Heine, o poeta que
Marx queria na bagagem
Heinrich Heine,
por Charles Gleyre, em 1851
Há 215 anos, em 13 de dezembro de 1797, nasceu em
Düsseldorf, Christian Johann Heinrich Heine. Considerado um dos maiores poetas
do século XIX, Heine teve grande influência também no Brasil. Foi traduzido, do
alemão, por Gonçalves Dias e Francisco Adolfo de Varnhagen – outras traduções
de seus escritos, como as Machado de Assis (que depois aprendeu alemão e também
traduziu a partir dos originais) e Álvares de Azevedo, foram feitas a partir de
traduções francesas.
No século passado, Manuel Bandeira, Geir Campos, Augusto
Meyer e Décio Pignatari, dentre outros, traduziram, do alemão, alguns poemas
seus. Castro Alves escreveu Navio Negreiro, em 1868, inspirado no poema
homônimo de Heine, escrito em 1853, e usou um texto de Heine como epígrafe de
seu livro Os Escravos, onde o alemão ordenou: “Porém uma espada deveis colocar
sobre meu caixão; pois fui um bravo soldado na guerra de libertação da
humanidade”.
É ao Navio Negreiro que o personagem de Memorial de Aires,
de Machado de Assis, refere-se quando narra o dia da aprovação da Lei Áurea:
“Ainda bem que acabamos com isto. Era tempo. Embora queimemos todas as leis,
decretos e avisos, não poderemos acabar com os atos particulares, escrituras e
inventários, nem apagar a instituição da história, ou até da poesia. A poesia
falará dela, particularmente naqueles versos de Heine, em que o nosso nome está
perpétuo. Neles conta o capitão do navio negreiro haver deixado trezentos
negros no Rio de Janeiro, onde ‘a casa Gonçalves Pereira’ lhe pagou cem ducados
por peça. Não importa que o poeta corrompa o nome do comprador e lhe chame
Gonzales Perreiro; foi a rima ou a sua má pronúncia que o levou a isso. Também
não temos ducados, mas aí foi o vendedor que trocou na sua língua o dinheiro do
comprador”.
No ano passado, André Vallias traduziu, “com alta qualidade
estética”, na opinião de Augusto de Campos, 120 poemas e os publicou pela Perspectiva com o título
Heine, Hein? Poeta dos Contrários. O livro traz também informações sobre a vida
e a obra do alemão, inclusive esta passagem sobre o encontro com os
recém-casados Jenny e Karl Marx, na França: “A identificação foi imediata, e
este logo estaria frequentando a residência do jovem casal, e contribuindo com
poemas para as publicações de Marx e de seus colaboradores, em Paris: os
Cadernos Franco-Alemães, primeiramente, e depois o jornal Avante!, onde
sairiam, em primeira mão, alguns de seus poemas políticos mais famosos, como
‘Ratos Retirantes’, ‘Miserê’, ‘Lenda do Castelo’, ‘Esperem Só’ e ‘Os Tecelões
da Silésia’. Este último, inspirado numa greve violentamente reprimida, foi
distribuído como panfleto aos milhares, na região do incidente, e virou um dos
hinos mais populares do movimento operário internacional, graças à tradução
para inglês feita por Friedrich Engels. Quando o jornal Avante! foi embargado,
por exigência do governo prussiano, e seus diretores expulsos da França, Marx
se despediu do poeta com estas palavras saudosas: ‘De tudo, em pessoas, que
aqui eu deixo, a herança heineana é a que mais me aflige. Como gostaria de
colocá-lo em minha bagagem’”.
Auguste Cornu, na biografia que escreveu de Marx e Engels,
diz que Marx era um dos conselheiros de Heine. Mas a influência era recíproca. Quando escreveu, na Crítica da Filosofia
de Direito de Hegel (1843), que “a religião é o ópio do povo”, Marx ecoava o
escrito de Heine em Ludwig Börne (1840): “Bendita seja uma religião que derrama
no amargo cálice da humanidade sofredora algumas doces e soporíferas gotas de
ópio espiritual, algumas gotas de amor, fé e esperança”.
Heine foi aluno, dentre outros, do
filósofo Georg Hegel, conviveu com Balzac, Dumas, Chopin, Liszt. Foi o primeiro
a chamar a atenção para o caráter revolucionário da filosofia clássica alemã,
incluída a dialética de Hegel. Para ele, a história da filosofia é a história
da luta entre o espiritualismo, que ele combatia, e o sensualismo, ao qual
aderiu, conforme registrou em Contribuição à História da Religião e da Filosofia
na Alemanha (1834). Nesse livro, vincula a crítica da religião e do idealismo
com a luta contra o feudalismo, a monarquia e o espírito burguês vulgar e
estreito. Em A Escola Romântica (1836), tratou o Renascimento como rebelião
contra a concepção medieval do mundo: “É possível que os pintores da Itália
hajam polemizado com o clero com mais eficácia que os teólogos saxões. A carne
que floresce nas pinturas de Tiziano é toda protestantismo. As costas de sua
Vênus são teses muito mais sólidas que as que foram pregadas pelo frei alemão”
(refere-se a Lutero) “no portal de Wittenberg”.
Heine trocou a
Alemanha por Paris em 1831, buscando maior liberdade de espressão. Na Alemanha
era tido como subversivo e censurado. Escreveu sobre a censura, na tragédia Almansor
(1821):
Foi só o
prelúdio; onde queima livros,
No final, também
hão de queimar homens.
Criticou assim a abordagem da lírica romântica do século
XIX, impotente diante das injustiças sociais: “Oh, mundo formoso: sois
repugnante.” Para ele, o futuro da humanidade está ligado à realização do
direito das massas populares à satisfação de suas necessidades e interesses
materiais. “O pensamento vai à frente da ação, como o raio do trovão”,
escreveu.
Polemizou com os “grandes filósofos alemães”: “... queiram
eles levar em conta que o pouco que digo é completamente claro e inteligível,
enquanto as suas obras, ainda que tão fundamentadas, incomensuravelmente
fundamentadas, tão profundas, estupendamente profundas, são incompreensíveis.
Do que vale ao povo o celeiro para o qual não tem a chave? O povo está faminto
de saber, e agradece o pedacinho de pão do espírito que partilho com ele
honestamente”.
Morreu em Paris, em 17 de fevereiro de 1856, devido às
dosagens excessivas de morfina que usava para combater a sífilis. Partilhemos e
compartilhemos generosamente sua obra e seus ideais.
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