quinta-feira, maio 21, 2009

Reflexões sobre a Guerrilha!

DE CONFRONTOS E EXTREMOS



En Passant: Pablo Emmanuel



Há uma passagem no “Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano”, escrito por Marighella, que certamente tenha tido sua base nas observações de Che, em seu livro “A Guerra de Guerrilhas”, que, aliás, é interessante do ponto de vista estratégico, segundo as experiências de Guevara na revolução cubana.


Discorre sobre como provocar uma ditadura até que ela monte um extenso aparato de repressão sobre a sociedade, a fim de que esta se volte contra o governo por se sentir alijada de garantias fundamentais. Assim, como afirma Che, a ditadura se desmascara, mostra-se como ela é. O que vem a gerar um descontentamento popular que poderia auxiliar as operações da guerrilha.

O general Médici, que, conforme muge o cabo Anselmo, era um “bonachão”, teve a perspicácia de manter a violência e, ao mesmo tempo, acelerar o desenvolvimento dependente e antinacionalista da economia, baseado na oferta de bens de consumo duráveis. Com a copa de 70, estava tudo perfeito. A anestesia para o povo foi daquela de deixá-lo praticamente em coma.


Durante a guerrilha urbana, ninguém da favela se levantou, preferindo a malandragem do samba na esquina, onde até uma caixinha de fósforos servia de percussão. O proletário estava com sono.

A classe média queria dirigir um Maverick e ver TV a cores.


E pronto.

Com a mídia amarrada, o governo lançou uma campanha terrível e eficiente de aniquilação moral da esquerda armada. Enquanto isto, braços paramilitares do Poder Executivo cometiam crimes tão brutais quanto as SS nazistas.


Não vivi aquele tempo, embora tenha nascido durante os eventos mais dramáticos, mas me arrisco a um palpite.

Talvez se, a partir de 1970, toda a guerrilha urbana se desmobilizasse das cidades para se infiltrar nas selvas do país, poderia formar um corpo muito maior e mais coeso do que o composto dentro das cidades, onde a luta era mais difícil e compartimentada.


Por outro lado, a guerrilha não dispunha de armamento de longo alcance. Para combate em selva, o fuzil é imprescindível. Um bom fuzil. Onde estava a Mãe Rússia que não mandou para os guerrilheiros do Brasil seus maravilhosos Kalashnikovs? Que conspiração comunista era essa afinal, em que os supostos principais interessados na posse do Brasil, que seriam os soviéticos, segundo a acusação de muitos na época, não se moviam um centímetro?

Dentro da cidade, eu concordo com o que disse Marighella sobre o uso de pistolas, revólveres e pequenas metralhadoras, enfim, armas curtas para ações rápidas.


Seria preciso assaltar pelo menos uns 20 quartéis no país para levar a fuzilaria toda, granadas, morteiros etc. Isso estava fora de cogitação, ainda mais depois que Lamarca deu um chão no arsenal de um regimento em Osasco. A vigilância se tornou implacável.

O pessoal da rede urbana talvez não tivesse condições para empreender longas marchas dentro das selvas, movimentar-se com rapidez. Talvez não tivéssemos a astúcia dos vietnamitas, por exemplo, que colocavam a resistência total como o princípio básico da sobrevivência dentro das matas, numa desenvoltura impressionante que tornou lendária a tática de guerras daquele povo.


Sei lá. Provavelmente, as Forças Armadas utilizariam bombas de fragmentação e NAPALM à larga se todas as guerrilhas fossem concentradas na Amazônia, sobretudo se Lamarca estivesse por lá, treinando militantes e camponeses que quisessem engajamento.

Segundo a tática maoísta, as cidades deveriam ser esmagadas por um cinturão formado pela guerrilha popular, sufocando, estrangulando, atacando os meios de comunicação. No Brasil não tinha gente o bastante para isto. Como arrebanhar da noite para o dia um jeca-tatu que está lá nos rincões fumando a palhinha dele, com as unhas pretas de terra e as mãos grossas como lixas?


A teimosia e a lamentável mania que a esquerda tinha de acusar outros grupos disto ou daquilo, fazendo juízos entre certos e errados, de modo dogmático, atomizavam seu aparato ideológico e militar. Havia vários raciocínios para um só objetivo, que nunca é alcançado quando um raciocínio se ocupa da destruição de um outro.

Imagino outra hipótese: a da participação armada dos trotskistas, se estivessem a fim mesmo. Na verdade, eles se abstiveram. Como seria a relação entre a linha de frente treinada em Cuba e o pessoal de Trotsky?


Eu quase tenho certeza de que, no final, os trotskistas seriam acusados pela derrota da esquerda e terminariam mortos como fizeram os comunistas contra os anarquistas na guerra contra Franco. Um banho de sangue entre as Brigadas Internacionais em uma das mais belas páginas da história da humanidade. Que desgraça!

Ramon Mercader, bandido stalinista que rachou a cabeça do velho judeu no México, por ordem do crapuloso Big Brother, terminou seus dias na ilha, sob a égide de Fidel. Provavelmente, trotskista não seria gente bem-vinda para o combate, de tal forma que esta facção se limitou a lutar através de jornais clandestinos, até criticando quem estava no combate aberto.


Alguns acusavam a ALN, por exemplo, de cair num tipo de terrorismo vulgar, de desvinculação das massas trabalhadoras, de lutar sem elas etc.

[Por falar na ALN, recordo-me da entrevista do infame cabo Anselmo que defende a tese segundo a qual o grupo de Marighella nada mais era do que o braço armado do PCB; que o Partidão não tinha ficado “neutro” na luta e que o rompimento de Marighella com o partido através daquela famosa carta era tudo farsa para que o PCB ficasse intacto e a ALN pudesse descer a madeira...]


Não há como intuir sobre o passado.

Ninguém sabe que rumo tomaria a luta armada se ela fosse essencialmente rural, sem braços nas cidades, onde ninguém quis se levantar para aderir.


De minha parte, eu não sei como procederia se vivo fosse naquelas condições. Acredito que não teria a energia [nervosa] necessária para enfrentar aquele aparato todo. Tenho respeito por aqueles que tiveram essa energia e morreram.

Reflito sobre a possibilidade de revolução, que acho ser remota aqui no Brasil, quase impossível, mesmo via eleições. Não sei até que ponto um companheiro meu não estaria disposto a me matar somente porque discordei de alguns questionamentos que foram lançados. Não sei até que ponto estaria seguro ao lado de alguém que só seria meu amigo enquanto pensasse politicamente como eu.


Eu sou comunista, não cultivo valores absolutos do stalinismo nem do trotskismo, e entendo ser melhor morrer ao lado de homens que são justos do que tomar um chão pela injustiça de um camarada de armas.

É uma honra aceitar esse tipo de morte. Porque, a rigor, a luta só é justa enquanto der combate às injustiças.


Os danos psicológicos do passado permanecem até hoje, para nossa desgraça.

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