RELATÓRIO MÉDICO. PACIENTE: BRASIL
Victor Neiva Mendonça*
Paciente
hidratado com fartura por uma infinidade de rios e pelo enorme contato com o
oceano, sempre corado porque tropical e muito bem nutrido de tudo que a natureza
pode oferecer. Apesar disso, definitivamente, não se apresenta nem lúcido e
muito menos orientado. Demonstra sinais de um profundo conflito interno, com
sinais de confusão mental e até de automutilação. A parte de sua vestimenta
verde possui clarões com manchas de sangue demonstrando que o paciente
possivelmente se corta, bem como há discrepâncias notórias entre a apresentação
de joias caríssimas e sinais de desnutrição, manifestada no desgaste muscular,
além de apresentar pés descalços e mãos calejadas.
Quanto ao histórico clínico, o paciente apresenta sintomas de
esquizofrenia, possivelmente originada já em sua concepção, caracterizada por
rompantes de duas personalidades bem distintas. Inicialmente relacionada a
problemas nutricionais, quando se notabilizou a expressão Belíndia, com uma
parte bem alimentada como a Bélgica, e outra faminta como a Índia, o fato é que
atribuir à falta de alimentos ou de recursos esta característica é uma
estupidez, eis que absolutamente incompatível com a fartura que a Providência
lhe proporcionou.
Assim é evidente que a existência de carestia é decorrência de um
problema psíquico, e não o problema psíquico derivado da carestia. Há duas
personalidades no paciente em claro conflito. A primeira, considerada Dona do
Poder por Raimundo Faoro, aristocrática, derivada da corte que aqui chegou, tem
sinais inequívocos de psicopatia e alienação mental e só vê as potencialidades
brasileiras como matéria prima para reprodução de modelos estrangeiros,
inicialmente português e após inglês, francês e hoje norte-americano. A
psicopatia se verifica em surtos de agressividade, o que é possivelmente a
causa da automutilação.
A segunda, tolhida dos recursos
pela primeira e, portanto pobre, é de doçura, determinação e inteligência
raras. Acostumada a tirar leite de pedra, fez no sertão, nos cortiços e na
favela uma das mais belas e genuínas culturas do mundo. Como exemplo, temos o
samba, o xote, o frevo, por exemplo.
A esquizofrenia passou por dois tratamentos significativos em seu
passado. O primeiro bastante duro e agressivo, com revoltas e ditadura, chamada
de Estado Novo, possibilitou alguma destinação de recursos para os órgãos
mantidos pela segunda personalidade, bem como alguma reconstrução de
auto-estima, trazendo um quê de nacionalismo para quem se sentia sempre aquém
dos modelos espelho. Apesar disso, teve como efeitos colaterais a restrição ao
desenvolvimento cultural, a legitimação de parte da opressão e a radicalização
de parte dos órgãos mantidos pela primeira personalidade.
A segunda fase do tratamento foi democrática, com o aprofundamento do
desenvolvimento oferecido pela primeira, a constituição de instituições e
partidos, além da abertura cultura e de liberdade de expressão que viabilização
a sua melhor manutenção a convivência de algum diálogo entre as duas
personalidades. O tratamento, em suas duas fases reduziu os sintomas de
esquizofrenia e viabilizou o melhor aproveitamento de suas maravilhosas
potencialidades.
De fato, iniciado o trabalho dos órgãos da primeira personalidade de
maneira mais rústica, até mesmo pela carestia que lhes era inerente, com a
melhor distribuição dos recursos, se viu melhor nutrido, e, com o diálogo e a
convivência, puderam trocar experiências. Daí surgem os chamados anos dourados
e algumas das mais belas e até rebuscadas manifestações culturais que ele pôde
produzir, como a Bossa Nova, a arquitetura modernista de Niemeyer e Lúcio Costa
dentre outros.
Além disso, do ponto de vista intelectual e político, passou-se à
elaboração de projetos de vanguarda de educação, desenvolvimento, erradicação
da fome e democratização, bem como à ocupação do sertão em um país que vivia
apenas com parte de seus recursos materiais utilizados.
