Senado
homenageia o Rei do Baião
Foto- Waldemir Barreto/Agência Senado
Carlos Pompe*
No
dia 3, o Senado realizou sessão comemorativa do centenário do cantor,
compositor e músico Luiz Gonzaga, por proposta do senador Inácio Arruda
(PCdoB-CE). Participaram da homenagem o sanfoneiro Chambinho do Acordeon, que
faz o papel de Luiz Gonzaga no filme a ele dedicado; cantor João Cláudio
Moreno, do Piauí, e o cantor cearense Fagner (na foto, com os senadores
Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), Cristovam Buarque (PDT-DF) e Inácio Arruda, que
fez o pronunciamento sobre a vida e obra de Gonzagão, que reproduzo a seguir:
Estamos aqui,
neste Senado da República, hoje, para homenagear um rei. Rei de primeira
grandeza da arte que a nossa nação produz, Luiz Gonzaga do Nascimento, o Rei do
Baião, esse que é o principal gênero da música popular brasileira, depois do
samba.
Setembro passou, com oitubro e novembro
Já tamo em dezembro.
Meu Deus, que é de nós?
Assim fala o pobre do seco Nordeste,
Com medo da peste,
Da fome feroz.
Assim cantou
Luiz Gonzaga a música do cearense Patativa do Assaré, contando a todo o Brasil
a saga dos nordestinos fugindo da seca que tantos sacrifícios nos impõe – seca
que vivemos agora também, neste dezembro do centenário do Gonzagão, a maior
seca dos últimos quarenta anos! A seca terrível, que tudo devora. A voz forte de Gonzaga ainda ecoa,
dirigindo-se para as autoridades, para denunciar o descaso, a burocracia que
seguram e impedem a velocidade na ajuda ao povo do Nordeste. O centenário
ocorre diante de mais uma tragédia, fruto da ação da natureza para a qual o
homem, com toda a ciência, ainda não achou uma solução. Estamos buscando criar,
neste início do século XXI, possibilidades maiores de enfrentar a seca, em
especial com a interligação das nossas bacias fluviais, mas muito ainda padece
a nossa região. Muitos são os nordestinos que saem de sua terra,
E assim vão dexando, com choro e gemido,
Do berço querido
O céu lindo e azu.
Os pai, pesaroso, nos fio pensando,
E o carro rodando
Na estrada do Su.
Procuram um
futuro melhor, buscando trabalho e êxito, como fez Gonzaga na primeira metade
do século passado.
Um brasileiro
de origem humilde. Sua mãe trabalhava na roça e era feirante; seu pai,
agricultor e sanfoneiro de 8 baixos. Foi o segundo filho de Januário dos Santos
e de Ana Batista de Jesus. Veio ao mundo na fazenda da Caiçara, em 13 de
dezembro de 1912. Mas não teve “Januário dos Santos” como sobrenome, como seus
oito irmãos e irmãs. Por sugestão do padre, foi batizado Luiz, porque nasceu no
dia de Santa Luzia; Gonzaga, por causa do nome de são Luiz Gonzaga; Nascimento,
porque dezembro é o mês do nascimento de Jesus. Ainda menino, começou a
acompanhar o pai nos bailes. Com 14 anos comprou sua primeira sanfona de 8
baixos e passou a tocar sozinho.
