domingo, dezembro 09, 2012

Luiz Gonzaga, pé na estrada


Senado homenageia o Rei do Baião
Foto- Waldemir Barreto/Agência Senado


Carlos Pompe*
No dia 3, o Senado realizou sessão comemorativa do centenário do cantor, compositor e músico Luiz Gonzaga, por proposta do senador Inácio Arruda (PCdoB-CE). Participaram da homenagem o sanfoneiro Chambinho do Acordeon, que faz o papel de Luiz Gonzaga no filme a ele dedicado; cantor João Cláudio Moreno, do Piauí, e o cantor cearense Fagner (na foto, com os senadores Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), Cristovam Buarque (PDT-DF) e Inácio Arruda, que fez o pronunciamento sobre a vida e obra de Gonzagão, que reproduzo a seguir:
Estamos aqui, neste Senado da República, hoje, para homenagear um rei. Rei de primeira grandeza da arte que a nossa nação produz, Luiz Gonzaga do Nascimento, o Rei do Baião, esse que é o principal gênero da música popular brasileira, depois do samba.
Setembro passou, com oitubro e novembro
Já tamo em dezembro.
Meu Deus, que é de nós?
Assim fala o pobre do seco Nordeste,
Com medo da peste,
Da fome feroz.
Assim cantou Luiz Gonzaga a música do cearense Patativa do Assaré, contando a todo o Brasil a saga dos nordestinos fugindo da seca que tantos sacrifícios nos impõe – seca que vivemos agora também, neste dezembro do centenário do Gonzagão, a maior seca dos últimos quarenta anos! A seca terrível, que tudo devora.  A voz forte de Gonzaga ainda ecoa, dirigindo-se para as autoridades, para denunciar o descaso, a burocracia que seguram e impedem a velocidade na ajuda ao povo do Nordeste. O centenário ocorre diante de mais uma tragédia, fruto da ação da natureza para a qual o homem, com toda a ciência, ainda não achou uma solução. Estamos buscando criar, neste início do século XXI, possibilidades maiores de enfrentar a seca, em especial com a interligação das nossas bacias fluviais, mas muito ainda padece a nossa região. Muitos são os nordestinos que saem de sua terra,
E assim vão dexando, com choro e gemido,
Do berço querido
O céu lindo e azu.
Os pai, pesaroso, nos fio pensando,
E o carro rodando
Na estrada do Su.
Procuram um futuro melhor, buscando trabalho e êxito, como fez Gonzaga na primeira metade do século passado.
Um brasileiro de origem humilde. Sua mãe trabalhava na roça e era feirante; seu pai, agricultor e sanfoneiro de 8 baixos. Foi o segundo filho de Januário dos Santos e de Ana Batista de Jesus. Veio ao mundo na fazenda da Caiçara, em 13 de dezembro de 1912. Mas não teve “Januário dos Santos” como sobrenome, como seus oito irmãos e irmãs. Por sugestão do padre, foi batizado Luiz, porque nasceu no dia de Santa Luzia; Gonzaga, por causa do nome de são Luiz Gonzaga; Nascimento, porque dezembro é o mês do nascimento de Jesus. Ainda menino, começou a acompanhar o pai nos bailes. Com 14 anos comprou sua primeira sanfona de 8 baixos e passou a tocar sozinho.
Em 1930, com 17 anos, fugiu de casa, após uma surra que levou da mãe porque tomou umas cachaças para ter coragem de enfrentar o pai da namorada, que não queria o relacionamento de um sanfoneiro com a filha. Exu, sua cidade, é pernambucana, mas os exuenses são tradicionalmente muito mais vinculados ao Ceará, que fica bem mais próximo. Foi para o Crato, vendeu a sanfona e embarcou num cargueiro para Fortaleza, onde pretendia sentar praça. Mesmo menor de idade, ingressou no Exército e serviu no 23º Batalhão de Caçadores. Eis como contou essa passagem de sua vida à autora de Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga, Dominique Dreyfus:
Quando eu me apresentei ao sargento, ele perguntou quantos anos eu tinha, e eu respondi 21 anos, que era a idade aceitável. Com isso, o Exército se ajeitava, e dava até certidão. Eu era taludinho, trabalhava na enxada, então ele acreditou... Eu menti porque se desse minha idade, não ingressava. (...) Eu me alistei em julho. Início de agosto, já estava no mundo, na Paraíba, defendendo uma fronteira. Eu, recruta analfabeto, sem jeito para nada, no meio dessa revolução!
O país vivia a chamada Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas.