Ocorre que o não tratamento adequado dos efeitos colaterais da primeira
fase do tratamento e das inatas características psicopáticas da primeira
personalidade, mantendo-os no controle de a maior fonte dos recursos, que é a
terra, parte do sistema nervoso (a comunicação), as reservas de gordura e, pior
de tudo, o sistema imunológico (os milicos) ocasionou o surto. Se sentiram no
Direito de assumir de novo todo o controle do paciente e o levaram a um
profundo trauma.
O trauma foi caracterizado por um grave movimento de rotação que, embora
não se possa confirmar pela impossibilidade de se proceder à ressonância
magnética, indica a existência de lesão axional difusa, principalmente no
hemisfério direito do cérebro, responsável pelos movimentos do lado esquerdo e
pela rima,
ritmo, música, pintura, imaginação, imagens, modelos e harmonias.
Para que os leigos entendam, Lesão Axional Difusa (LAS) é o rompimento
da comunicação dos neurônios no cérebro causado por um movimento rotacional
abrupto do crânio. É como um mal contato ou a desconexão dos cabos. Em casos
muito graves, transforma o paciente em um vegetal, mas em casos menores pode
justificar demência, perda de equilíbro (ataxia). É como se a rede fosse
desfeita.
A consequência no paciente foi o hiperdimensionamento da outra área para
compensar a perda momentânea da outra, o agravamento da agressividade, com a
quase paralisação das manifestações culturais e o domínio de todo o corpo pelo
viés psicopático.
Como o paciente é muito forte e, parte dele, acostumada a progredir em
condições inóspitas, já superou em parte o pior desta característica, mas
parece que o lado afetado pela (LAS) também passou a incorporar parte de
agressividade, não abandonada pela outra, o que incrementou a disputa pelo
corpo entre as duas personalidades, talvez daí as manchas de sangue.
A se manter esta dinâmica a tendência é uma certa paralização do
paciente, podendo, de fato, se tornar catatônico perante os fatos do mundo e da
realidade, gastando toda a energia que lhe resta nesta batalha interna pelo seu
domínio.
O problema é que a instituições e o sistema nervoso, após o trauma,
responsáveis pela viabilização do diálogo e da possível superação da
esquizofrenia, após o trauma, passaram a sofrer de carência dos componentes de
república e democracia para o seu funcionamento. O executivo foi fracionado e
tem como alternativa o aparelhamento para se manter. O Legislativo tornou-se
fundamentalmente fisiológico e é incapaz de discutir um projeto de nação, eis
que os os partidos hoje existentes sequer se propõe a este desafio.
E o pior e o Judiciário, sequer percebeu que o trauma passou e que é
hora de mediar conflitos e promover os valores da democracia e dos direitos
humanos. Está formado por uma infinidade de corporações que vivem a lógica do
“farinha pouca, meu pirão primeiro” e perdem mais a caça de recursos, sem perceber
que o seu volume de colesterol já está a entupir suas veias. O paciente como um
todo, já está fazendo de tudo para contorna-lo. Cria procedimentos
extrajudiciais de resolução e conflitos e descrê que o apelo àquele que deveria
ser o seu árbitro levará seus argumentos em consideração, o que agrava a
agressividade e a virulência do paciente.
Assim, tem-se como hipótese diagnóstica a esquizofrenia agravada por
Lesão Axional Difusa e carência de Justiçol, que tem como componentes os
princípios republicano de democrático, além de justiça social. Os originais,
não os genéricos ou similares.
Como tratamento, recomenda-se ao paciente o controle do conflito por
respeito mútuo, mesmo que às custas de eventual dopagem, bem como o tratamento
com Justiçol pelas vias venosa, oral e até em supositório.
Prognóstico: caso seguido à risca o tratamento, o prognóstico é
extremamente favorável, tornando o paciente uma grande nação. Caso contrário,
pode leva-lo ao suicídio
*Victor
Neiva Mendonça, advogado militante em Brasilia e cidadão preocupado com os
brasileiros e o futuro da humanidade
(sem registro e em inequívoco exercício irregular
da profissão)
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