Marighella e a religião
Dia 5 de dezembro marca o centenário de nascimento de Carlos Marighella, assassinado durante o regime militar. Importante dirigente do Partido Comunista, ele foi deputado constituinte em 1946. Na sessão do dia 4 de julho daquele ano, quando estava em discussão a liberdade de culto no país, o parlamentar baiano fez um longo pronunciamento, publicado depois pela revista Problemas com o título “A Religião, o Estado, a Família”. Em modesta homenagem a esse herói brasileiro, que dedicou a vida à causa do socialismo e do progresso, reproduzo trechos do discurso:
Hoje, coube-me a honra de debater, em nome da minha bancada, o ponto a que acabo de referir-me — a separação da Igreja do Estado.
Assim como nem sempre existiu união da Igreja com o Estado, nem a sua separação, é necessário acentuar que o Estado também nem sempre existiu. É que o Estado não é senão a resultante dos antagonismos de classes; e, mais, é a instituição que visa refrear esses mesmos antagonismos. Como instrumento de domínio de classes, tem ele de valer-se de todos os meios para impor a vontade das classes dominantes sobre as dominadas.
Imposto, polícia, cadeia, tribunal, são como que os quatro pontos cardeais do Estado, instrumento de dominação de classes. E não deixa, também, de valer-se de um outro meio, exatamente a religião.
Lenin afirmava — e tenho de citar Lenin porque estou fazendo a demonstração de uma tese materialista-dialética: "A religião é um aspecto da opressão espiritual que pesa sempre e por toda a parte sobre as massas populares submetidas pelo trabalho perpétuo em proveito de outrem, pela miséria e a solidão. A fé em uma vida melhor, no além, nasce, inevitavelmente, da impotência das classes exploradas contra os exploradores tanto quanto a crença nas divindades, nos diabos, nos milagres etc. . . nasce da impotência do selvagem em luta contra a natureza".
Quer dizer: a religião adormece, a religião faz que os explorados não se possam erguer contra os seus exploradores, a não ser quando se tornam cientes da própria exploração e adquirem a consciência da classe. Mas, assim como a religião era utilizada pelo Estado, a Igreja o foi. O mesmo aconteceu com o Cristianismo. Entretanto, como a tese que procuro demonstrar é de que o Estado nem sempre se tem mantido ligado à Igreja e à religião, faz-se mister, no estudo do início do Cristianismo, observar que este representou uma religião de deserdados, de escravos e, por isso mesmo, se opôs ao Estado durante muito tempo.
Era de Kautsky, ao tempo em que era marxista, a seguinte interpretação: "A igreja cristã tem sido uma organização de domínio, ora no interesse de seus próprios dignitários, ora no interesse dos dignitários de outra organização, o Estado, onde este conseguiu obter o controle da igreja. Quem batesse estes poderes teria também que bater a Igreja. A luta pela Igreja, bem como a luta contra a Igreja, tem sido, por conseguinte, uma causa de partido, à qual se acham ligados os mais importantes interesses econômicos".
Nós, comunistas, sabemos respeitar as religiões; somos pela liberdade completa de consciência e não desejamos, de forma alguma, que essa liberdade seja utilizada pelos dominadores, pelos fascistas, pelos reacionários, pelos senhores feudais para acorrentar o nosso povo, miseravelmente, como o têm feito.
Não combatemos religiões, porque não seria útil, proveitoso, nem mesmo científico, visto como a religião só desaparecerá quando desaparecerem os antagonismos de classe. É necessário compreender que, hoje, todo o povo sofre sem que seus dominadores se lembrem de procurar ver se os que estão sendo explorados são católicos, positivistas, teosofistas, ateus, ou pertencem a qualquer outro credo religioso. O patrão, capitalista explorador, não paga melhor salário a seus operários, porque se trata de um católico se a religião desse patrão antiprogressista é a católica. O sistema de exploração é o mesmo. A única divisão que se pode fazer no seio da sociedade é realmente entre os explorados e os exploradores.
Daí, Senhores Constituintes, a posição do Partido Comunista em querer lutar, com todas as forças da Democracia, como Partido democrata que é, para garantir, no Brasil, a liberdade de consciência, respeitando-se todos os credos, fazendo que se não estabeleça privilégio de um credo sobre os demais, ou não se recorra a essa situação, no sentido de impedir a liberdade democrática e acorrentar mais ainda a nossa gente.
Assim, Sr. Presidente, dentro de nossa tese materialista dialética, interpretamos a separação entre a Igreja e o Estado não considerando de maneira alguma entre eles união eterna, mas vendo tudo em movimento e ligando sempre esses fenômenos às condições materiais de vida, às relações de produção, porque religião não é coisa que tenha proporcionado a existência do homem e, sim, porque a vida deste é que faz a religião. Quanto ao Estado, como nem sempre existiu, também não poderia ser dado aqui como coisa estática que tivesse sua existência sempre ligada à Igreja ou à religião.
Se marchamos para a democracia, se estamos sinceramente devotados a respeitar a opinião de nosso povo e acatar a realidade, é preciso considerar que a liquidação do monopólio da terra é o primeiro passo para chegarmos à democracia a que aspiramos. Mas também não existirá democracia, em hipótese nenhuma, sem a liberdade de culto, sem o casamento civil — casamento civil sem nenhuma intromissão da religião, — sem o ensino leigo e sem o divórcio.
Carlos Pompe. Jornalista, comunista revolucionario e curioso do Mundo!!
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