Holandesa, ex-professora
de inglês, rebelde conta como decidiu entrar para a organização e vê futuro das
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia como movimento político.
Já se passaram três meses desde que insurgentes das Farc (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia) e representantes do governo colombiano sentaram em
Havana para iniciar negociações de paz – a primeira tentativa em
uma década de pôr fim ao longo conflito na Colômbia por meio do diálogo.
O governo tenta assegurar um fim histórico para o conflito até novembro,
enquanto os líderes das Farc buscam um acordo palatável aos militantes que
ainda estão na selva. No meio disso tudo, está uma holandesa de classe média que chegou à
Colômbia nos anos 1990 para ensinar inglês e acabou se tornando uma militante
das Farc.
As Farc devem esperar que a inclusão de Tanja Nijmeijer – uma atraente
mulher de 34 anos, com educação de nível universitário e um espanhol e um
francês praticamente perfeitos – nas negociações de paz ajude a melhorar a
imagem do grupo.
O governo
colombiano tentou vetar sua participação. Mas a guerrilheira holandesa é um dos
10 membros das Farc com um lugar na mesa de negociações, e oferece um retrato
da insurgência neste momento crítico.
Professor
Tanja disse à BBC
que não sabia "nada sobre a guerra ou a guerrilha" quando visitou a
Colômbia pela primeira vez, em 1998, ainda como estudante. Naquela época, a
insurgência estava em seu ponto alto militarmente.
A holandesa ficou
sabendo sobre o conflito enquanto assistia à televisão local para melhorar seu
espanhol. Ela começou a fazer perguntas, e foi gradualmente se radicalizando,
sob a influência de um professor, que mais tarde revelou ser um militante das
Farc.
O professor a levou
para as favelas da cidade e falou da luta por "justiça social" em um
país com profundas desigualdades. "Eu vi a pobreza e fiquei muito
impressionada com aquilo. Eu comecei a questionar o sistema capitalista, tudo
ao meu redor", relembra.
Violência
Quatro anos depois,
ela voltou ao país "para ver como aquelas pessoas iriam mudar a
sociedade", mas logo sentiu-se compelida a se envolver ativamente. Nessa
época, as Farc já haviam sido rotuladas como grupo terrorista pelos EUA e pela
União Europeia.
"Trabalhar
para as Farc significava instalar bombas", Tanja disse em um filme feito
em 2010 na selva colombiana. Ele acrescentou que o grupo iria "explodir
ônibus e lojas".
Desde então ela foi
indiciada por um tribunal colombiano por ataques a uma estação de polícia, à
rede de ônibus de Bogotá e a vários depósitos. Um tribunal nos EUA pede até 60
anos de prisão para Tanja por seu papel no sequestro de três cidadãos
americanos, que foram mantidos reféns por cinco anos.
"Sou membro de
um movimento armado" é a única resposta que ela dá quando questionada
sobre sua participação direta em atos de violência.
Ela fica impaciente
diante de perguntas que questionam seus motivos. "Eu não escolhi usar a
violência, eu escolhi fazer política em um país onde fazer política implica no
uso da violência", diz Tanja.
Malcolm Deas, um
acadêmico e observador do conflito colombiano há muito tempo, afirma: "O
argumento de que você precisa pegar em armas simplesmente não é o caso".
"Como você pode dizer que a esquerda não tem nenhuma perspectiva no país
se três dos últimos prefeitos de Bogotá eram de esquerda?", questiona.
Vítimas
ou agressores?
Assim como todos os
delegados das Farc nas negociações em Cuba, Tanja retrata os guerrilheiros como
vítimas de uma guerra sombria, e não como agressores. Os fundadores das Farc
emergiram de uma comuna dissolvida pelos militares em 1964.
Tanja cita ainda
uma curta trégua nos anos 1980, quando mais de 2 mil candidatos eleitorais
apoiados pelas Farc foram assassinados. As Farc chegam a este mais recente
processo de paz muito fragilizadas militarmente.
Em 2002, na mesma
época em que Tanja se juntava às fileiras das Farc, o então presidente Álvaro
Uribe (2002-2010) lançou uma grande ofensiva militar contra os insurgentes.
Três dos altos comandantes das Farc foram mortos, e Malcolm Deas diz que agora
as Farc estão negociando "por uma fatia da ação política".
Tanja ressalta que
a representação política é "muito importante" para as Farc, assim
como garantias de que qualquer acordo obtido nas negociações de paz seja
totalmente implementado. Enquanto ela fala, é possível vislumbrar traços da
ex-professora: quando ela ri de suas dúvidas em inglês ou fala de longas
conversas telefônicas com sua família no país natal.
Ela escolheu um
visual muito feminino para a entrevista, distante das roupas militares que
costuma vestir. Dezenas de milhares de pessoas foram mortas e milhões
desalojadas no longo conflito colombiano. Tanja não demonstra arrependimento
por seu papel no conflito. "Há vítimas depois de mais de 48 anos de
guerra. É por isso que estamos falando de paz agora", diz.
Talvez essa rigidez
tenha nascido da necessidade.
Em 2007, seu diário
foi descoberto por soldados colombianos em um ataque a um campo rebelde, e
trechos divulgados zombavam dos privilégios garantidos aos líderes das Farc e
questionavam sua decisão de se unir à insurgência. No entanto, a guerrilheira
holandesa disse mais tarde que suas declarações foram distorcidas.
Fervor
Cinco anos depois,
ela fala da vida de militante em termos elogiosos e diz que se "realizou
como mulher". "Nas Farc não há debate, se você quer sobreviver, você
entra na linha e segues as ordens", diz Deas.
Ele sugere que, depois de tanto tempo na selva, Tanja "convenceu a
si mesma de que ( as Farc ) são
"adoráveis" e de que ela "estava certa". Tanja claramente
não está acostumada a ter suas opiniões questionadas. Ela se inquieta diante do
termo "terrorista", e diz que concordou com uma entrevista – não com
um julgamento.
Seu fervor mostra
como as negociações de paz serão complexas. Mas para todos os militantes, elas
são a única saída da selva possível neste momento. "Eu iria à Holanda, mas
somente por algumas semanas", diz Tanja sobre seus planos caso a paz seja
alcançada algum dia.
Mas logo ela quer estar de volta à
Colômbia, com as Farc. "Nós poderíamos continuar como um movimento
político", diz ela, sobre o futuro do grupo. "Nós poderíamos começar
a lutar por nossas ideias sem rifles."
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