No Exército, onde permaneceu por nove anos, melhorou sua alfabetização precária e viajou em missões para o Piauí, Rio de Janeiro, Minas, Mato Grosso e, durante a guerra do Chaco, conheceu a polca paraguaia. Passou no concurso de corneteiro do Exército, em 1933, e foi elevado a tambor-corneteiro de 1ª classe em janeiro de 1933, ganhando o apelido de Bico de Aço. Foi quando aprendeu algumas noções de harmonia. Era disciplinado e dedicado, porém também cometeu seus deslizes. Por exemplo, cumpriu pena de quatro dias de detenção por ter estragado duas baquetas de tambor da banda.
Aprendeu, durante o serviço militar, a tocar violão. Depois, aprendeu a tocar sanfona de 48 baixos. Comprou uma sanfona de 80 baixos pagando prestações adiantadas a uma loja em São Paulo e quando foi buscá-la descobriu que era um logro – havia sido roubado. Mas conseguiu, com o dinheiro que carregava, comprar uma outra, abaixo do custo. Ao retornar a Minas, cumpriu mais quatro dias de prisão por ter se ausentado do quartel, em Ouro Fino, sem autorização.
 Em 1939 deixou o Exército e rumou para o Rio de Janeiro, de onde embarcaria de volta para Pernambuco. Enquanto esperava o navio, começou a tocar nas ruas do Mangue, área dos prostíbulos do Rio de então, a troco de moedas numa latinha. O dinheiro foi bom, ele desistiu de voltar. Logo foi chamado para tocar dentro dos bares, onde a gorjeta era segura, a cerveja grátis e estava protegido da chuva. Gonzaga tentou adaptar-se aos costumes, músicas e sotaques do Rio, mas um dia um grupo de estudantes cearenses, de quem ficou amigo, pediu-lhe para cantar músicas do Sertão nordestino. Atendeu ao pedido e tocou, pela primeira vez para o público de um bar no Rio, as músicas que tocava em sua terra natal:
“Parecia que o bar ia pegar fogo. O bar tinha lotado, gente na porta, na rua, tentando ver o que estava acontecendo no bar. Aí peguei o pires. Na terceira mesa estava cheio. Aí eu gritei: ‘Me dá um prato!’ Daqui há pouco o prato estava cheio. Aí pedi uma bandeja. E pensei: agora a coisa vai”, relembrou.
Foi assim que, no programa Calouros em Desfile, de Ary Barroso, na Rádio Cruzeiro do Sul, onde se apresentava com frequência, ele saiu da nota 3, que sempre recebia ao cantar valsas e tangos, e alcançou a nota 5 – a máxima! –, ganhou 150 mil réis de prêmio e a admiração do Ary e do radialista, cantor e compositor Almirante, que assistiu sua apresentação. Pouco depois, conheceu Zé do Norte (Alfredo Ricardo do Nascimento, autor de Mulher Rendeira), que o contratou para o programa A Hora Sertaneja, da rádio Transmissora, atual rádio Globo.
Sua primeira gravação foi como sanfoneiro de Genésio Arruda e Januário França na canção A viagem de Genésio, em 5 de março de 1941. Sua participação impressionou os diretores da gravadora. Nove dias depois, gravou seus primeiros discos: Véspera de São João e Numa Serenata; e Vira e Mexe e Saudades de São João Del-Rei.
“Quando eu comecei a cantar minhas músicas nos cabarés, nos dancings, o povo achou graça. E quem vende graça, ganha dinheiro”.
Em 1945 venceu a resistência da gravadora e pode, finalmente, cantar num disco. Gravou a mazurca Dança Mariquinha, dele com seu primeiro parceiro, Miguel Lima. Era seu vigésimo quinto disco. Nesse ano, em 22 de setembro, nasceu Gonzaguinha, filho de sua companheira de então, Odaléia Guedes. Nesse período, Luiz Gonzaga, querendo um parceiro nordestino, procurou o músico cearense Lauro Maia, que lhe apresentou o primo, também cearense, de Iguatu, Humberto Teixeira:
“Eu queria cantar o Nordeste. Eu tinha a música, tinha o tema. O que eu não sabia era continuar. Eu precisava de um poeta que saberia escrever aquilo que eu tinha na cabeça, de um homem culto pra me ensinar as coisas que eu não sabia. Eu sempre fui um bom ouvidor. Cheguei até a enganar que era culto! (...) No primeiro encontro com Humberto, em dez minutos já havíamos escrito a letra de No meu pé de serra. (...) Essa letra dizia a saudade que eu sentia do Nordeste. E tanto eu quanto Humberto ficamos emocionados quando terminamos a peça. Sentimos que tinha começado um caminho. E eu senti que estava nas mãos do autor que eu sempre sonhara”.
