quarta-feira, outubro 17, 2012

Conhecer o corpo humano para prestar "primeiros socorros""


Primeiros Socorros

JAIME SAUTCHUK*


A criança e o jovem brasileiros muito cedo já sabem tudo sobre máquinas mecânicas, como carros e motocicletas. Sabem o que é um pistão, uma válvula, um giclê disso ou daquilo e onde cada peça se localiza nos motores. Mas não sabem onde fica o fígado, o nervo ciático ou mesmo o estômago humano. Nosso corpo é um mistério.

Essa distorção na formação vem de casa, pois, de um modo geral, os pais tampouco sabem lhufas a respeito da máquina humana. É comum vermos gente como um engenheiro, diretor de empresa, bater no lado esquerdo da barriga e dizer que está com dor no fígado, que fica no lado direito. Ou um advogado de grandes causas tossir e reclamar do “meu pulmão”, como se tivesse só um. São exemplos.

Mais comum ainda é ouvirmos frases do tipo “você mora no meu coração”, embora este órgão, embora central, seja apenas uma bomba, que faz o sangue rodar pelas veias. Os sentimentos, como o carinho e o amor, onde a pessoa querida “mora”, estão no cérebro dos humanos.

E nem seria preciso falar nos diagnósticos apressados, que levam a erros sérios, muitas vezes letais. Uma tosse seca é de pronto atribuída ao cigarro ou à poeira da rua, quando pode muito bem estar revelando uma tuberculose. O corpo quente, com suor e calafrios é sempre uma insolação qualquer, quando pode ser dengue.

Ou seja, a ignorância sobre nosso corpo perpassa a juventude e o ensino médio, penetra e transpõe a universidade e segue boa parte de nossos concidadãos até seus últimos dias de vida. Parece um absurdo, mas é a mais pura realidade, que vem sendo constatada e realçada por pesquisas de várias instituições de saúde do país.

A origem dessa deformação, no final das contas, está na escola, que deveria suprir uma deficiência que acompanha os mortais do primeiro respiro ao último suspiro. Só os bancos escolares são capazes de quebrar esse vergonhoso e danoso ciclo de ignorância, com a introdução de noções básicas de medicina, anatomia e de outras disciplinas correlatas. Começando, é claro, pela capacitação de professores.

O que se percebe, entretanto, é que há muita dificuldade para se tratar desse tema desde os primeiros anos da escola. E a situação fica ainda mais grave quando entra em cena a função sexual de alguns órgãos do corpo. Aí, entram os tabus e preconceitos, no mais das vezes de cunho religioso, que tornam a abordagem superficial e obscura, quando ocorre.

Isso vale para a rede de ensino em geral, tanto pública quanto privada, e se agrava no meio familiar e comunitário, em todos os níveis sociais. É certo que há maior incidência entre famílias de baixa renda, que vivem em condições precárias nas periferias das cidades ou mesmo em ilhas de miséria nos centros urbanos.

Neste caso, o resultado da falta de informação é a proliferação do sexo livre e suas consequências. Esse rol é encabeçado pela gravidez precoce e pela difusão de doenças contagiosas. Meninas de treze anos, mesmo de classe média, já colocam filhos no mundo sem que elas próprias tenham saído direito da infância. E vêm um, dois, três filhotes de enfiada.

Já as doenças sexualmente transmissíveis proliferam a passos largos. Mesmo a Aids, tida como “sob controle” pelas autoridades de saúde, caminha célere na surdina. Segundo o médico e pesquisador Dráuzio Varela, entre os grupos de risco de São Paulo, por exemplo, a incidência desse mal ainda é de 10%, ou seja, igual às taxas da África do Sul, situadas entre as mais elevadas do mundo.

Fica claro, pois, que os cuidados com o corpo humano é tema que precisa entrar com urgência na grade curricular desde os primeiros momentos da escola. Deve estar com mais força nas reformas que estão sendo processadas pelo Ministério da Educação.

Iniciativas dos estados e municípios também são válidas e necessárias, desde que seguindo padrões verdadeiramente educacionais, com base científica. Não devem ter o sentido do embotamento, com cargas de preconceito ou informações distorcidas. Material para isso não falta, pois são produzidos em larga escala por órgãos do governo e de entidades ligadas ao setor.

Essas iniciativas funcionariam, digamos, como primeiros socorros para uma situação que é da maior gravidade.

·         *Jaime é jornalista, escritor, presidente do Cebrapaz/Df, ambientalista e muito mais

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