matam por atropelamento. Nós podemos dizer que o
estado, os políticos e a sociedade são cúmplices dessa violência quando eles
não falam nada, quando não fazem nada para isso mudar. Os índios se tornaram os
novos judeus.
E onde estão nossos
direitos, os direitos humanos, a própria constituição? E nós estamos aí sujeito
a essa violência. Os índios vivem com medo, medo de morrer. Mas isso não
aquieta a luta pela demarcação das terras indígenas. Porque Ñandejara está do
lado do bom e com certeza quem faz a justiça final é ele. Se a justiça da terra
não funcionar a justiça de deus vai funcionar.
Estudantes
Guarani e Kaiowá dos cursos de ciências sociais e história e moradores da
aldeia de Amambaí.
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