A segunda parceria dos dois fez história: Baião, lançado em outubro de 1946. A terceira foi Asa Branca, lançada em 1947.
Segundo Dominique Dreyfus, “O termo ‘baião’, sinônimo de rojão, já existia, designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola, que permite ao violeiro testar a afinação do instrumento e esperar a inspiração, assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe. No repente ou no desafio, cuja forma de cantar é recitativa e monocórdia, o ‘baião’ é a única sequência rítmica e melódica.
“O grande estalo de Luiz Gonzaga foi de perceber a riqueza desse trechinho musical, de sentir que ele carregava em si a alma nordestina, e foi saber, através da sanfona cromática, engrandecer, enriquecer, dar volume a esse rojão melodicamente tão rudimentar.”
Em 1946, a toada Olá seu generá, de Gonzaga com Jeová Portella, foi censurada. Ela dizia:
Ai seu generá, Feijão cum cove que talento pode dar? Cadê a banha pra panela refogá? Cadê açúcar por café açucará? Cadê o lombo, cadê carne de jabá? Que quarqué dia as coisas tem que melhorá. Que sem comida ninguém pode trabaiá. Seu generá Feijão cum cove que talento pode dar?
Na época, presidia o Brasil o general Eurico Gaspar Dutra, e a música só foi liberada depois que os autores mudaram o nome para Feijão cum Cove e o refrão para Aí o que será?...
Nesse período, voltou a Araripe, com saudade da família, após quase 17 anos de ausência. Foi recebido com alegria e orgulho pelo povo, como contou Marisa Alencar, sua colega de infância: “Ele não tinha esquecido nada daqui. Continuava usando o vocabulário daqui, valorizando as coisas daqui, que antigamente ninguém dava valor. Porque quem saía daqui para adquirir condição melhor tinha até vergonha de dizer que era nordestino. Gonzaga não, ele fala das coisas daqui, da rede onde se dorme, da comida que se come, e com o linguajar daqui!”.  
Aproveitou a visita para dar seu primeiro show na região onde nasceu e o destinou para arrecadar dinheiro para recuperar o Hospital São Francisco, do Crato, que estava em ruínas. Uma característica que permaneceria até o fim de sua vida: a ajuda aos necessitados, a solidariedade com o povo sofrido.
Em 1947, adotou o chapéu de couro, inspirado no acordeonista do Rio Grande do Sul, Pedro Raimundo, que usava bombacha, botas, chapéu gaúcho, guaiaca e chicote. Mas seu chapéu foi proibido na rádio Nacional, onde ele e Pedro Raimundo tinham contrato. A rádio, no entanto, aceitara a indumentária do artista gaúcho, sem problemas... mas suas apresentações fora da rádio sempre eram com o chapéu nordestino. Em 1953, adotou o gibão de couro, a cartucheira, a sandália e um chapéu maior, mais parecido com o de Lampião.
Embora sem militância partidária, Gonzaga participava das campanhas dos políticos com que simpatizava, fazendo apresentações gratuitas nos comícios e também jingles.
“Eu sempre tive uma vocação para estar ao lado dos governos eleitos”, afirmou, explicando seu ponto de vista: “Quem chega com ambulância, remédio, quem dá emprego, ajuda, quem faz barragem? São os governos, nunca foi a oposição”. Com Humberto Teixeira, compôs a música para a campanha a governador de José Américo: Paraíba – o escritor não ganhou, mas a música se eternizou, com o célebre refrão: “Paraíba masculina Mulher macho sim senhor”.
Em 1950, começou a parceria com Zé Dantas – de quem havia gravado Vem Morena um ano antes. Esta música, só do Zé, ele colocou como parceria a pedido do autor, que não queria que o pai soubesse que andava compondo e lhe suspendesse a mesada. Foi seu segundo maior parceiro, que trouxe para suas canções sentimento ainda mais nordestino.
A partir dos anos 50, formou banda própria, com instrumentos usados no Nordeste: sanfona, zabumba, triângulo. Antes era acompanhado por pandeiro, bandolim, cavaquinho, violão – a formação de acompanhamento do choro e do samba. O trio instrumental de sua banda passou a ser adotado por todos os grupos do gênero nordestino.
