terça-feira, fevereiro 04, 2014

RELATÓRIO MEDICO. PACIENTE BRASIL


Victor Mendonça Neva
Paciente hidratado com fartura por uma infinidade de rios e pelo enorme contato com o oceano,

sempre corado porque tropical e muito bem nutrido de tudo que a natureza pode oferecer.

Apesar disso, definitivamente, não se apresenta nem lúcido e muito menos orientado. Demonstra

sinais de um profundo conflito interno, com sinais de confusão mental e até de automutilação.

A parte de sua vestimenta verde possui clarões com manchas de sangue demonstrando que o

paciente possivelmente se corta, bem como há discrepâncias notórias entre a apresentação de

joias caríssimas e sinais de desnutrição, manifestada no desgaste muscular, além de apresentar

pés descalços e mãos calejadas.

Quanto ao histórico clínico, o paciente apresenta sintomas de esquizofrenia, possivelmente

originada já em sua concepção, caracterizada por rompantes de duas personalidades bem

distintas. Inicialmente relacionada a problemas nutricionais, quando se notabilizou a expressão

Belíndia, com uma parte bem alimentada como a Bélgica, e outra faminta como a Índia, o fato

é que atribuir à falta de alimentos ou de recursos esta característica é uma estupidez, eis que

absolutamente incompatível com a fartura que a Providência lhe proporcionou.

Assim é evidente que a existência de carestia é decorrência de um problema psíquico, e

não o problema psíquico derivado da carestia. Há duas personalidades no paciente em claro

conflito. A primeira, considerada Dona do Poder por Raimundo Faoro, aristocrática, derivada

da corte que aqui chegou, tem sinais inequívocos de psicopatia e alienação mental e só vê

as potencialidades brasileiras como matéria prima para reprodução de modelos estrangeiros,

inicialmente português e após inglês, francês e hoje norte-americano. A psicopatia se verifica em

surtos de agressividade, o que é possivelmente a causa da automutilação.

 A segunda, tolhida dos recursos pela primeira e, portanto pobre, é de doçura, determinação e

inteligência raras. Acostumada a tirar leite de pedra, fez no sertão, nos cortiços e na favela uma

das mais belas e genuínas culturas do mundo. Como exemplo, temos o samba, o xote, o frevo,.

A esquizofrenia passou por dois tratamentos significativos em seu passado. O primeiro bastante

duro e agressivo, com revoltas e ditadura, chamada de Estado Novo, possibilitou alguma

destinação de recursos para os órgãos mantidos pela segunda personalidade, bem como

alguma reconstrução de auto-estima, trazendo um quê de nacionalismo para quem se sentia

sempre aquém dos modelos espelho. Apesar disso, teve como efeitos colaterais a restrição ao

desenvolvimento cultural, a legitimação de parte da opressão e a radicalização de parte dos

órgãos mantidos pela primeira personalidade.

A segunda fase do tratamento foi democrática, com o aprofundamento do desenvolvimento

oferecido pela primeira, a constituição de instituições e partidos, além da abertura cultura e de

liberdade de expressão que viabilização a sua melhor manutenção a convivência de algum

diálogo entre as duas personalidades. O tratamento, em suas duas fases reduziu os sintomas de

esquizofrenia e viabilizou o melhor aproveitamento de suas maravilhosas potencialidades.

De fato, iniciado o trabalho dos órgãos da primeira personalidade de maneira mais rústica,

até mesmo pela carestia que lhes era inerente, com a melhor distribuição dos recursos, se viu

melhor nutrido, e, com o diálogo e a convivência, puderam trocar experiências. Daí surgem os

chamados anos dourados e algumas das mais belas e até rebuscadas manifestações culturais

que ele pôde produzir, como a Bossa Nova, a arquitetura modernista de Niemeyer e Lúcio Costa

Além disso, do ponto de vista intelectual e político, passou-se à elaboração de projetos de

vanguarda de educação, desenvolvimento, erradicação da fome e democratização, bem como

à ocupação do sertão em um país que vivia apenas com parte de seus recursos materiais

Ocorre que o não tratamento adequado dos efeitos colaterais da primeira fase do tratamento e

das inatas características psicopáticas da primeira personalidade, mantendo-os no controle de a

maior fonte dos recursos, que é a terra, parte do sistema nervoso (a comunicação), as reservas

de gordura e, pior de tudo, o sistema imunológico (os milicos) ocasionou o surto. Se sentiram no

Direito de assumir de novo todo o controle do paciente e o levaram a um profundo trauma.

O trauma foi caracterizado por um grave movimento de rotação que, embora não se possa

confirmar pela impossibilidade de se proceder à ressonância magnética, indica a existência

de lesão axional difusa, principalmente no hemisfério direito do cérebro, responsável pelos

movimentos do lado esquerdo e pela rima, ritmo, música, pintura, imaginação, imagens, modelos

Para que os leigos entendam, Lesão Axional Difusa (LAS) é o rompimento da comunicação

dos neurônios no cérebro causado por um movimento rotacional abrupto do crânio. É como um

mal contato ou a desconexão dos cabos. Em casos muito graves, transforma o paciente em um

vegetal, mas em casos menores pode justificar demência, perda de equilíbro (ataxia). É como se

A consequência no paciente foi o hiperdimensionamento da outra área para compensar a

perda momentânea da outra, o agravamento da agressividade, com a quase paralisação das

manifestações culturais e o domínio de todo o corpo pelo viés psicopático.