Em 1930, com
17 anos, fugiu de casa, após uma surra que levou da mãe porque tomou umas
cachaças para ter coragem de enfrentar o pai da namorada, que não queria o
relacionamento de um sanfoneiro com a filha. Exu, sua cidade, é pernambucana,
mas os exuenses são tradicionalmente muito mais vinculados ao Ceará, que fica
bem mais próximo. Foi para o Crato, vendeu a sanfona e embarcou num cargueiro
para Fortaleza, onde pretendia sentar praça. Mesmo menor de idade, ingressou no
Exército e serviu no 23º Batalhão de Caçadores. Eis como contou essa passagem
de sua vida à autora de Vida do viajante:
a saga de Luiz Gonzaga, Dominique Dreyfus:
“Quando eu me apresentei ao sargento, ele
perguntou quantos anos eu tinha, e eu respondi 21 anos, que era a idade
aceitável. Com isso, o Exército se ajeitava, e dava até certidão. Eu era
taludinho, trabalhava na enxada, então ele acreditou... Eu menti porque se
desse minha idade, não ingressava. (...) Eu me alistei em julho. Início de
agosto, já estava no mundo, na Paraíba, defendendo uma fronteira. Eu, recruta
analfabeto, sem jeito para nada, no meio dessa revolução!”
O país vivia a
chamada Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas.
No Exército, onde
permaneceu por nove anos, melhorou sua alfabetização precária e viajou em missões
para o Piauí, Rio de Janeiro, Minas, Mato Grosso e, durante a guerra do Chaco,
conheceu a polca paraguaia. Passou no concurso de corneteiro do Exército, em
1933, e foi elevado a tambor-corneteiro de 1ª classe em janeiro de 1933,
ganhando o apelido de Bico de Aço. Foi quando aprendeu algumas noções de
harmonia. Era disciplinado e dedicado, porém também cometeu seus deslizes. Por
exemplo, cumpriu pena de quatro dias de detenção por ter estragado duas
baquetas de tambor da banda.
Aprendeu,
durante o serviço militar, a tocar violão. Depois, aprendeu a tocar sanfona de
48 baixos. Comprou uma sanfona de 80 baixos pagando prestações adiantadas a uma
loja em São Paulo e quando foi buscá-la descobriu que era um logro – havia sido
roubado. Mas conseguiu, com o dinheiro que carregava, comprar uma outra, abaixo
do custo. Ao retornar a Minas, cumpriu mais quatro dias de prisão por ter se
ausentado do quartel, em Ouro Fino, sem autorização.
Em 1939 deixou o Exército e rumou para o Rio
de Janeiro, de onde embarcaria de volta para Pernambuco. Enquanto esperava o
navio, começou a tocar nas ruas do Mangue, área dos prostíbulos do Rio de
então, a troco de moedas numa latinha. O dinheiro foi bom, ele desistiu de
voltar. Logo foi chamado para tocar dentro dos bares, onde a gorjeta era
segura, a cerveja grátis e estava protegido da chuva. Gonzaga tentou adaptar-se
aos costumes, músicas e sotaques do Rio, mas um dia um grupo de estudantes
cearenses, de quem ficou amigo, pediu-lhe para cantar músicas do Sertão
nordestino. Atendeu ao pedido e tocou, pela primeira vez para o público de um
bar no Rio, as músicas que tocava em sua terra natal:
“Parecia que o bar ia pegar fogo. O bar tinha
lotado, gente na porta, na rua, tentando ver o que estava acontecendo no bar.
Aí peguei o pires. Na terceira mesa estava cheio. Aí eu gritei: ‘Me dá um
prato!’ Daqui há pouco o prato estava cheio. Aí pedi uma bandeja. E pensei:
agora a coisa vai”, relembrou.
Foi assim que,
no programa Calouros em Desfile, de Ary Barroso, na Rádio Cruzeiro do Sul, onde
se apresentava com frequência, ele saiu da nota 3, que sempre recebia ao cantar
valsas e tangos, e alcançou a nota 5 – a máxima! –, ganhou 150 mil réis de
prêmio e a admiração do Ary e do radialista, cantor e compositor Almirante, que
assistiu sua apresentação. Pouco depois, conheceu Zé do Norte (Alfredo Ricardo
do Nascimento, autor de Mulher Rendeira), que o contratou para o programa A
Hora Sertaneja, da rádio Transmissora, atual rádio Globo.
