Mais cruel dos assassinos da Guerrilha do Araguaya
Justiça determina abertura de ação penal contra
militares por crimes na ditadura
AGUIRRE TALENTO
DE BELÉM
DE BELÉM
Militares que atuaram na repressão
durante o regime militar (1964-85) responderão a ação penal por supostos crimes
cometidos durante a ditadura.
A Justiça Federal em Marabá (685 km de
Belém) aceitou denúncia do Ministério Público Federal e determinou a abertura de ação penal contra
o coronel da reserva Sebastião Rodrigues Curió, 77, e contra o tenente-coronel
da reserva Lício Maciel, 82.
Ambos combateram a guerrilha do
Araguaia (1972-1975), na região sul do Pará, e são acusados do crime de
sequestro qualificado.
A Procuradoria sustenta que corpos de
militantes de esquerda supostamente mortos por eles até hoje não foram
encontrados e, por isso, podem ser considerados como desaparecidos.
O crime de sequestro qualificado prevê
pena de prisão de dois a oito anos.
A ação contra Curió havia sido
rejeitada em março, mas o Ministério Público Federal recorreu e agora conseguiu
mudar a decisão.
Antes, o juiz federal João César Otoni
de Matos havia entendido que a Lei da Anistia, de 1979, perdoou crimes
cometidos durante a ditadura militar e por isso rejeitou a abertura da ação.
ANISTIA
Em São Paulo, uma ação semelhante
contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra foi rejeitada pela
Justiça Federal, sob entendimento da Lei da Anistia.
É, portanto, segundo a Procuradoria,
inédita a decisão da juíza federal Nair Cristina de Castro pela abertura dos
processos. Ela já determinou que os acusados sejam ouvidos. As decisões são da
última terça-feira (28) e foram divulgadas nesta quinta (30) pela Justiça
Federal no Pará.
A juíza diz que, se o crime de
sequestro continua até o presente momento, não se aplica a ele a Lei da
Anistia, pois ultrapassou o período dos crimes anistiados.
O tenente-coronel Lício Maciel diz que
o guerrilheiro Divino Ferreira de Souza foi baleado em combate. Maciel diz que
não pode ser acusado de sequestro porque Divino foi levado a uma enfermaria e,
posteriormente, militares o informaram que ele havia morrido.
Procurado pela reportagem, o coronel
Sebastião Curió não quis comentar o caso.
Ulstra é convocado
A Comissão da Verdade da Câmara
Municipal de São Paulo aprovou ontem a convocação do coronel reformado Carlos
Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do Doi-Codi, principal órgão de repressão da
ditadura militar (1964-85).
Ele é acusado de comandar práticas de
tortura contra presos políticos na unidade, que foi criada sob o nome de Oban
(Operação Bandeirante). O militar nega a participação direta em maus-tratos.
Como a comissão municipal não tem
poderes para forçar a presença de testemunhas, a convocação será feita pela
Comissão Nacional da Verdade, explicou o vereador Italo Cardoso (PT).
Os dois órgãos assinaram termo de
cooperação para permitir a tomada de depoimentos em São Paulo.
O vereador Gilberto Natalini (PV), que
é ex-preso político e integra a comissão, diz ter sido torturado por Ustra.
"Ele me bateu durante várias horas
e me obrigou a declamar poesias nu e diante dos soldados para me
humilhar", disse Natalini.
"Ele me batia com uma vara de cipó
de um metro e meio de comprimento. Tive que ficar equilibrado com os pés em
cima de latas de leite em pó. Também sofri choques elétricos. Tudo pelas mãos
dele", afirmou.
No último dia 14, numa decisão inédita,
o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou sentença de primeira instância que
reconheceu Ustra como torturador. Ele ainda pode recorrer. O militar, que se
recusa a dar entrevistas, não foi localizado ontem.
A comissão também aprovou um convite
para o ouvir o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto. Ele foi um dos signatários
do AI-5, o ato institucional nº 5, que endureceu o regime e instituiu a censura
prévia a partir de 1969.
Os vereadores querem questioná-lo sobre
sua suposta participação na arrecadação de recursos para a Oban, que foi criada
com a ajuda de empresários paulistas.
Segundo um assessor, Delfim só deve se
pronunciar depois de ser convidado formalmente. De acordo com Italo Cardoso, o
convite por ser transformado em convocação caso ele não o aceite.
Torturas hoje
A Comissão Nacional da Verdade deverá incluir no relatório recomendações
contra a tortura praticada hoje por corporações policiais. Ontem, no Pará,
membros da comissão ouviram relatos sobre torturas em um presídio do Estado e
na Aeronáutica.
Eles disseram que o relatório vai se restringir ao período de 1946
a 1988, mas as recomendações incluirão fatos atuais.
"É claro que [haverá] recomendações em relação à estrutura
policial do Brasil, que não pode continuar como está. Nós ratificamos a
convenção da tortura, e a tortura continua sendo aplicada em todos os
Estados", disse o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro. "A
tortura ainda está institucionalizada", disse o ex-procurador-geral
Cláudio Fonteles.
A comissão anunciou que encaminharia ao cartório que registrou a
morte do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975, pedido de alteração em sua
certidão de óbito. "Queremos que seja incluída a informação 'morto por
tortura nos porões da ditadura'", disse Fonteles. A versão da ditadura é
que Herzog se suicidou.
No Rio, outra integrante da comissão, Maria Rita Khel, disse que
jamais poderia ter "saudade daquele tempo em que se praticou terrorismo de
Estado". Khel disse ser difícil determinar, com apenas três meses de
trabalho, que resultados a Comissão da Verdade conseguirá, mas se disse cética
em relação às chances de localizar corpos de desaparecidos.
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