Luiz Gonzaga mudou o curso da história da música do Brasil. Segundo José Lins do Rego, ele trouxe “o sentimento melódico das extensões sertanejas, das léguas tiranas, das asas brancas, do gemer dos aboios. As tristezas dos violeiros se passaram para sua sanfona. (...) O que nos prende ao cantar de Gonzaga é o que nos arrebata em Noel, é a simplicidade da melodia, é a doce música que ele introduz nas palavras, a magia dos instrumentos, a candura de alma tranquila que se derrama nas canções”.
Ele foi também o precursor das canções de protesto que surgiram nos anos 1960, com Vozes da Seca, parceria feita com Zé Dantas em 1953 – “Mas doutor uma esmola para um homem que é são, ou lhe mata de vergonha, ou vicia o cidadão”. Mas esta não é a característica principal de suas músicas. Elas abordam, principalmente, crônicas sobre o Nordeste, sua cultura, sua sociedade, seus modos de vida, sua fala:
 “Eu ia contando as coisas tristes do meu povo, que demanda do Nordeste pro Sul e pro Centro-Sul em busca de melhores dias, de trabalho. Porque lá chove no período exato, lá se sabe o que são as estações. No Nordeste, as intempéries do tempo são todas erradas. Quando é pra chover não chove, então o povo vai procurar trabalho no Sul e o Nordeste vai se despovoando... Então, minha música representa a luta, o sofrimento, o sacrifício de meu povo. Eu denuncio, critico os governos, mas com certo cuidado, para não me envolver com aqueles que gostam de incentivar a violência”.
A partir do final dos anos 50, Gonzaga deixou de frequentar os noticiários e programas das rádios, jornais e revistas das capitais, mas continuou juntando de 5 mil a 10 mil pessoas nas praças do interior. Percorreu o país todo. Ia de carro, caminhonete, avião, barco. Cantava nas praças, coretos, circos, quartéis, auditórios das rádios, nos cinemas, na carroceria de caminhão. Para garantir essas apresentações, promovia cachaça, café, fumo, vinho, sabonetes, lojas locais. Com isso, não cobrava ingresso quando a cidade era muito pobre. “Eu chegava na cidade do interior com meus discos, cantava na praça pública, vendia meu peixe. Foi sempre no Nordeste que eu me arrumei”, disse.
No início dos anos 1960, Gonzaga “saiu de moda”, com a ascensão da Bossa Nova e, depois, da Jovem Guarda. Mas sempre pontuava no repertório de vários artistas que então surgiam. Talentos que despontaram nos anos 1960 e eram meninos ou adolescentes nos anos 1950, cresceram ouvindo, gostando e aprendendo a tocar sanfona por causa do filho de Januário, como Gilberto Gil, na Bahia, ou Milton Nascimento, em Minas. Em 1965, Geraldo Vandré gravou Asa Branca no seu disco Hora de lutar; em retribuição, Gonzaga gravou, em 1968, Caminhando, de Vandré. Neste mesmo ano, Gilberto Gil afirmou que “O primeiro fenômeno musical que deixou lastro muito grande em mim foi Luiz Gonzaga ... a primeira grande coisa significativa do ponto de vista da cultura de massa no Brasil”.
Ocorreu, então, algo inusitado. O jornalista e radialista Carlos Imperial espalhou o boato de que os Beatles iriam gravar Asa Branca.
“Todo mundo correu em cima. Chama pra programa, paga cachê e não sei o quê, gravei programa, ganhei dinheiro e Carlos Imperial na maior gozação do mundo”, divertiu-se o rei do baião. Os Beatles não gravaram, mas o grego Demis Roussos gravou White Wings, a versão inglesa da canção sertaneja, nos anos 1970.
A relação de Gonzaga com o Ceará e do Ceará com Gonzaga vai além, muito além das parcerias ou gravações com artistas da terra. Aliás, Luiz Gonzaga é cearense: recebeu o título de cidadão de meu Estado em 1975. Assim como tantos de nós, o Fagner ficou encantado com sua música. O primeiro show que ele viu, quando criança, foi Luiz Gonzaga numa praça em Fortaleza:  “Isso me marcou profundamente. A vida toda, ele foi e continua sendo um incentivo, um exemplo, um espelho pra minha geração”. No seu segundo LP, Fagner fez grande sucesso com a regravação de Riacho do Navio.
Em 1971, no exílio, Caetano fez sua versão de A Volta da Asa Branca, que Luiz Gonzaga ouviu no Ceará:
“Um dia, em Fortaleza, estou passando em frente a uma loja de discos e o vendedor me chamou:
- Oh! Seu Luiz, o senhor já ouviu a Asa Branca cantada por Caetano Veloso?