Sua primeira
gravação foi como sanfoneiro de Genésio Arruda e Januário França na canção A viagem de Genésio, em 5 de março de
1941. Sua participação impressionou os diretores da gravadora. Nove dias
depois, gravou seus primeiros discos: Véspera
de São João e Numa Serenata; e Vira e Mexe e Saudades de São João Del-Rei.
“Quando eu comecei a cantar minhas músicas nos
cabarés, nos dancings, o povo achou graça. E quem vende graça, ganha dinheiro”.
Em 1945 venceu
a resistência da gravadora e pode, finalmente, cantar num disco. Gravou a
mazurca Dança Mariquinha, dele com
seu primeiro parceiro, Miguel Lima. Era seu vigésimo quinto disco. Nesse ano,
em 22 de setembro, nasceu Gonzaguinha, filho de sua companheira de então,
Odaléia Guedes. Nesse período, Luiz Gonzaga, querendo um parceiro nordestino,
procurou o músico cearense Lauro Maia, que lhe apresentou o primo, também
cearense, de Iguatu, Humberto Teixeira:
“Eu queria cantar o Nordeste. Eu tinha a música,
tinha o tema. O que eu não sabia era continuar. Eu precisava de um poeta que saberia
escrever aquilo que eu tinha na cabeça, de um homem culto pra me ensinar as
coisas que eu não sabia. Eu sempre fui um bom ouvidor. Cheguei até a enganar
que era culto! (...) No primeiro encontro com Humberto, em dez minutos já
havíamos escrito a letra de No meu pé de serra. (...) Essa letra dizia a
saudade que eu sentia do Nordeste. E tanto eu quanto Humberto ficamos
emocionados quando terminamos a peça. Sentimos que tinha começado um caminho. E
eu senti que estava nas mãos do autor que eu sempre sonhara”.
A segunda
parceria dos dois fez história: Baião,
lançado em outubro de 1946. A terceira foi Asa
Branca, lançada em 1947.
Segundo
Dominique Dreyfus, “O termo ‘baião’,
sinônimo de rojão, já existia, designando na linguagem dos repentistas
nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola, que permite ao violeiro
testar a afinação do instrumento e esperar a inspiração, assim como introduz o
verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe. No repente ou no desafio,
cuja forma de cantar é recitativa e monocórdia, o ‘baião’ é a única sequência
rítmica e melódica.
“O grande estalo de Luiz Gonzaga foi de perceber a
riqueza desse trechinho musical, de sentir que ele carregava em si a alma
nordestina, e foi saber, através da sanfona cromática, engrandecer, enriquecer,
dar volume a esse rojão melodicamente tão rudimentar.”
Em 1946, a
toada Olá seu generá, de Gonzaga com Jeová
Portella, foi censurada. Ela dizia:
Ai seu generá, Feijão cum cove que talento pode dar?
Cadê a banha pra panela refogá? Cadê açúcar por café açucará? Cadê o lombo,
cadê carne de jabá? Que quarqué dia as coisas tem que melhorá. Que sem comida
ninguém pode trabaiá. Seu generá Feijão cum cove que talento pode dar?
Na época,
presidia o Brasil o general Eurico Gaspar Dutra, e a música só foi liberada
depois que os autores mudaram o nome para Feijão
cum Cove e o refrão para Aí o que
será?...
Nesse período,
voltou a Araripe, com saudade da família, após quase 17 anos de ausência. Foi
recebido com alegria e orgulho pelo povo, como contou Marisa Alencar, sua
colega de infância: “Ele não tinha
esquecido nada daqui. Continuava usando o vocabulário daqui, valorizando as
coisas daqui, que antigamente ninguém dava valor. Porque quem saía daqui para
adquirir condição melhor tinha até vergonha de dizer que era nordestino.
Gonzaga não, ele fala das coisas daqui, da rede onde se dorme, da comida que se
come, e com o linguajar daqui!”.
