Primeiros Socorros
JAIME
SAUTCHUK*
A
criança e o jovem brasileiros muito cedo já sabem tudo sobre máquinas
mecânicas, como carros e motocicletas. Sabem o que é um pistão, uma válvula, um
giclê disso ou daquilo e onde cada peça se localiza nos motores. Mas não sabem
onde fica o fígado, o nervo ciático ou mesmo o estômago humano. Nosso corpo é
um mistério.
Essa
distorção na formação vem de casa, pois, de um modo geral, os pais tampouco
sabem lhufas a respeito da máquina humana. É comum vermos gente como um
engenheiro, diretor de empresa, bater no lado esquerdo da barriga e dizer que
está com dor no fígado, que fica no lado direito. Ou um advogado de grandes
causas tossir e reclamar do “meu pulmão”, como se tivesse só um. São exemplos.
Mais
comum ainda é ouvirmos frases do tipo “você mora no meu coração”, embora este
órgão, embora central, seja apenas uma bomba, que faz o sangue rodar pelas
veias. Os sentimentos, como o carinho e o amor, onde a pessoa querida “mora”,
estão no cérebro dos humanos.
E
nem seria preciso falar nos diagnósticos apressados, que levam a erros sérios,
muitas vezes letais. Uma tosse seca é de pronto atribuída ao cigarro ou à
poeira da rua, quando pode muito bem estar revelando uma tuberculose. O corpo
quente, com suor e calafrios é sempre uma insolação qualquer, quando pode ser
dengue.
Ou
seja, a ignorância sobre nosso corpo perpassa a juventude e o ensino médio,
penetra e transpõe a universidade e segue boa parte de nossos concidadãos até
seus últimos dias de vida. Parece um absurdo, mas é a mais pura realidade, que
vem sendo constatada e realçada por pesquisas de várias instituições de saúde
do país.
A
origem dessa deformação, no final das contas, está na escola, que deveria
suprir uma deficiência que acompanha os mortais do primeiro respiro ao último
suspiro. Só os bancos escolares são capazes de quebrar esse vergonhoso e danoso
ciclo de ignorância, com a introdução de noções básicas de medicina, anatomia e
de outras disciplinas correlatas. Começando, é claro, pela capacitação de
professores.
O
que se percebe, entretanto, é que há muita dificuldade para se tratar desse
tema desde os primeiros anos da escola. E a situação fica ainda mais grave
quando entra em cena a função sexual de alguns órgãos do corpo. Aí, entram os
tabus e preconceitos, no mais das vezes de cunho religioso, que tornam a
abordagem superficial e obscura, quando ocorre.
Isso
vale para a rede de ensino em geral, tanto pública quanto privada, e se agrava
no meio familiar e comunitário, em todos os níveis sociais. É certo que há
maior incidência entre famílias de baixa renda, que vivem em condições
precárias nas periferias das cidades ou mesmo em ilhas de miséria nos centros
urbanos.
Neste
caso, o resultado da falta de informação é a proliferação do sexo livre e suas
consequências. Esse rol é encabeçado pela gravidez precoce e pela difusão de
doenças contagiosas. Meninas de treze anos, mesmo de classe média, já colocam
filhos no mundo sem que elas próprias tenham saído direito da infância. E vêm
um, dois, três filhotes de enfiada.
Já
as doenças sexualmente transmissíveis proliferam a passos largos. Mesmo a Aids,
tida como “sob controle” pelas autoridades de saúde, caminha célere na surdina.
Segundo o médico e pesquisador Dráuzio Varela, entre os grupos de risco de São
Paulo, por exemplo, a incidência desse mal ainda é de 10%, ou seja, igual às
taxas da África do Sul, situadas entre as mais elevadas do mundo.
Fica
claro, pois, que os cuidados com o corpo humano é tema que precisa entrar com
urgência na grade curricular desde os primeiros momentos da escola. Deve estar
com mais força nas reformas que estão sendo processadas pelo Ministério da
Educação.
Iniciativas
dos estados e municípios também são válidas e necessárias, desde que seguindo
padrões verdadeiramente educacionais, com base científica. Não devem ter o
sentido do embotamento, com cargas de preconceito ou informações distorcidas.
Material para isso não falta, pois são produzidos em larga escala por órgãos do
governo e de entidades ligadas ao setor.
Essas
iniciativas funcionariam, digamos, como primeiros socorros para uma situação
que é da maior gravidade.
· *Jaime é
jornalista, escritor, presidente do Cebrapaz/Df, ambientalista e muito mais
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