- Não ouvi ainda não.
- Quer ouvir?
- Agorinha! – e entrei na loja. Ele me deu a capa enquanto colocava o disco na vitrola. Essa capa, com uma fotografia dele com aquele casaco de inverno, expressava tanta tristeza, mas tanta tristeza, que meus olhos se encheram de lágrimas. Quando tocou o disco, aí eu chorei por dentro de mim. Mas quando ele fez aquela gemedeira do cantador sertanejo, aí eu não aguentei, chorei feio! Foi uma das maiores emoções que eu tive na vida.”
Gonzaga nunca teve parada. Em 1977 se tornou verbete da Enciclopédia Universal Britânica, com foto em cores. Em 1980, apresentou-se para o papa, durante a primeira visita de João Paulo II ao Brasil. Em 1982, fez seu primeiro show em Paris e para lá voltaria em 1986. Em 1984 recebeu seu primeiro Disco de Ouro (100 mil cópias vendidas) pelo LP Eterno Cantador e depois recebeu outro, pelo LP Danado de Bom. Em 1984, recebeu o Prêmio Shell, que antes havia sido concedido apenas a Pixinguinha, Dorival Caymmi e Tom Jobim. Em 1985 recebeu uma homenagem internacional de sua gravadora, a RCA, o Nipper de Ouro, e dois Discos de Ouro por Sanfoneiro Macho. Seu próximo LP, Forró de Cabo a Rabo, de 1986, recebeu dois Discos de Ouro e seu primeiro de Platina (250 mil cópias vendidas).
O Rei do Baião ajudou e promoveu inúmeros músicos, como Dominguinhos, que conheceu em 1954 em Garanhuns. Dominguinhos se apresentava com os irmãos numa feira para ganhar uns trocados. O garoto, com seus 14, 15 anos, tocava uma 8 baixos. Gonzaga prometeu-lhe uma sanfona melhor. Apoiou Jackson do Pandeiro, coroou Carmélia Costa a rainha do baião e Marinês a rainha do xaxado. “Quem tem talento não tem medo de perder. Eu botei um mundo de artistas cantando na minha linha e que é que deu? Reforcei as minhas criações e saí lucrando até hoje”, afirmou.
Generoso e solidário com os humildes, como maçom favoreceu Exu e outras cidades com seu trabalho. Com o lucro do livro O Sanfoneiro do Riacho da Brígida, Vida e Andanças de Luiz Gonzaga, que ditou a Sinval Sá, publicado em 1966, construiu uma escolinha no Araripe e pagou o salário da professora durante quatro anos. Com o padre João Câncio, organizou, a Missa do Vaqueiro, em 1970, o que serviu para organizar esses trabalhadores em defesa de seus interesses. Arregimentou Fagner, Gilberto Gil, João do Vale, João Bosco, Sivuca, Chico Buarque para fazer show para socorrer as vítimas da seca que arrasou o Nordeste de 1979 a 1984 e criou a Fundação Vovô Januário com o mesmo objetivo. Participou do show do Primeiro de Maio de 1984, promovido pelo Centro Brasil Democrático, em favor dos sindicatos de trabalhadores.
Como escreve Dominique Dreyfus, “Luiz Gonzaga fazia parte da categoria  ‘gênio’’ e, portanto, tinha todas as características que cabem aos gênios: era sensível, sonhador, encantador, sedutor, inteligente, engraçadíssimo, generoso, mas também violento, autoritário, instável, imprevisível, impaciente, cheio de contradições. E também terrivelmente só, sofrido, ‘incompreendido’”.
Luiz Gonzaga casou com Helena das Neves Cavalcanti em 1948. Em 1987, assumiu publicamente o relacionamento que tinha há 12 anos com Edelzuita Rabelo. Morreu em 2 de agosto de 1989, de parada cardiorrespiratória, quando estava hospitalizado devido a um câncer na próstata e metástase nos ossos. O cordelista José João dos Santos, Azulão, registrou:
Foi Luiz Lua Gonzaga
Que o Brasil todo se ufana
Dele nascer no Nordeste
Na gleba pernambucana
O filho de Januário
E dona Maria Santana.
...
Adeus a Luiz Gonzaga
Zeloso, amigo e irmão
Uma estrelha que brilho
Levou depois seu clarão
Agora descança em paz
O grande Rei do Baião

 *Carlos Pompe é jornalista, comunista, editor do Vermelho/DF e da direção regional do PCdoB/DF e curioso  do Mundo

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