Aproveitou a
visita para dar seu primeiro show na região onde nasceu e o destinou para
arrecadar dinheiro para recuperar o Hospital São Francisco, do Crato, que
estava em ruínas. Uma característica que permaneceria até o fim de sua vida: a
ajuda aos necessitados, a solidariedade com o povo sofrido.
Em 1947,
adotou o chapéu de couro, inspirado no acordeonista do Rio Grande do Sul, Pedro
Raimundo, que usava bombacha, botas, chapéu gaúcho, guaiaca e chicote. Mas seu
chapéu foi proibido na rádio Nacional, onde ele e Pedro Raimundo tinham contrato.
A rádio, no entanto, aceitara a indumentária do artista gaúcho, sem problemas...
mas suas apresentações fora da rádio sempre eram com o chapéu nordestino. Em
1953, adotou o gibão de couro, a cartucheira, a sandália e um chapéu maior,
mais parecido com o de Lampião.
Embora sem
militância partidária, Gonzaga participava das campanhas dos políticos com que
simpatizava, fazendo apresentações gratuitas nos comícios e também jingles.
“Eu sempre tive uma vocação para estar ao lado dos
governos eleitos”, afirmou, explicando seu ponto
de vista: “Quem chega com ambulância,
remédio, quem dá emprego, ajuda, quem faz barragem? São os governos, nunca foi
a oposição”. Com Humberto Teixeira, compôs a música para a campanha a
governador de José Américo: Paraíba –
o escritor não ganhou, mas a música se eternizou, com o célebre refrão: “Paraíba masculina Mulher macho sim senhor”.
Em 1950,
começou a parceria com Zé Dantas – de quem havia gravado Vem Morena um ano antes. Esta música, só do Zé, ele colocou como
parceria a pedido do autor, que não queria que o pai soubesse que andava
compondo e lhe suspendesse a mesada. Foi seu segundo maior parceiro, que trouxe
para suas canções sentimento ainda mais nordestino.
A partir dos
anos 50, formou banda própria, com instrumentos usados no Nordeste: sanfona,
zabumba, triângulo. Antes era acompanhado por pandeiro, bandolim, cavaquinho,
violão – a formação de acompanhamento do choro e do samba. O trio instrumental
de sua banda passou a ser adotado por todos os grupos do gênero nordestino.
Luiz Gonzaga
mudou o curso da história da música do Brasil. Segundo José Lins do Rego, ele
trouxe “o sentimento melódico das
extensões sertanejas, das léguas tiranas, das asas brancas, do gemer dos
aboios. As tristezas dos violeiros se passaram para sua sanfona. (...) O que
nos prende ao cantar de Gonzaga é o que nos arrebata em Noel, é a simplicidade
da melodia, é a doce música que ele introduz nas palavras, a magia dos
instrumentos, a candura de alma tranquila que se derrama nas canções”.
Ele foi também
o precursor das canções de protesto que surgiram nos anos 1960, com Vozes da Seca, parceria feita com Zé
Dantas em 1953 – “Mas doutor uma esmola
para um homem que é são, ou lhe mata de vergonha, ou vicia o cidadão”. Mas
esta não é a característica principal de suas músicas. Elas abordam, principalmente,
crônicas sobre o Nordeste, sua cultura, sua sociedade, seus modos de vida, sua
fala:
“Eu ia
contando as coisas tristes do meu povo, que demanda do Nordeste pro Sul e pro
Centro-Sul em busca de melhores dias, de trabalho. Porque lá chove no período
exato, lá se sabe o que são as estações. No Nordeste, as intempéries do tempo
são todas erradas. Quando é pra chover não chove, então o povo vai procurar
trabalho no Sul e o Nordeste vai se despovoando... Então, minha música
representa a luta, o sofrimento, o sacrifício de meu povo. Eu denuncio, critico
os governos, mas com certo cuidado, para não me envolver com aqueles que gostam
de incentivar a violência”.
