Immanuel Wallerestein descreve
mecanismo empregado por grandes bancos para manipular mercados e aponta
principal responsável: “é o sistema, estúpido”
Por Immanuel Wallerestein |
Tradução: Daniela Frabasile
Publicado originalmente em “Outras
Palavras.net
Desde 4 de julho, os maiores jornais
do mundo contam que há um “escândalo” envolvendo algo chamado Libor.
Legisladores, dirigentes de bancos centrais e autoridades judiciais dizem o
mesmo. Antes disso, poucas pessoas, fora do grupo que se interessa por bancos,
tinha ouvido falar da Libor. De repente, nos disseram que os maiores bancos da
Grã-Bretanha, Estados Unidos, Suíça, Alemanha, França – e provavelmente um
grande número de outros países – estavam envolvidos em ações supostamente
“fraudulentas”.
Além disso, explicaram-nos que não
era questão de centavos. Derivativos financeiros de centenas de trilhões de
dólares oscilam de acordo com a taxa Libor. A acusação era de que os bancos a
“manipulavam”. As consequências não foram apenas lucros astronômicos: as pessoas
que fizeram hipotecas e empréstimos pagaram mais do que deveriam. Resumindo: os
bancos obtiveram lucros enormes às custas de outros, que perderam rios de
dinheiro.
Tudo isso suscitou muitas questões.
Como foi possível? Por que as autoridades reguladoras não interromperam uma
prática que, agora, dizem ser tão fraudulentas; ou seja: quem sabia o quê e
quando? E (3) alguma coisa pode ser feita para que isso não aconteça novamente?
Vamos começar com a definição da taxa
Libor. É uma abreviação de London Interbank Offered Rate (Taxa
Interbancária Praticada em Londres). Não é muito antiga: a versão definitiva é
de 1986. Na época, a British Bankers Association (Associação
dos Banqueiros Britânicos) pediu que os “maiores bancos” compartilhassem
informação diárias sobre as taxas de juros que pagariam, se tomassem
empréstimos de outros bancos. Depois de eliminados os valores extremos, uma
taxa média era determinada, e modificada diariamente. A ideia era que, se os
bancos se sentissem confiantes sobre o estado da economia, a taxa seria mais
baixa; se estivessem inseguros, a taxa seria mais alta.
Quando a imprensa mundial passou a
usar palavra “escândalo” para falar sobre a taxa Libor, ficou claro que o tema
havia sido debatido muito antes, em ambientes menos visíveis. Parece que o Wall
Street Journal havia divulgado, em 28 de maio de 2008 (sim, em 2008!), um
estudo sugerindo que alguns bancos estavam minimizando os custos dos
empréstimos. É claro, imediatamente apareceu gente dizendo que o estudo era
impreciso ou, se preciso, irrelevante. Análises acadêmicas subsequentes
sugeriram, portanto, que a acusação de manipulação dos custos era de fato
verdadeira.
A questão era que quando um banco
está lidando com US$ 50 trilhões em valores especulativos, uma pequena sub-notificação
de taxas gera imediatamente um aumento significativo nos lucros. A tentação era
óbvia. Acontece que, já no início de 2007, tanto o o Federal Reserve Bank
quanto o Bank of England (os bancos centrais dos EUA e do Reino Unido)
suspeitaram dessa sub-notificação. Nenhum fez muita coisa sobre o assunto.
Agora nos dizem que essas taxas não
são nem confiáveis nem estáveis, mas meras “suposições”. Uma vez que o Lehman
Brothers entrou em colapso, os bancos ao redor do mundo pararam de realizar
empréstimos entre si. O New York Times diz,
numa matéria de 19 de julho de 2012: “Essa taxa não se baseia muito na
realidade”. Em 2011, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos começou uma
investigação criminal. Graças a vazamentos, agora sabemos da troca de e-mails
entre banqueiros, falando alegremente sobre a sub-notificação das taxas, e
encorajando o processo. Por que não? Eles estavam ganhando muito dinheiro.
Em meio a tudo isso, o Independent publicou uma matéria de duas páginas
sobre os paraísos fiscais, e a soma incrível de dinheiro que vai para esses
lugares, proveniente dos países do Sul global. Provavemente, o dinheiro
retirado seria mais que suficiente para financiar as transformações econômicas
e redistribuições de renda necessárias nestas nações. Ao contrário das
manipulações da taxa Libor, os paraísos fiscais são legais.
Então, onde está o escândalo? As duas
práticas – sub-notificação da taxa Libor e transferência de dinheiro para os
paraísos fiscais – são absolutamente normais, numa economia-mundo capitalista.
A finalidade do capitalismo, afinal de contas, é a acumulação de capital.
Quanto mais, melhor. Um capitalista que não maximiza os lucros, de uma forma ou
de outra, será eliminado do jogo, cedo ou tarde.
O papel dos estados nunca foi
controlar ou limitar essas práticas, mas fazer vistas grossas pelo maior tempo
possível. De vez em quando, as práticas – dos capitalistas e dos estados – são
momentaneamente expostas. Algumas pessoas são presas, ou forçadas a devolver o
lucro ilegal. E os políticos falam em reforma – tentando adotar, com máximo
alarde, o nível mais baixo de “reforma” que puderem.
Porém, isso não é um escândalo,
porque o que se chama de “escândalo” é, na verdade, o coração do sistema. Algum
dia isso irá mudar? Sim, claro. Um dia, o sistema não existirá mais. Claro que
isso abre outra questão. O próximo sistema será melhor? É possível, mas não é
certo.
Enquanto isso, chamar a manipulação da Libor de escândalo é ocultar que
se trata, na verdade, de mais uma forma normal de acumular capital. Em 1992,
James Carville, estrategista de campanha de Bill Clinton, que então concorria à
presidência dos Estados Unidos, disse algo que ficou famoso: “é a economia,
estúpido”. Frente aos chamados escândalos, deveríamos dizer “é o sistema,
estúpido”.
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