Como o paciente é muito forte e, parte dele, acostumada a progredir em condições inóspitas, já

superou em parte o pior desta característica, mas parece que o lado afetado pela (LAS) também

passou a incorporar parte de agressividade, não abandonada pela outra, o que incrementou a

disputa pelo corpo entre as duas personalidades, talvez daí as manchas de sangue.

A se manter esta dinâmica a tendência é uma certa paralização do paciente, podendo, de fato,

se tornar catatônico perante os fatos do mundo e da realidade, gastando toda a energia que lhe

resta nesta batalha interna pelo seu domínio.

O problema é que a instituições e o sistema nervoso, após o trauma, responsáveis pela

viabilização do diálogo e da possível superação da esquizofrenia, após o trauma, passaram a

sofrer de carência dos componentes de república e democracia para o seu funcionamento. O

executivo foi fracionado e tem como alternativa o aparelhamento para se manter. O Legislativo

tornou-se fundamentalmente fisiológico e é incapaz de discutir um projeto de nação, eis que os

os partidos hoje existentes sequer se propõe a este desafio.

E o pior e o Judiciário, sequer percebeu que o trauma passou e que é hora de mediar conflitos e

promover os valores da democracia e dos direitos humanos. Está formado por uma infinidade de

corporações que vivem a lógica do “farinha pouca, meu pirão primeiro” e perdem mais a caça de

recursos, sem perceber que o seu volume de colesterol já está a entupir suas veias.

De fato, o risco de isquemia ou derrame é iminente em virtude de sua falta de circulação

dos nutrientes democráticos. A resposta dada tem sido cada vez mais refratária à cidadania.

Atualmente aquele que deveria ser o mediador e arbitro dos conflitos da sociedade sequer

se sente obrigado a ouvir os argumentos das partes, bastando apenas que encontre um

silogismo que confirme a sua pré-compreensão para dar o assunto encerrado. Além disso, tem

amesquinhado o valor da honra e do foro íntimo das pessoas, compensando o aviltamento dos

valores mais relevantes de uma sociedade a migalhas, cada vez menores. E, como se não

bastasse, sequer se sente compromissado em uma solução célere.

Como o paciente é forte e percebeu o problema circulatório, procurou um cardiologista que

procurou colocar um stent aonde o entupimento era maior, chamado de Conselho Nacional de

Justiça, tratando apenas o sintoma e não a causa. Mas ele veio com defeito de fabricação, eis

que composto majoritariamente por setores do problema e com muitas limitações para atuar.

Assim, apenas retardou o agravamento da doença. Houve alguns sucessos com relação ao

direito de saúde das células tronco, mas, apesar, disso, esbarrou em problemas estruturais que

impedem até mesmo a realização plena desta demanda.

Como resultado, o paciente como um todo, já está fazendo de tudo para contorná-lo. Cria

procedimentos extrajudiciais de resolução e conflitos. As células-cidadãs para resolver os seus

problemas de união ou os decorrentes de seu falecimento fazem de tudo para não procurá-

lo. A compra de moradia já é regulamentada por procedimento que pode rescindir o contrato

sem passar por ele. Até os órgãos de governo, se o problema não tiver significativa relevância,

preferem deixar de lado a cobrança, ou sujar o nome da célula-cidadão.

Outro efeito é que, como esta instituição não dá resposta aos anseios da sociedade, gerando

uma situação de impunidade e de insegurança negocial, não se difere mais células-cidadãs

boas e doentes de moral, fazendo com que, a cada negócio firmado, aumente o número de

exigências documentais e etapas burocráticas para evitar que se tenha que recorrer ao Judiciário

ou que, caso por fatalidade não tenha como evita-lo, tenha reduzidas o volume de incerteza e

imprevisibilidade cada vez maior que lhe aflige.

Toda esta dinâmica agrava a tensão, a agressividade e a virulência do paciente, aprofundando

sensivelmente o seu conflito interno. Se não houver tratamento específico para este problema, é

pouco provável que o prognóstico se torne favorável.

Assim, tem-se como hipótese diagnóstica a esquizofrenia agravada por Lesão Axional Difusa e

carência de Justiçol, que tem como componentes os princípios republicano de democrático, além

de justiça social. Os originais, não os genéricos ou similares.

Como tratamento, recomenda-se ao paciente o controle do conflito por respeito mútuo, mesmo

que às custas de eventual dopagem, bem como o tratamento com Justiçol pelas vias venosa,

oral e até em supositório. Já para o problema Judicial, prescreve-se, além disso, o uso de

semancol no limite máximo possível, tomando-se apenas o cuidado para evitar overdose e não

com os demais efeitos colaterais não letais.

Prognóstico: caso seguido à risca o tratamento, o prognóstico é extremamente favorável,

tornando o paciente uma grande nação. Caso contrário, pode leva-lo ao suicídio.

Victor Neiva

(sem registro e em inequívoco exercício irregular da profissão)

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