A partir do
final dos anos 50, Gonzaga deixou de frequentar os noticiários e programas das
rádios, jornais e revistas das capitais, mas continuou juntando de 5 mil a 10
mil pessoas nas praças do interior. Percorreu o país todo. Ia de carro,
caminhonete, avião, barco. Cantava nas praças, coretos, circos, quartéis,
auditórios das rádios, nos cinemas, na carroceria de caminhão. Para garantir
essas apresentações, promovia cachaça, café, fumo, vinho, sabonetes, lojas
locais. Com isso, não cobrava ingresso quando a cidade era muito pobre. “Eu chegava na cidade do interior com meus
discos, cantava na praça pública, vendia meu peixe. Foi sempre no Nordeste que
eu me arrumei”, disse.
No início dos
anos 1960, Gonzaga “saiu de moda”, com a ascensão da Bossa Nova e, depois, da
Jovem Guarda. Mas sempre pontuava no repertório de vários artistas que então surgiam.
Talentos que despontaram nos anos 1960 e eram meninos ou adolescentes nos anos
1950, cresceram ouvindo, gostando e aprendendo a tocar sanfona por causa do
filho de Januário, como Gilberto Gil, na Bahia, ou Milton Nascimento, em Minas.
Em 1965, Geraldo Vandré gravou Asa Branca
no seu disco Hora de lutar; em retribuição,
Gonzaga gravou, em 1968, Caminhando,
de Vandré. Neste mesmo ano, Gilberto Gil afirmou que “O primeiro fenômeno musical que deixou lastro muito grande em mim foi
Luiz Gonzaga ... a primeira grande coisa significativa do ponto de vista da
cultura de massa no Brasil”.
Ocorreu,
então, algo inusitado. O jornalista e radialista Carlos Imperial espalhou o
boato de que os Beatles iriam gravar Asa
Branca.
“Todo mundo correu em cima. Chama pra programa, paga
cachê e não sei o quê, gravei programa, ganhei dinheiro e Carlos Imperial na
maior gozação do mundo”, divertiu-se o rei do baião. Os
Beatles não gravaram, mas o grego Demis Roussos gravou White Wings, a versão inglesa da canção sertaneja, nos anos 1970.
A relação de
Gonzaga com o Ceará e do Ceará com Gonzaga vai além, muito além das parcerias
ou gravações com artistas da terra. Aliás, Luiz Gonzaga é cearense: recebeu o
título de cidadão de meu Estado em 1975. Assim como tantos de nós, o Fagner
ficou encantado com sua música. O primeiro show que ele viu, quando criança,
foi Luiz Gonzaga numa praça em Fortaleza:
“Isso me marcou profundamente. A
vida toda, ele foi e continua sendo um incentivo, um exemplo, um espelho pra
minha geração”. No seu segundo LP, Fagner fez grande sucesso com a
regravação de Riacho do Navio.
Em 1971, no
exílio, Caetano fez sua versão de A Volta
da Asa Branca, que Luiz Gonzaga ouviu no Ceará:
“Um dia, em Fortaleza, estou passando em frente a
uma loja de discos e o vendedor me chamou:
- Oh! Seu Luiz, o senhor já ouviu a Asa Branca
cantada por Caetano Veloso?
- Não ouvi ainda não.
- Quer ouvir?
- Agorinha! – e entrei na loja. Ele me deu a capa
enquanto colocava o disco na vitrola. Essa capa, com uma fotografia dele com
aquele casaco de inverno, expressava tanta tristeza, mas tanta tristeza, que
meus olhos se encheram de lágrimas. Quando tocou o disco, aí eu chorei por
dentro de mim. Mas quando ele fez aquela gemedeira do cantador sertanejo, aí eu
não aguentei, chorei feio! Foi uma das maiores emoções que eu tive na vida.”
Gonzaga nunca
teve parada. Em 1977 se tornou verbete da Enciclopédia Universal Britânica, com
foto em cores. Em 1980, apresentou-se para o papa, durante a primeira visita de
João Paulo II ao Brasil. Em 1982, fez seu primeiro show em Paris e para lá
voltaria em 1986. Em 1984 recebeu seu primeiro Disco de Ouro (100 mil cópias
vendidas) pelo LP Eterno Cantador e
depois recebeu outro, pelo LP Danado de
Bom. Em 1984, recebeu o Prêmio Shell, que antes havia sido concedido apenas
a Pixinguinha, Dorival Caymmi e Tom Jobim. Em 1985 recebeu uma homenagem
internacional de sua gravadora, a RCA, o Nipper de Ouro, e dois Discos de Ouro
por Sanfoneiro Macho. Seu próximo LP, Forró
de Cabo a Rabo, de 1986, recebeu dois Discos de Ouro e seu primeiro de Platina
(250 mil cópias vendidas).
O Rei do Baião
ajudou e promoveu inúmeros músicos, como Dominguinhos, que conheceu em 1954 em
Garanhuns. Dominguinhos se apresentava com os irmãos numa feira para ganhar uns
trocados. O garoto, com seus 14, 15 anos, tocava uma 8 baixos. Gonzaga
prometeu-lhe uma sanfona melhor. Apoiou Jackson do Pandeiro, coroou Carmélia
Costa a rainha do baião e Marinês a rainha do xaxado. “Quem tem talento não tem medo de perder. Eu botei um mundo de artistas
cantando na minha linha e que é que deu? Reforcei as minhas criações e saí
lucrando até hoje”, afirmou.
Generoso e
solidário com os humildes, como maçom favoreceu Exu e outras cidades com seu
trabalho. Com o lucro do livro O
Sanfoneiro do Riacho da Brígida, Vida e Andanças de Luiz Gonzaga, que ditou
a Sinval Sá, publicado em 1966, construiu uma escolinha no Araripe e pagou o
salário da professora durante quatro anos. Com o padre João Câncio, organizou,
a Missa do Vaqueiro, em 1970, o que serviu para organizar esses trabalhadores
em defesa de seus interesses. Arregimentou Fagner, Gilberto Gil, João do Vale,
João Bosco, Sivuca, Chico Buarque para fazer show para socorrer as vítimas da
seca que arrasou o Nordeste de 1979 a 1984 e criou a Fundação Vovô Januário com
o mesmo objetivo. Participou do show do Primeiro de Maio de 1984, promovido
pelo Centro Brasil Democrático, em favor dos sindicatos de trabalhadores.
Como escreve
Dominique Dreyfus, “Luiz Gonzaga fazia parte da categoria ‘gênio’’ e, portanto, tinha todas as
características que cabem aos gênios: era sensível, sonhador, encantador,
sedutor, inteligente, engraçadíssimo, generoso, mas também violento, autoritário,
instável, imprevisível, impaciente, cheio de contradições. E também
terrivelmente só, sofrido, ‘incompreendido’”.
Luiz Gonzaga casou
com Helena das Neves Cavalcanti em 1948. Em 1987, assumiu publicamente o
relacionamento que tinha há 12 anos com Edelzuita Rabelo. Morreu em 2 de agosto
de 1989, de parada cardiorrespiratória, quando estava hospitalizado devido a um
câncer na próstata e metástase nos ossos. O cordelista José João dos Santos,
Azulão, registrou:
Foi Luiz Lua Gonzaga
Que o Brasil todo se ufana
Dele nascer no Nordeste
Na gleba pernambucana
O filho de Januário
E dona Maria Santana.
...
Adeus a Luiz Gonzaga
Zeloso, amigo e irmão
Uma estrelha que brilho
Levou depois seu clarão
Agora descança em paz
O grande Rei do Baião
*Carlos Pompe é jornalista, comunista, editor do Vermelho/DF e da direção regional do PCdoB/DF e curioso do Mundo
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